quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Luto - Meu Primeiro Texto

 



Um dia tudo acaba. Palavras da minha analista, que me diz que escrever ajuda em tudo, até no processo do luto. As lágrimas me embaçam a visão de uma mulher mais nova que eu, que no início da primeira sessão me disse ter uma filha de quatro anos. Do nada ela me pergunta: - você acha que se tivesse tido mais filhos teria sido mais fácil, teria tido mais apoio? Eu enxugo as lágrimas e nego. Um filho apenas fez e faz tudo o que lhe é possível fazer, no limite do esperado. Nunca pensei em meu filho equilibrando pratos. Tendo que viver ( sua vida e seu próprio luto ) e resolver meus próprios problemas reais e emocionais. Ela me pede para sentar-me. Nem comecei a falar ainda mas as lágrimas me nublam a visão e só posso sentir a minha mão na aliança dele, que agora carrego em uma corrente em meu peito. Ela, a terapeuta a quem não irei dar nome, por motivos óbvios, me faz perguntas que respondo quase automaticamente. Quanto tempo de casada, quanto tempo de convivência, quantos filhos, o trabalho dele, o meu trabalho... chega um momento em  que quase consigo assistir de cima, como telespectadora, fora do meu próprio corpo aquele bem intencionado inquérito, onde as respostas saem meio de forma automática. Ela me oferece a caixa de lenços de papel e pela primeira vez percebo que estou chorando , como se nunca mais fosse cessar todo aquele líquido dos meus olhos. Naquele momento  não percebo que estou respondendo a todas as perguntas. Pareço ter uma espécie de arquivo que pela terapeuta foi desbloqueado, para que eu pudesse respondê-la sem sequer ouvir de fato  o que estava sendo perguntado. 

Na minha cabeça o que lembro são memórias diluídas, você caído entre a pia e o fogão, eu tentando aplicar massagem cardíaca e fazendo respiração boca a boca, e, para meu desespero, estou consciente demais para, apesar de seus movimentos involuntários, perceber seus olhos vazios, opacos e distantes, de quem, mesmo com as tentativas minhas e dos médicos do SAMU, já não estava entre nós. Eu soube que tinha te perdido no momento que entrei na cozinha. Os quase quarenta minutos de tentativas minhas e dos paramédicos só prolongaram aquilo que eu soube quando cobri sua boca com a minha para te jogar ar. Você já havia partido. O coração ainda batia, você de alguma forma ainda respirava, mas já não estava mais lá. Você morreu e, de alguma forma ainda é muito difícil verbalizar isto.

A mulher à minha frente percebe que estou longe dali e tenta me trazer de volta à sessão. Não se pode dizer que ela não tenha tentado. Eu acho. Porque na verdade me lembro muito pouco do que conversamos nesta primeira visita. Ela, enquanto eu enxugava as lágrimas, dizia que é muito mais difícil viver a perda no mesmo local onde vivemos a vida toda. Descobriu a América, ela, tadinha. Sem desmerecer seu empenho, só eu sei o que tem sido voltar todo final de tarde para nosso apartamento, sentindo como se você ainda estivesse sentado onde sentou-se por trinta e sete anos, seu lugar no sofá, seu lugar à mesa onde fazia as refeições, seu lugar onde dormia, por onde caminhava, à mesa do computador onde você trabalhava e onde hoje preciso me sentar para fazer o trabalho que era seu. Verdade seja dita, , não fosse sua rigorosa organização eu jamais estaria ocupando sua função como síndica. Há tantas pastas caprichosamente arquivadas no nosso computador que me espanto de você ter arquivado tudo, previsto tudo, deixado para mim um trabalho quase pronto de como administrar nosso prédio. Santa organização!

Eu desperto de meus devaneios quando a mulher à minha frente repete a pergunta, agora em um tom de voz mais elevado: "- Você sabia, soube, por três anos, que ele estava doente e era mais velho que você, não sabia? Não pensava nisto?"

