É interessante observar as pessoas hoje em dia. Parece que
todo mundo tem um drama preparado, pronto para ser apresentado ao mundo. Os
jovens, principalmente. Tudo é tragédia ou tédio. Tudo é motivo para se
descabelar. O sujeito compra o Iphone 2, já contando os dias para comprar
um Iphone 3, compra um DVD e já sabe que
o terá que substituir por um Blu Ray, de preferência 3D, muito em breve. Não
basta vestir-se bem, tem que vestir-se com as grifes do momento, e, claro,
postar uma foto no Facebook atestando sua compra. Tudo parece hoje ser
descartável. As músicas, os filmes, os eletrônicos, os empregos, os namorados,
as amizades. O que me dá a impressão ( senão a certeza ) de que as pessoas hoje
têm coisas demais e as aproveitam de menos.
Não sou a dona da verdade. Longe disto. Mas acompanho estarrecida
a derrocada dos princípios básicos, das coisas que eram importantes de verdade.
Em minha época de menina ( vão-se vários anos então), tudo
era fascínio. Nós esperávamos que o Coelho da Páscoa nos trouxesse um único ovo
de chocolate para os três irmãos, mesmo que pequeno, porque ele teria se
lembrado de nós. Não escolhíamos pela tv o ovo que queríamos ganhar porque ele
tinha um relógio do Ben10 que mexe os ponteiros de verdade, tampouco o anel
mágico da Barbie. No Natal, esperar pelo Papai Noel era um encanto. Mesmo que
ele nos trouxesse um brinquedo qualquer, na verdade, às vezes o único que
ganharíamos o ano inteiro.
Verdade seja dita: meu pai trabalhava na Ford – Willys e a
empresa dava aos funcionários um vale brinquedo de acordo com a faixa etária de
seus filhos, e era o dito cujo que iria
nos distrair por, no mínimo, 365 dias( me lembro muito bem de uma mini maquininha
de costura, de madeira, fiz muito vestido de boneca lá com a ajuda da mamãe!).
Em nosso aniversário, sabíamos que iríamos ganhar presentes do vovô materno,
paterno e do titio. Claro que todos eles iriam perguntar a nossas mães o que
estávamos precisando, e mamãe diria a todos eles: meias três quartos para a
escola, um pijama, uma conga ( espécie de tênis da minha época). Brinquedos,
nem pensar ( no Natal, papai comprava um vale do antigo Mappin – já falida, mas
era como uma lojas Riachuelo da vida, bem menos estilosa), o equivalente a cem
reais para cada irmão e nos cabia escolher uma calça, blusa e sapato, além de
roupa íntima dentro deste orçamento. Uma verdadeira missão impossível, porque
era basicamente, o que você iria vestir durante o ano!
Loja do Mappin na Pça Ramos de Azevedo em Sampa, já não existe mais!
Não me lembro de ter sido infeliz por causa de nada disto.
Ao contrário. Uma conga nova para ir à escola era uma festa. Era sinônimo de
aposentar a velha e batida conga azul e branca, já com um ano de uso, com
aquele furinho pequeno do lado esquerdo ao lado do dedo mindinho do pé. Ou as
meias escolares, que de tanto usar já não prendiam abaixo do joelho por mais
que dez minutos antes de escorregar nos tornozelos.
Observo as crianças de hoje em dia e acho que éramos mais
felizes. No nosso aniversário, na cozinha da casa simples onde morávamos, nossa
mãe recebia nossos avós e tios com um bolo feito em casa e lanches feitos de
carne louca ( uma espécie de lagarto cozido e refogado com muita cebola e
temperos variados ou carne moída ), dentro do pão francês cortado
cuidadosamente em diagonal, o que indicava que aqueles lanches eram muito
especiais. Ah, e claro, haveria tubaína, o refrigerante da época. Tubaína na
mesa era claramente sinônimo de festa. Só se tomava tubaína em casa nos
aniversários, na Páscoa e no Natal. Nos outros dias do ano rolava a famosa
limonada ( não a suíça, objeto do desejo nosso hoje em dia nas “padocas” da
moda, mas aqueles três limões espremidos na água potável) ou o imbatível
K-Suco, cujas cores produzidas por uma inimaginável quantidade de corante
enchia nossos olhos mais do que agradava ao nosso paladar.
Anos depois, por vários motivos fui trabalhar com festas
infantis. Há dezesseis anos, quando comecei, via ainda as crianças pasmas com
um Mickey de quarenta centímetros em cima da mesa, ou apaixonadas pelo castelo
imponente da Cinderela, cheio de luz, esbanjando fantasia por todos os lados,
sem conseguir piscar, tamanho encanto. Eram bons tempos. Hoje, se o Mickey
aparecer pessoalmente ou mesmo se a criança puder entrar dentro do castelo da
Cinderela, ainda assim ela não se surpreenderá demais. Não é mais a mesma
coisa. Vejo em meu trabalho mães se descabelando porque a Branca de Neve está
virada mais para a direita do que para a esquerda, porque o salão do seu filho
tem que ter mais balões do que o salão de festas do aniversário do filho da
melhor amiga e crianças que na hora da festa, chegam à beira da mesa, observam
tudo o que foi montado, dizem: - que maneiro! e viram as costas para sair
correndo atrás do amiguinho, socando ele com algum balão linguiça em forma de
espada.
