Acredito que muita gente que assistiu Mr. Scratch sem um bom
conhecimento dos fatos históricos ficou sem entender direito a história.
O episódio, escrito por Breen Frazier e dirigido por Mattheu Gray
Gluber, trouxe uma infinidade de referências que valem a pena serem
mencionadas.
O caso, de forma geral acompanha assassinatos que são
cometidos por pessoas próximas às vítimas, sem que elas próprias tenham
conhecimento do fato. O roteiro não perde tempo com muitas explicações
iniciais, pois tudo deveria ser compreendido mais adiante. Basta saber
que três pessoas mataram seus entes mais queridos e juram não terem
feito tal ato covarde. Dois deles ( um homem que matou a esposa e um que
matou a mãe ) conseguem de alguma forma depor, acrescentando algumas
informações para a equipe. A terceira incriminada matou seu namorado e
entrou em estado de choque, sem condições de acrescentar nada ao time.
Desde
o princípio ( e não sem razão – saberemos mais à frente) Hotch assume a
dianteira, cuidando do caso de forma pessoal, como foi poucas vezes
visto. Chega a ser meio infantil ouvir as justificativas dos suspeitos,
narrando um possível monstro dos sonhos, com garras nas mãos e aspecto
assustador.
Pessoalmente, como disse na review passada, eu prefiro
casos mais comuns, aqueles que de forma recorrente encontramos nos
noticiários, casos que não escapam para o território do sobrenatural, da
especulação fantasiosa, do misticismo. Mas, é claro, estes casos também
existem e precisam ser investigados com o mesmo rigor.
Na
primeira reunião de equipe se comenta acerca das possibilidades, uma vez
que este é o terceiro caso, o que, de certa forma, tenta tornar mais
suave a aceitação de uma história tão absurda, visto que são vítimas que
matam seus entes queridos sem perceberem que de fato os mataram. Todos
acordam aos serem presos e descobrem de forma cruel que são os
responsáveis pelas mortes, mesmo que de nada lembrem. Da forma como é
exposto, cada depoimento dói demais no coração de quem assiste. Imagine
alguém do nada te dizer que você matou a pessoa que mais ama e você não
se lembrar disto. Aqui cabe o mérito do elenco convidado, que faz por
merecer cada elogio sobre sua interpretação.

Para mim, um grande roteiro sobrevive sem grandes interpretações e
imensos recursos técnicos ( vide grandes obras que são impactantes mesmo
com apenas uma mesa e uma cadeira em cena), já o contrário não ocorre.
E, apesar de todo o aparato técnico, de uma direção muito correta de
Mattheu Gray Gluber, de cenas de ação de tirar o fôlego, faltou tempo
para desenvolver melhor o roteiro. Fiz questão de conversar com muitos
espectadores antes de começar a escrever esta review, para ter a certeza
de que não seria injusta. E, para minha surpresa, muita gente não
entendeu o episódio. Em síntese, curtiu horrores a emoção e a adrenalina
que acompanha as cenas onde nossos queridos agentes correm risco de
vida, mas foi apenas isto. E me dói lembrar que um ótimo tema foi
desperdiçado por falta de tempo útil, não tão bem aproveitado.
O
problema é que Hotch e Rossi relembram casos ocorridos entre 68 e 80,
como Fells Acres e Mc Martin, onde centenas de professores e educadores
tiveram destruídas suas carreiras por depoimentos que colocavam seus
comportamentos sob suspeita. Mais tarde ficou provado que crianças de
até cinco anos tiveram depoimentos distorcidos, arrancados à força, em
uma espécie de surto de histeria coletiva que visava claramente condenar
indiscriminadamente sob a justificativa de acreditar nos supostos
depoimentos tirados à força. Os cerca de duzentos e setenta casos
levados a júri neste período produziram um estrago inominável no sistema
educacional americano, recursos rejeitados, direitos negados, apelações
desconsideradas, tudo em nome de um verdadeiro caça às bruxas
instaurado naquela época. No entanto, o curto tempo do episódio
privilegia a adrenalina no lugar de um maior esclarecimento, deixando
em aberto para muita gente a real intenção do unsub.