Eu quis pular no pescoço da moça, adornado por alguma coisa dourada que me chamava a atenção, mas não achei que ela me entenderia. Levei mais de um minuto para responder sua pergunta. Sim, é evidente que eu sabia. O que não queria dizer que eu gostasse da possibilidade. Sempre dizia a ele que iríamos juntos, que não suportaria sua perda e ele ria de mim, me lembrando em sua sensatez que na vida não fazemos o que queremos , mas o quer era para ser. Quando ela mencionou nossa diferença de quase dezesseis anos de idade, viajei ao passado, uma viagem agridoce, onde me lembrava de nossa paixão aterradora e a reação das pessoas ao nosso redor. Meu pai me disse que estaria me deserdando ( como se isso mudasse alguma coisa - era fazer as coisas da forma tradicional para dar satisfações aos seus parentes e amigos ou aceitar que iríamos juntar nossas escovas de dente. Muito rapidamente ele percebeu que não estávamos brincando. Passados alguns anos, meu pai passou a nutrir por meu marido um carinho de pai para filho). Por outro lado me doía pensar que alguns parentes dele me viam como uma espécie de golpista, que só queria arrancar dele o que ele nem tinha e que iria lhe meter chifres na primeira oportunidade. Eu me aborrecia e ele dizia para não ligar, que um dia todos os seus parentes me veriam com outros olhos. Casei-me, com dezenas de pessoas apostando se meu casamento duraria um semestre, um ano ou cinco. Entre conhece-lo e casar-me foram quarenta e um anos. Nem o bendito padre de minha paróquia quis abençoar nossas alianças. Por ser desquitado, o padre, que deve estar mordendo a língua até hoje, recusou-se em abençoar nossas alianças  e disse que nossa união e todos os meus herdeiros seriam amaldiçoados. Para agradar gregos, e troianos de ambos os lados da família, casamos em uma Igreja Anglicana, com um padre de uma destas igrejas que não perguntam nada se você pagar o suficiente, usei branco, véu, grinalda, joguei o buquê para as amigas, meu pai bancou uma festa que não podia pagar, para mostrar aos seus amigos que a primeira filha tinha se casado conforme a tradição  e, no fim, depois de tantas concessões de ambos os lados, só nos importava o quanto nos amávamos um ao outro que quase doía, de tão real este amor.

Foi então, ainda entre lágrimas, que me lembrei o quanto a morte dele me doía em meu corpo também,  uma dor física, uma dor no peito que eu só sabia explicar como a dor de quando me apaixonei e que eu nunca consegui explicar, menos ainda agora, para ninguém. Me dói, me formiga os braços ao entrar na nossa cozinha, não consigo pisar aonde ele caiu e morreu. Me sinto como se estivesse pisando em cima dele. Não consigo dormir na nossa cama, porque por quarenta anos minha mão pousava sobre sua perna, em um gesto de carinho, que depois de sua doença, virou um gesto para lhe dizer que eu estava lá, que ele não precisava se preocupar.

Hoje durmo em uma cama de solteiro encostada na parede, e à noite ainda me pego procurando a perna dele para saber se está tudo bem. Se ouço um barulho em casa pergunto se ele precisa de mim, se troco de canal na TV e o som aumenta, eu corro para abaixar, porque o som alto pode acordá-lo. É tudo como se ele estivesse ainda aqui.

A sessão está terminando e eu a ouço dizer que eu devia externar meus pensamentos em um diário " - escrever sempre ajuda!"

Cá estou eu escrevendo sobre meus sentimentos e compartilhando com quase zero pessoas. Não que me faltem amigos. Muito pelo contrário, eles são muitos e têm me mantido em pé durante mais de três anos, das mais diversas maneiras. São minha rede de apoio e proteção. Meus amigos, minha família e a filha mais velha do meu Afonso, com quem me dou muito bem, têm me dado toda a força que eu preciso e ainda mais. E meu filho! O que dizer do meu filho, que nunca me falta, mesmo quando a distância se torna um empecilho!

Mas, na verdade, ninguém quer ler sobre  dor do outro. Cada um tem sua própria dor, cada um carrega seu próprio fardo. Então, escrevo e jogo no meu bom e velho blog, para quem quiser perder cinco ou dez minutos para dar uma lida. Talvez alguém se identifique, talvez ajude alguém que está caminhando sobre esta mesma trilha.