Mesa de festa em escola
Simples assim. Porque
estas crianças vão a pelo menos um aniversário por semana. São os amiguinhos da
escola, do judô, do balé, da aula de música, os filhos dos amigos do futebol do
papai, das amigas da yoga da mamãe, dos primos de segundo grau, dos meninos que
moram no mesmo prédio e a mamãe convida, mesmo que não saiba nem o nome, porque
vai ficar chato usar o salão de festas do prédio e não convidar. Tudo ficou
muito complicado. E, ao mesmo tempo, muito comum. A menina que convidar 30
amiguinhas provavelmente irá ganhar 30 Barbies e não irá passar mais que três
horas com cada uma delas antes que ela ganhe outra boneca do papai porque ele a
levou ao shopping e, claro, ele não vai resistir comprar aquela nova, que ela
vai pedir por duas horas chorando e vai deixar esquecida no armário para todo o
sempre depois que a novidade passar. É muito, demais, de tudo. Até para quem não
tem renda para isto. Mesmo que a Barbie seja de camelô e custe dois reais e
noventa e nove centavos.
Por isto parece que nada tem mais o mesmo impacto de antes.
Tive meu primeiro telefone fixo residencial com 16 anos. Conto isto para meu
filho e ele faz uma cara de “como você sobreviveu sem telefone?”. Pois é,
sobrevivi. Quando era urgente, haviam os orelhões. Quando era urgência
urgentíssima tinha o telefone da vizinha rica da rua, que a gente pedia,
constrangida, para avisar caso houvesse um recado. Para todo o resto, havia o
taxi-sola. Sabe aquela coisa de bater a pé vários quilômetros para dar um
recado a alguém? Pois é. Era assim. E o mundo tinha que estar acabando para o
pai ou a mãe deixar a gente ir até a
algum lugar dar um recado para alguém.
A festa na escola com abraço e lanche coletivo
Os tempos mudaram. Não acho que tenham sido para melhor.
Vejo tanta gente descontente, reclamando, achando que a vida está sendo
cruelmente injusta com elas. Vejo crianças em festas apalpando o pacote para
saber se vão ganhar brinquedos com os quais nunca brincarão mais que três horas
ou outras que vão à festa sem saber direito porque estão lá. Quando começo uma
festa em escola tenho um mantra. Faço toda uma preleção, faço questão que
aquelas crianças entendam o que estão fazendo ali, que além do presente tão
esperado é importante que eles se abracem, que desejem que seu amigo aniversariante tenha um ano com
muita saúde e felicidade. Foi assim que surgiu a Hora do Abraço em minhas
festas. É pouco, mas é legal quando você faz festa várias vezes na mesma sala
de aula, da mesma escola e percebe que plantou uma semente que vingou. É muito
bom quando você pergunta o que eles estão fazendo lá naquele momento e eles te
dizem que estão lá porque é dia de dar um abraço no amigo aniversariante. Não é
sempre mas, às vezes, eles se lembram que não é dia apenas de comer brigadeiro
e ganhar lembrancinha ( cada vez mais
sofisticada e longe de agradar às crianças – está mais para agradar à mãe das
mesmas, onde o importante é que se dê algo caro e de preferência que supere a
lembrancinha dos aniversários de todos os outros amiguinhos – afinal status é o
que conta, dane-se se a criança vai aproveitar ou não – então, alguém pode me
responder o que uma criança vai fazer com 10 garrafas squeeze, todas com fotos
de amiguinhos de classe ao final do ano?)
Vamos brincar?
Eu tenho certeza que pareço amarga em meu texto, talvez
porque ande mesmo amarga. Acho uma pena tantos recursos empregados para tão
pouco aproveitamento. Acho triste a mãe que me contrata mais preocupada com a
aparência do bolo do que com seu sabor, mais atenta ao formato do kibe do que
com o que uso para produzi-lo, mais interessada no impacto do convite do que
com a equipe que irá brincar com seus filhos por quatro horas. Não que eu não
me preocupe em atender a todos os requisitos. O problema não é o que ofereço,
que eu sei ser da melhor qualidade. O problema é perceber que hoje não sou
competitiva se fizer festa apenas para a criança ser feliz. Isto parece ser o
que menos importa. Menos que a aparência, menos que o status. Preciso vender ao
meu cliente uma festa que encha os olhos dos adultos. E a criança que se dane.
