Eu
venho falando sobre o problema dos refugiados que buscam abrigo e um recomeço em
terras da Europa há muito tempo. Não fazem dez, nem trinta dias que eu venho cantando
a bola aqui em casa sobre o assunto, mais tempo do que eu na realidade gostaria.
Mas a coisa, como a maioria dos problemas que nos cercam, só tomou forma hoje,
com o corpo morto de um menino sírio afogado ao lado de seu irmão.
Não
sei vocês, mas o meu dia acabou aí, quando li a manchete, a notícia. Muita
gente escreveu sobre isso nas redes sociais e muitos amigos repudiaram o fato
de eu ter compartilhado a imagem e escrito sobre ela. Bem, para ser sincera,
nem falei sobre a imagem em si, mas sobre o desolador fato de saber que só irá
se falar disto até amanhã, depois talvez, e virão novamente as manchetes que
vendem jornal, aquelas que esmiúçam e detalham tudo o que se passa na Lava
Jato, com detalhes dos depoimentos e tudo o que vem junto com isto.
Estou
até as tampas com a Lava Jato. Como sempre estou até a tampa desta mídia que
fala muito sobre o que vende muito. E só. Poucas pessoas sabem, mas eu hoje poderia
ser jornalista. Quando prestei vestibular passei em Psicologia ( curso no qual
me formei), Direito (cujas aulas fiz por um semestre todo no Mackenzie e tranquei) e Jornalismo. Agradeço a Deus, ou
à minha sapiência por ter me tornado psicóloga, mesmo não atuando há muito
tempo. Seria uma destas jornalistas desempregadas e cujo curriculum seria non
grato. Enfim... Sempre achei que crimes políticos devessem ser julgados como
qualquer outro crime, sem primazias, sem deferências, um crime como assaltar ou
matar. Para minha infelicidade, em minha pátria amada se permite que hajam as
CPIs, ou, em outras palavras, políticos julgando políticos ( o roto julgando o
rasgado...). Nunca entendi tal procedimento. Se eu roubo, vem a polícia e me
investiga, me processa e, com provas, um júri me condena. Mas na política é
tudo diferente. Aqui, político, mesmo sujo e claramente comprometido julga
outro político, existem os conluios e nada parece realmente ser transparente. As
CPIs para os jornais são um show, aproxima-se talvez a um reality show, algo
que as pessoas acompanham não exatamente para haver justiça, mas para baterem
no peito e dizerem que estavam certas. Ou não.
Para
mim, toda esta investigação deveria estar sendo tratada pelos órgãos de justiça
e não por CPIs. Mas, minha opinião não importa. Hoje, apenas hoje, importa
aquele menino morto na foto, que muitos nem souberam interpretar.... Que muitos
irão comentar indignados por dois ou três dias e depois darão razão à Angela Merkel
e dirão que é um absurdo a Alemanha arcar com tantos imigrantes..... Eles não podem
absorver tanta gente....
Em
um rompante, enquanto assistíamos a um noticiário, meu marido exclamou: “ – Mas
ninguém faz nada a respeito?” E, mais uma vez eu lhe disse que qualquer coisa a
respeito acabaria em guerra. Aquela guerra que todos querem ignorar, o tal
Estado Islâmico armado até os dentes pelos próprios americanos que não
conseguem agora contê-los. Meio que a repetição da história da humanidade. Sem
humanidade nenhuma.... Apenas com o menino morto... e seu irmão... e sua mãe...
e um pai que vai voltar à Síria para enterrá-los, pois morrer para ele agora
pouco importa.... ele já está morto, mais do que possamos imaginar.
Existe
um mundo. Que nós amamos. Queremos viajar e conhecer a Torre Eiffel, os Andes, o Coliseu,
as Pirâmides. Viajar nos torna cidadãos do mundo, mas não queremos o lado ruim.
Para a grande maioria o mundo é apenas beleza, a história que queremos conhecer
e o que não for, se ignora. Até não dar mais. Até a foto do garoto morto estampar
nosso Facebook e tirar de nós a alegria
de viver, deixar nosso dia mais triste e, impossibilitar a busca de algo maior
que nos faça ignorar a tragédia que nos persegue, que nos incomoda.
Assim
fica fácil viver. Fica fácil até ser um bom cidadão. É só se rebelar em prol da
CPI da Lava Jato, nem precisa saber muitos nomes, Lula e Dilma já estão de bom
tamanho. Tem um tal de Youssef alguma coisa fazendo denúncias, mas é só
crucificar um nome ou dois e fiz minha lição de casa. E nem precisei ler para
isto. Três ou quatro memes na minha rede social favorita já me deram a deixa. E
sou um sujeito do bem. Antenado. E triste porque um garoto morreu afogado.
Onde? Não sei direito, acho que na Europa talvez..... é o consenso que diz....
Deus,
estou tão triste pelo que nos tornamos... Seres que lamentam as coisas que
vemos na internet, como lamentamos aqueles que não conseguem passar o Natal em
casa. Sentimos muito... Seria melhor se eles pudessem escolher... Sentimos
porque hoje não dá para fazer piadas nas redes, pois não vão pegar bem,
sentimos porque eu queria muito falar do último episódio daquela série e do meu
time, que jogou ontem um bolão...Mas.... que droga, com a tal foto do menino
hoje, não dá nem para zoar ninguém, vão achar que sou alienado..... que grande
droga..... isso aconteceu onde mesmo?.......
Eu
sei, podem me xingar à vontade. Podem achar que estou fazendo draminha, que
quero atenção ou coisa parecida. Mas para mim isto é apenas uma tragédia
anunciada, provável de acontecer a qualquer momento. Isto arranca lágrimas dos
meus olhos? Sim, ainda arranca e sempre arrancará. Sempre vai me comover a
miséria humana reduzida a manchetes que alavancam publicações. Mas, antes
disto, me comove a miséria humana que existe nas entrelinhas, aquelas que não
dizem o sobrenome do menino ou o que ele queria ser quando crescesse. Tampouco
os sonhos de sua mãe para eles. Aquela miséria íntima que nós nunca
conheceremos. Dos momentos de medo do pai, das incertezas que ele viveu ao
tentar tirar de lá sua família. De como chegamos ao ponto deles precisarem
fugir para sobreviver... Do porque das coisas chegarem a este ponto...Do Canadá
não ter fornecido o visto... E fornecer agora parece tão sem sentido....
Me
parece tão estúpido curtir um post no face hoje, destes que lamentam a morte do
menino, cujo nome poucos sabem que é Aylan Kurdi. A maioria também não sabe que
seu irmão chamava-se Galib e sua mãe Rihan. Não sabemos nada sobre seus sonhos,
suas aspirações, seus desejos.
Eu
só sei que hoje está difícil sorrir. Está difícil amar o próximo e perdoar.
Porque não consigo perdoar tanta ignorância, tanta omissão, tanto leite
derramado sempre em vão, até a próxima desgraça... Está difícil descobrir
porque estamos aqui, se não podemos fazer nada por vocês, se não ajudamos,
sequer sabíamos seus nomes horas atrás...
Aylan
e Galib, se houver como e onde descansar
em paz, descansem. Se houver como ter uma segunda chance aproveitem e façam
valer. Se houver como nos perdoar, nos perdoem. Porque eles não sabem o que
fazem.... Como nunca souberam tempos atrás..... E provavelmente, nunca
saberão....
Fiquem
em paz......
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