A propósito, já foram duas sessões. Não sou burra, mesmo tendo feito psicologia, sei que santo de casa não faz milagre e que deverão ser muitas sessões até que eu não precise mais de lenços de papel. Mas, apesar de toda a dor, de todas as dificuldades, sei que a terapeuta tem razão. Tudo acaba. Até a dor física que hoje é palpável um dia irá passar e se transformar apenas em uma saudade boa das loucuras que cometemos em nome do amor. Nós tivemos uma vida incrível e apesar de alguns dias brigarmos feito cão e gato, não sabíamos viver um sem o outro. Houve cumplicidade, houve compreensão, houve apoio, houve pic nic em cima de formigueiro, houve champanhe com sanduiche de mortadela, houve sexo como ninguém jamais fez e como os jovens de hoje jamais saberão como é ( palavras dele, mas que eu endosso), houve acalanto, houve dança na sala ao som de Emílio Santiago, bossa nova e Johnny Mathis, houve cartarmos juntos Guilherme Arantes e seu sol num despertar, brincando com a brisa, pois fomos mais românticos que a lua cheia!... houve segurada de barra contando moedas para comprar leite para o Bruno, houve desemprego, um enfarte aos quarenta e um anos, houve dias em que trabalhei vinte e tantas horas seguidas e você segurou lindamente a situação, nosso casamento teve de tudo um pouco e além. 

Só não me peça para aceitar você ir embora sem mim. Não era o nosso combinado e isso foi golpe baixo. E agora me resta aceitar existir sem você ai meu lado. Isto me soa tão injusto para um casal que passou tanta coisa junto! Você até ensaiou ir sem mim antes: ter um enfarto quando Bruno tinha nove meses não teve graça, nem ficar dez dias sentada nas escadas que davam acesso à UTI.do UNICOR. Tampouco quase morrer afogado para salvar a bola do Bruno em Meaípe. Ou cair na cachoeira e perder os óculos e me matar de susto. Mas, o que eu sempre te dizia: eu fico péssima de viúva, me recuso a ser uma. Por isto, hoje sou apenas uma mulher casada, cujo marido impaciente resolver mudar-se na minha  frente. Você sempre fez troça de mim por causa destas brincadeiras. 

Vou tentar continuar escrevendo minha lições de casa para a terapeuta. Não, ela não quer ler. Acho que ninguém quer, mas eu não me importo. Vou jogar no meu blog que, de forma geral, quase ninguém lê, sim, aquele blog onde segundo você eu postava as nossas indecências em forma de .fec... fic...você nunca acertava o nome. Ah, você era tão à frente do seu tempo em algumas coisas, mas tão antiquados para outras.. mas, sempre te compreendi, Era um pouco demais para alguém criado na década de quarenta. 

Continuo chorando, um choro onde os condôminos não enxergam as lágrimas, onde os amigos acham que estou melhorando e os parentes tem certeza de que é uma questão de tempo a dor passar. Minha doença avança calada e sem fazer muito alarde, mas logo não será mais tão fácil pintar ou me locomover e se houver justiça divina neste mundo, neste dia, ao invés de me render às fraldas ou à cadeira de rodas, nós tomaremos um atalho e você virá me buscar e nos encontraremos novamente. 

Te amo incondicionalmente como da primeira vez que te vi, como da última vez que te vi!

Tua sempre e sempre,

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Um Inesquecível Poema dor Dia - 4

                                       

Fernando Pessoa, quase uma unanimidade. Nascido em Lisboa ( 1888-1935), educado na África do Sul, escreveu em inglês e português, utilizou-se de heterônimos como Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro para escrever boa parte de sua marcante obra. Faleceu aos 36 anos. Tem muitos outros poemas muito conhecidos, mas este em especial marcou-me para sempre desde que o li pela primeira vez, também em minha juventude.

 Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho. 
Cada momento mudei. 
Continuamente me estranho. 
Nunca me vi nem acabei. 
De tanto ser, só tenho alma. 
Quem tem  alma não tem calma. 
Quem vê é só o que vê, 
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo, 
Torno-me eles e não eu. 
Cada meu sonho ou desejo 
É do que nasce e não meu. 
Sou minha própria paisagem; 
Assisto à minha passagem, 
Diverso, móbil e só, 
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo 
Como páginas, meu ser. 
O que segue não prevendo, 
O que passou a esquecer. 
Noto à margem do que li 
O que julguei que senti. 
Releio e digo:  "Fui  eu ?" 
Deus sabe, porque o escreveu. 
Fernando Pessoa

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Um Inesquecível Poema Por Dia - 3



Florbela Espanca entrou na minha vida tardiamente. Tem um blog que eu adoro acompanhar chamado Tardes Poéticas e foi nele que em 2011 deparei-me com:

"Não se pode chegar aos astros quem leva a vida de rastros, quem é poeira de chão."

E então descobri a poetisa portuguesa, nascida no Alentejo em 1894, que viveu intensamente a dor, o amor e a morte em suas obras e após três tentativas, tirou sua vida com apenas trinta e seis anos, em 1930. Em sua obra, poderosa e marcante é difícil escolher o que mais me toca, mas hoje escolhi o poema. 