Aliás, ela acaba crescendo com seus valores invertidos, achando mesmo que o que
conta é ter a festa mais memorável, mesmo que isto implique que ela não possa
sentar no chão para brincar porque vai sujar o vestido, ou porque vai ficar
horas tirando milhares de fotos em todos os recintos, com todas as poses, ao
lado de todos os convidados, para o fotógrafo poder vender ao papai “aquele”
álbum bem completo de duzentas e trinta fotos dos dois anos de sua primogênita.
Toda a vez que saio para trabalhar ultimamente, saio
desmotivada. Sei que poucas serão as vezes que poderei testemunhar aquele
brilho real nos olhinhos deles, aquele encanto verdadeiro, que eu via com mais frequência
tempos atrás. Não raro ouço algum deles dizendo ao outro: minha mãe disse que a
minha festa vai ser melhor que a de todos os meus amigos! Sabe como é, estilo
Facebook, tudo perfeito por fora.... Deixa para lá!
Então me lembro daqueles aniversários em casa onde só
estavam os nossos pais, avós, às vezes tios e a mamãe dizia: você pode convidar
duas ou tres amiguinhas para vir aqui em casa. O que era um dilema do qual ela
não tinha idéia, porque como convidar uma sem chamar a outra e na segunda feira
todos olharem para você sabendo que a Connie ou a Ana Paula foram, mas a Márcia
não? Pois era assim. Simples assim. Pão com carne louca, tubaína ( mais tarde
veio a Gini, a Grapette), o famoso bolo de chocolate caseiro, presentes que não
eram mágicos, mas que te faziam sorrir, um pouco de bagunça no quintal ( não
muito, vocês não conheceram meu pai) e pronto. Sua festa já tinha terminado.
Estou apta a depor que nada destas coisas me tornaram inconformada
com a vida, infeliz, desesperada para consumir hoje o que me privaram na
infância. Ao contrário disto, aprendi a preservar, aquilo que antes era a roupa
de domingo, hoje é a roupa de passeio e não tenho vergonha de dizer que uso
roupa velha para cozinhar porque suja mesmo e estraga sem necessidade o que for
novo, e que uso um sapato ou uma blusa até ela dar o que tem que dar, que uma
camiseta começa como roupa de sair e termina como roupa de dormir. É assim
comigo, meu marido e foi assim que criei meu filho.
Tenho pena desta nova geração. Nada lhes parece suficiente.
Elas nunca sentirão a felicidade que eu senti quando compramos nosso
apartamento, ou aquelas pequenas coisas, como uma churrasqueira de varanda.
Elas nunca vibrarão com um up no computador da época dos dinossauros montado em
peças, com muito sacrifício. Elas nunca saberão o gosto de trocar o sofá de
vinte anos por um novo. Nunca como eu. Nunca como os da minha geração. ( Aliás, quem disse que
os sofás – ou qualquer outro utensílio
de hoje em dia – é feito para durar vinte anos?)
As crianças de hoje acham tudo descartável. E, que é
obrigação da vida ( através dos pais, avós e outros), lhes ofertar o que há de
melhor. E, por este motivo, entre outros, é que as coisas perdem um pouco a
graça, é que a descoberta deixa de ser interessante, que nada lhes contenta, nada
é bom o suficiente. Como a festa, que deve, segundo a mãe, ter mil e quinhentas
bolas, porque a da melhor amiga teve mil. Ou o filme no cinema que não era nem
tão original assim. E aqueles tênis, aquele que acendia luzinhas no solado no
ano passado, nossa, quem disse que isso já foi moderno?
Certo, vou parar por aqui. Afinal, se em minhas festas eu
puder lembrar por uns instantes que eles todos estão lá porque “ Hoje é dia de
dar abraço!”, já voltarei feliz para casa. Se alguns lembrarem sozinhos,
voltarei com certeza cantando, assobiando, super feliz.
Esta geração funciona assim: é fácil parecer feliz nos milissegundos
que leva para se tirar uma foto, para o Facebook ou qualquer outra rede social.
É ainda mais fácil acreditar na felicidade que aqueles milissegundos
produziram. Difícil é equilibrar-se nas outras vinte e três horas, cinquenta e
poucos minutos e alguns segundos que a foto não registra. Ninguém quer ser
infeliz nas fotos. Ninguém quer ser infeliz no Orkut. Ou no Facebook. Ninguém
quer parecer infeliz para os outros.
Mas, acreditem, hoje em dia é muito mais difícil ser feliz
para si mesmo!! Pena mesmo as pessoas complicarem tanto tudo!
Déborinha querida, seu texto é nada menos que perfeito! Expressa tudo que eu penso e que também vivi nos meus 2 anos e meio de trabalho em buffet infantil e que me recordo da minha infância.
ResponderExcluirNão reli os comments sobre CM pq já os leio e dou minha opinião na comu, mas seu blog é excelente. Se precisar de ajuda para arrumar a formatação, conte comigo.
Bjs mil!