                               Os Versos Que Te Fiz


Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem para dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer!

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda.
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não fiz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

terça-feira, 26 de maio de 2020

Um Inesquecível Poema Por Dia - 2


É difícil falar em poesia e não pensar em Vinícius de Moraes. Comecei a ler Vinicius com 15 ou 16 anos na Biblioteca Municipal da Móoca, na rua Taquari, salvo me engano. Devo ter lido tudo que havia ele à disposição por lá. Impossível escolher algo dele sem ser injusta com o que fica de fora, e ainda que o Soneto da Fidelidade seja meu preferido, hoje fico com amar e morrer de amor..
Vinícius de Moraes, carioca, nasceu em 1913 e faleceu em 1980.

                                           Soneto do Amor Total
Amo-te tanto, meu amor… não cante
O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

segunda-feira, 25 de maio de 2020

Um Inesquecível Poema Por Dia!!


Mamãe Ruth, fiquei pensando em como comemorar seu aniversário sem abraços apertados, sem um monte de beijos,sem estarmos juntas, sem presentes. Então pensei em fazer uma homenagem virtual, um poema por noite, durante toda a semana de seu aniversário. E vou começar com um que você gosta muito: Funeral Blues, do inglês Wystan Hugh Auden, vulgo W H Auden, )que morreu em 1973. Você deve reconhecê-lo facilmente, vamos ver se acerto em cheio!! Feliz Semana de Aniversário e aproveite! Depois virão Vinícius, Florbela Spanca, T S Eliot, Drummond, Fernando Pessoa, Pablo Neruda e Castro Alves. Para você ter sua semana inspirada!
Obs.: Primeiro o original e abaixo a tradução de Nelson Ascher, que talvez não seja exatamente a mais fiel, mas é a que gosto mais! Enjoy!!!! E Feliz começo de Aniversário!!!!

Stop all the clocks, cut off the telephone,
Prevent the dog frombarking with a juicy bone,
Silence the pianos and with muffled drum
Bring out the coffin, let the mourners come.
Let aeroplanes circle moaning overhead
Scribbling on the sky the message 'He is Dead'.
Put crepe bows round the white necks of the public doves,
Let the traffic policemen wear black cotton gloves.
He was my North, my South, my East and West,
My working week and my Sunday rest,
My noon, my midnight, my talk, my song;
I thought that love would last forever: I was wrong.
The stars are not wanted now; put out every one,
Pack up the moon and dismantle the sun,
Pour away the ocean and sweep up the woods;
For nothing now can ever come to any good.
April 1936

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Que parem todos os relógios, calem o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.

Era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste, A minha semana de trabalho,
o meu domingo
meu meio-dia, minha meia-noite, a minha fala e meu canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
Agora as estrelas nãosão mais necessários: apaguem-nas todas;
embalem a lua, desmontem o sol brilhante,
Despejem o oceano, joguem fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.

Duas Varandas




Eu moro há 31 anos no mesmo edifício. Nele, estaciono meu carro na mesma vaga, pelo mesmo tempo. Do meu carro de hoje ou da antiga perua escort sw, ao estacionar e descer do carro a mesma visão: as diversas varandas dos apartamentos de fundos do Julieta. Em uma delas, frequentemente a mesma visão: a de um sorriso sempre aberto e sincero. Sempre um bom dia! Uma boa tarde! Muitas vezes uma boa noite!

De quando eu estava grávida, vinham desta varanda, conselhos sobre tomar sol, oferecimentos de ajuda caso se fizesse necessário, desejos de um bom parto em São Paulo. Já com o Bruno nascido e de volta à Vitória, adorava encantar-se com ele (como se ninguém soubesse o quanto ela amava crianças). Foram tantos encantos, chamegos com meu filho e os outros bebes do edifício, de uma geração que foi se formando para encantá-la: Flávia, Wantuil, Bruno, Lorena, Guilherme, Victor, Aline, Júlio (que depois de tantos anos acabou se tornando seu médico de imagens), Júnia, Maria Victória, Caio, Fabiana, Fabíola, Fred, Luíza, Bianca, Gustavo e tantas outras crianças cujo nome vou esquecer. E não sei se eles cresceram com ela e seu “Mozão” ou se ela é que cresceu com eles. Ela sempre foi uma espécie de imã para atrair crianças.

O Bruno foi para a escola e eu abri meu buffet. Eu já não tinha tempo para curtir toda a vizinhança, mas ao descer do meu carro, daquela varanda não cessavam os avisos para que eu não trabalhasse demais, de que as caixas estavam muito pesadas para minha coluna e, a parte mais divertida era sempre ela me perguntando com cara de menina levada se tinha sobrado salgadinhos e brigadeiros de fim de festa, sempre com a desculpa de que eram para o Mozão. E, inevitavelmente eu fazia uma parada estratégica no primeiro andar para deixar um pratinho.. e seus olhos brilhavam: até aí ela era mais criança, como gostava de um brigadeiro, de um pedaço de bolo. Daquela varanda também vieram alguns dos melhores elogios ao meu menino, sobre como ele educado, estudioso, bem comportado.

Mas, aí a vida, sempre ela, acontece e nos desvia das coisas que mais gostamos de fazer. O buffet foi crescendo, os trabalhos em finais de semana iam até a madrugada, eu só entrava em casa correndo e saia mais correndo ainda. As festinhas nas escolas de segunda a sexta e o fim de semana corrido, só me permitiam tempo para meu filho e meu marido. E assim, descuidando de quem cuidava de mim, nossos encontros eram apenas para deixar o salgado ou o bolo com ela, às vezes dentro do elevador. Não me pude permitir viver muita coisa ao seu lado até que seu Mozão já estivesse muito doente, e nem saber que ela sofria calada sua doença para que seu grande amor se fosse, sem o sofrimento de vê-la doente também. Que outra mulher calaria seu câncer por tantos meses, só para se dedicar integralmente ao marido, por quem tinha adoração, e que já não guardava esperanças de recuperação? Somente a dona daquela varanda…

Foi somente aós sua cirurgia que voltamos a nos aproximar. Eu fechei meu buffet e passei a trabalhar em casa com pintura de enxovais. Meu tempo passou a ser mais flexível e ela adorava ver meu filho subindo ou descendo o elevador e perguntar sobre ele, saber de sua banda, ficar louca com o cabelo comprido dele, vê-lo ir ao primeiro estágio, ao primeiro emprego.

E foi sua doença, a tristeza do luto, as ocupações de meu filho e as minhas pinturas que me aproximaram novamente da dona daquela varanda. Agora eu podia acompanhá-la mais para um café e um pedaço de bolo. E quando a doença e a quimio voltaram, tive a sorte de poder estar ao seu lado. Eu digo sorte, porque eu aprendi mais com ela nestes últimos seis ou sete anos do que em boa parte da vida.


Ela ia para as consultas, os exames, as químios, com o mesmo sorriso no rosto com que ia comigo tomar café no Shopping Jardins ou Centro da Praia e não perdoava o fato de eu convidá-la para um café e tomar água ou suco. Eu era a sua amiga de ir tomar café que não tomava café. Ela ria com isto. E era nestas horas, ou nas que eu ia em sua casa, que eu ficava ouvindo suas inúmeras histórias sobre sua família, seus pais, seus irmãos, a casa em Milho Verde, a afilhada do coração, os seus tempos de banco, de fazer hora extra sem receber para ajudar uma colega, de adorar esparramar brinquedos no chão para brincar com os netos das amigas. Gostava de contar também sobre quando fez psicologia, do que aprendeu, de como era ser a mais velha da turma. Ainda queria ficar boa de vez para trabalhar como voluntária, onde dela precisassem.


A dona desta varanda falava de tudo e fazia tudo com intensidade, com alegria, com energia. Mesmo diante de resultados de exames nada animadores, ela levava em seu coração a certeza de que era só mais uma fase a ser superada. Tinha uma fé inabalável e uma vontade de viver inacreditável. E se eu fizesse cara de preocupada, tinha a cara de pau de me chantagear: se for para se preocupar não deixo você ir mais ao médico comigo! Não te conto mais nada!!

A dona daquela varanda que eu vejo logo que desço do carro dizia que queria morrer andando na rua. Caminhando no sol, carregando algum pacotinho de supermercado, de preferência com alguma boa oferta dentro dele. Como uma atriz a morrer no palco atuando. Mas, a pandemia não deixou.

A varanda ao lado da sua, pertencente a outra grande amiga por muitos anos, está ocupada a pouco tempo por outra moça que nós também aprendemos a amar. Gentil, amiga, atenciosa e linda, foram suas primeiras palavras para descrever a nova vizinha sempre pronta ajudá-la se fosse necessário. E então, esta moça se casou. Do começo deste ano para cá, a dona da varanda tornou-se ainda mais fã de sua varanda ao lado. A moça se casou e trouxe para o andar o convívio com um jovem alegre, solícito, simpático e músico.

Este rapaz fez da dona da varanda à direita a mulher mais feliz e apaixonada e da dona da varanda à esquerda uma nova mãe, como ele gostava de chamá-la Adorava cozinhar e levar para ela “um tantinho” para ela experimentar. Uma carninha, uma polenta, sempre um mimo e um largo sorriso, tentando poupar qualquer esforço desnecessário vindo da nova “mãe”. Fez até uma serenata para ela, que presa em casa pela pandemia, ficou encantada com o gesto, que encantou a muitos outros moradores também, isolados neste momento.

E assim, como um furacão, o dono do coração da esposa e do coração da mãe emprestada acabou ganhando também meu coração. Nos últimos meses, ao estacionar meu velho carro e dele descer, eu já não tinha apenas um aceno da varanda, tinha dois. Neste tão pouco tempo, não raras vezes, me vendo abrir o porta-malas cheio de compras do mercado, o rapaz descia correndo para me ajudar a carregar os embrulhos até o elevador ou até a porta de casa. E aproveitava para me perguntar como estava a saúde da vizinha de varanda e se podia ajudar em qualquer outra coisa ou apenas dizer como estava apaixonado, como gostava do prédio, como era bacana o trabalho do meu marido como síndico, como os funcionários daqui eram “gente boa demais” e como a vizinhança aqui era legal.

Foi em uma sexta feira que levei a minha amiga ao pronto socorro. Não sem antes ela me apontar na mesa de entrada da casa, que havia acendido uma vela pelo meu filho por causa da pandemia no Pará. No hospital, depois dos exames, deixou comigo suas alianças e eu disse que ficariam bem guardadas, esperando por ela voltar. A última coisa que disse para ela, antes de subir de elevador para a UTI cardiológica foi: Você vai ficar bem! Te amo! Te vejo daqui a pouco e vamos sair para tomar um café! Ela já respirava com muita dificuldade, mas fez o enfermeiro parar de girar a maca para poder olhar para mim e me dizer: Claro! Pode me esperar! Ela mal podia falar..



Só pude vê-la depois disso por chamada de vídeo, mas ela talvez já não me ouvisse, nem soubesse o tanto de amigos que tinha rezando por ela. E, quase uma semana depois, só pude me despedir dela por uns poucos minutos, com uns poucos amigos e parte da família, o que foi para mim, uma destas rasteiras da vida. Não bastasse perdê-la, ainda tínhamos que fazer sua despedida sem o tanto de amigos à sua volta, logo ela, que conhecia e era querida por tantos…

Quis o destino que a dona de um largo sorriso, alegria contagiante e um coração cheio de uma bondade e caridade imensas de uma varanda e o jovem esfuziante e gentil da varanda vizinha deixassem a todos nós no mesmo dia, tornando insuportável a dor de todos os que conheciam, a um, ao outro ou ambos.

Passaram-se uns poucos dias e, com ou sem pandemia, alguns problemas ainda me obrigam a ir para a rua. Mas, dias vão se tornar semanas, as semanas, meses e outras estações irão chegar. Uma certeza fica para mim: eu nunca mais vou descer do meu carro e olhar para as duas varandas com a mesma alegria no coração. Mas, vou esperar que tanta tristeza se torne uma saudade boa, cheia de recordações incríveis e bons exemplos destas duas pessoas e sempre ser grata por ter tido a honra de cruzar seus caminhos....

domingo, 15 de março de 2020

O Último Episódio De Criminal Minds






    Sobre Como Foi, Como Deveria Ter Sido, Como Sempre
                                                                                                                        Será Em Meu Coração



Eu escrevo sobre Criminal Minds há muito tempo. Comecei fazendo reviews de episódios para blogs de séries, depois passei a postá-las em meu próprio blog, escrevi fics (nos bons tempos do orkut) onde eu enlouquecia a galera com atualizações que custavam a chegar por conta a correria da vida, mas que quando chegavam faziam a alegria de quem lia (ao menos de quem comentava). Fui da época em que os atores, atrizes e diretores respondiam nossas perguntas via twitter logo após um episódio e isso é inesquecível (assim como a Era Ed Bernero).


Depois passei a participar de podcasts semanais do CriminalMinds BR, onde através da nossa dedicada e persistente equipe conseguimos fazer contato com pessoas que nos levaram a entrevistar um consultor da série que foi do FBI, e a outro que nos explicou como era construção de cenários, cenas de crime e memoramobilia, entre outras coisas. Também entrevistamos a responsável pelos figurinos. Além, claro, de nos divertirmos toda semana com os comentários mais inusitados que eram feitos sobre uma cena ou o destino de um personagem.


Com tudo isto, Criminal Minds acabou virando por muitos anos uma extensão da minha vida. Já fiz artigo sobre a longa vida da série e suas inúmeras reviravoltas e como ela sobreviveu a tudo e se reinventou. Já fiz artigo bravo sobre como a série estava sofrendo com a opção de mudar o público-alvo. Já fiz artigo dizendo que não reconhecia mais a série que eu tinha começado a assistir com um Thomas Gibson recém saído de Dharma e Greg e um jovem descabelado que parecia ter futuro. Já fiz artigo dizendo que fazia fic Hotch/Prentiss só pra agradar a meninada, porque na real nunca tinha visto nada do que elas viam na série e achava que tudo estava no plano da imaginação mesmo.


Mas, nunca pensei em como seria escrever sobre o final de Criminal Minds. Talvez porque a série para mim tenha terminado há muito tempo. Aquela série pela qual me apaixonei de verdade deixou de existir há uns 3 ou 4 anos e eu apenas aceitei isso. Mas, somente assistindo ao último episódio pude entender o que de fato se passou comigo e que tão pouca gente entendeu.


Com raríssimas exceções, todos os últimos episódios da última temporada foram ruins. O que não chegou a ser novidade para mim, visto que não gostei da décima quarta temporada também. Os roteiros passaram a dar prioridade à vida dos nossos agentes de forma muito exagerada e alguns unsubs, com potencial para boas histórias nas mãos de roteiristas menos afetos a momentos fofos poderiam ter rendido histórias memoráveis, como a de Shelby Matesson (15x03 – Spectator Slowing) que matava porque não conseguia entender a odiosa parte da natureza humana que segue se alimentando da miséria humana (um tema interessantíssimo, por sinal) ou Kyle, o pai de Ethan Peters ( 15 x 07 - Rusty) que não pode aceitar a morte do filho decapitado em um acidente que ele próprio causou e começa então a matar em episódios de alucinação.


No entanto, a preocupação em explorar a vida pessoal dos personagens (o que foi aquele episódio com mais da metade do tempo focando entre a construção de um berço e a parceria de Rossi e Matt Simmons em um livro ou o vizinho paranóico da Emily querendo processá-la?) que, segundo a produtora Erica Messer tinha por objetivo homenagear os fãs que seguiram a série por longos quinze anos, transformou-se em quase um insulto, trazendo novamente Cat Adams para novamente atormentar Reid com uma fórmula requentada, acalentando falsas esperanças para os fãs de Emily de que ela seria promovida e assim, JJ ficaria com seu lugar e com referências aos personagens que deixaram a série apenas nos lembrando que eles fizeram tanta falta que o final só poderia ser muito amargo.


Para quem esperava um unsub memorável marcando o encerramento, sobrou mesmo Everett Linch, o já muito fraco personagem explorado na temporada anterior. Sem carisma, sem um grande motivo para tornar-se inesquecível, tornou-se ainda mais pífio quando nos quadros iniciais dos delírios de Spencer vemos George Foyet, talvez, se não o melhor, o mais marcante de todos os unsubs da série. A decisão de trazer de volta o ator C. Thomas Howell para ilustrar o lado negro dos pesadelos de Spencer Reid enquanto ele “decide” se vive ou morre apenas tornou mais evidente o quão fraca esta temporada foi e, escolhê-lo para homenagear os unsubs vividos em quinze anos só não foi perfeito por conta do vínculo utilizado, visto que a relação de Foyet nunca foi com nosso gênio e sim com Hotch.


Obviamente que, por qualquer que tenha sido o motivo da decisão de não trazer Thomas Gibson ao encerramento da série, George Foyet foi um dos instrumentos para reintroduzi-lo e relembrá-lo em um de seus momentos mais marcantes, a luta de punhos na morte da ex mulher. Talvez tenha sido único personagem que tenha sido lembrado com sua melhor cena na série. Quanto as demais recordações, apesar da cena de The Fisher King 1 relembrar Morgan, Gideon (ambos mereciam uma homenagem melhor e à altura de sua importância), Elle e Hotch, da aparição muito estranha da Chefe Strauss ( ou ela fez uma aparição pró bono ou pegaram ela no intervalo de alguma gravação, porque poucas vezes me lembro de ter visto a personagem tão desarrumada..) as homenagens restringiram-se à aparição de uma Maeve loira quase irreconhecível ( a produção estava sem grana até para bancar perucas?, porque assim, a gente sempre se lembra com carinho de pessoas do jeito que as conheceu, não do jeito que elas estariam hoje – o mesmo vale para Foyet e Strauss, menos descaracterizados, apenas mais velhos ) para confundir ainda mais quem primeiro achou que nosso garoto estava apaixonado eternamente por Jennifer Jareau e depois por uma simpática Max, que do nada surgiu e para o nada se foi…


Não vou entrar em detalhes na volta de Diana Reid. Nunca vi uma personagem com Alzheimer regredir tanto fisicamente para depois voltar triunfante com uma pele, postura e disposição melhor que a minha.. e Garcia ainda pedindo para ela decidir qual medida médica tomar em caso extremo.. Aliás o caso extremo do Spencer durou apenas o suficiente para suas memórias, porque ele morrendo acordou do nada e a médica achou normal, então está bom….


Para podermos ter vários minutos de festa, com todos os atores se despedindo e dançando Heroes de David Bowie (esta sim, uma tremenda referência), o vilão raptou a atual Sra. Rossi, tivemos uma cena de troca meio boba em um aeroporto onde ninguém consegue atirar em Everetty Linch, apenas para termos uma cena de Duro de Matar com um resíduo de gasolina explodindo o avião nos ares!


Talvez o problema do episódio final (inclusive de toda esta temporada) tenha sido querer fazer o dr. Reid sofrer até os últimos instantes, porque isto sempre agrada os fãs do rapaz. Talvez tenha sido a falta de uma base sólida com um bom unsub para sustentar um final inesquecível. Talvez tenha sido porque já vimos festas demais no bom e velho jardim da casa do agente sênior. Talvez porque tenhamos nós todos dado nossos finais a velhos conhecidos.


Foi por isto que eu, apesar de tanta frustração e desapontamento chorei nos momentos finais do episódio. Caiu para mim a ficha de que cada personagem já tinha um destino, aquele que eu gostaria de ter dado, de ter escrito, e que talvez só tivesse sentido para mim. Caiu a ficha do fim de uma história de amor de quinze anos, que foi o motivo de ter conhecido tanta gente bacana, ter feito amizades que transcenderam o universo das séries, ter falado de Jennifer, Aaron ou Morgan com quem os conhece, como se eles fossem nossos amigos também. De ter aprendido a escrever reviews, de ter entendido para que serve e como se faz um podcast, de ter me apaixonado por um submundo que hoje é meio modinha mas, que quando começou para mim lá com Arquivo X era coisa de gente esquisita, ver série americana, falar dela, escrever sobre ela).


Não, não foi um final de série decente. Mas, eu meio que não esperava um final decente para a série. Em algum momento nestes últimos anos eu achei que a série que eu amava tinha terminado e tudo o que viesse seria apenas um conforto para estar sempre falando dela com os amigos que eu fiz, com quem passou a fazer parte da minha vida por causa de Criminal Minds e ficou por vários outros motivos.


Então sim, eu chorei quando lembrei que aquela seria a última festa na casa do Rossi. Com as memórias deles que se confundiram com as minhas. Com o final de alguma coisa que, como tantas outras nesta vida, não têm saído como eu imaginava.. Mesmo que não tenha sido o episódio que eu gostaria que fosse, eu chorei por me emocionar com tudo o que Criminal e aqueles atores e aquela equipe trouxe de bom para a minha vida. Eu sinceramente acredito que, apesar de todas as burradas feitas ao longo desta temporada eles realmente tentaram agradar aos fãs, ainda que não tenham conseguido. Acho que o desgaste de tantas saídas foi grande demais para não se refletir com o tempo e a vontade de “ouvir” o público pagou seu preço. Então, não consegui sentir toda esta raiva que era esperada por ter sido uma season finale ruim. Talvez porque eu esteja em uma fase de agradecer o que há de bom, porque francamente a vida anda dura demais para que eu fique brava com a Penélope….


Que fique o que houve de melhor de Criminal Minds em nossas vidas e, principalmente quem veio de melhor para nós por causa dela! Os amigos!


Beijos especiais cheios de carinho à equipe da página CriminalMindsBrasil e ao pessoal do podcast! Vocês sabem quem são!!!


E Beijos para quem ainda lê o que eu ainda escrevo! Vocês são demais!!!