Embora para
mim tenha ficado claro desde o princípio a motivação do criminoso, ainda
assim fui buscar informações sobre o relatório Lanning e os casos reais
( Fells Acres e Mc Martin) julgados naquela época. O conhecimento a
fundo dos fatos decorrentes destes eventos revolta ainda mais do que o
esperado. É apenas quando descobrimos o quanto a barra foi forçada para
cima das crianças que serviram de testemunha é que percebemos o porquê
da indignação e sede de vingança que emerge fundo na alma de Peter
Lewis. Assim como na vida real, Peter não apenas viu seu pai ser acusado
de pedofilia, mas, sob pressão de psicólogos e investigadores, acabou
admitindo um abuso que nunca houve ( papel que coube aqui ser
representado pela enfermeira que escreveu o livro que a enriqueceu).

Em minhas conversas com várias pessoas que assistiram e leituras de
comentários, percebi que muita gente achou que o unsub Peter Lewis
forçava suas vítimas a se tornarem criminosos porque seu pai abusara
deles e eles o haviam denunciado. Não creio que tenha sido esta a
intenção de quem escreveu a estória ( Breen Frasier, roteirista dos
ótimos 52 PickUp, Blood Relations e Lauren, entre outros episódios). Ou
os medos de Hotch não fariam sentido.
Creio que, como ocorrido nos
casos reais – o de Fells Acres foi provavelmente o mais próximo da
realidade do roteiro, Peter Lewis viu seu pai ser acusado de pedofilia
e, forçado por investigadores e psicólogos, acabou corroborando a
estória de outras crianças e confirmando um abuso sexual que nunca
existiu. Não esqueçam-se que esses depoimentos foram tomados de crianças
de apenas quatro ou cinco anos, época em que, como o próprio Reid
afirma, a criança está mais suscetível a embaralhar memórias reais com
fatos fantasiosos que lhes pode ser sugeridos. Assim sendo, Lewis quando
pode ter real entendimento dos fatos, sentiu-se culpado por ter ajudado
a condenar o homem que lhe protegia e que era de fato inocente.
Crescido, decidiu punir aqueles que, como ele, foram responsáveis por
esta condenação, lhes obrigando a matar aqueles a quem mais amavam. O
ato em si de matar uma esposa, uma mãe amorosa ou um namorado apaixonado
torna clara a sensação de culpa de Peter. De certa forma, ele sentiu a
mesma dor, quando descobriu que matou seu pai ( acusando-o de algo que
ele não havia feito).
E aí chegamos na alucinação de Hotch.
Poderia ser qualquer agente a chegar naquela casa e sofrer nas mãos do
unsub as alucinações que ele sofreu? Pessoalmente acho que não. De todos
os personagens, nosso G Man foi o que mais teve perdas pessoais. Embora
todos eles tenham tido suas baixas, Aaron Hotchner perdeu a mulher que
amava para o trabalho e, depois, como ex esposa, a perdeu para Foyet.
Perdeu Elle para Randall Gardner, Kate Joyner, sua amiga para o
terrorismo, foi indiretamente responsável pela perda de Emily Prentiss,
uma vez que não salvá-la de Doyle desencadeou o seu processo de saída da
equipe. Perdeu sua chefe Erin Strauss e perde, toda vez que não pode
proteger alguém por quem se sente responsável. Se algum personagem entre
os membros do time sabe o que é sentir culpa, este personagem é o dele.
Ele próprio diz isto a Gideon em Ashes and Dust ( 02x19), sobre ser um
herói que caça assassinos e sentir medo de nunca ser o suficiente. Nada
mais óbvio que fosse ele a refletir em suas alucinações o medo por sua
equipe, por não chegar a tempo ou por não poder salvá-los. Uma culpa
muito parecida com a de Peter Lewis, uma culpa que nunca poderá ser
perdoada.
Apenas interpretado desta forma o episódio faz sentido, e
é uma pena que por falta de um roteiro um pouco mais claro em suas
intenções isto não tenha sido passado para a totalidade de quem assistiu
Mr. Scratch. Além disto, algumas soluções um pouco preguiçosas, como a
pirotecnia na cena em que o unsub derruba o sistema elétrico do BAU.
Soluções deste tipo empolgam momentaneamente, mas já foram vistas
anteriormente e fazem parecer que derrubar este sistema é relativamente
simples para alguém com muita inteligência. E não é bem assim. Ou, como o
Hotch, ao contrário das outras vítimas que apenas absorveram a mistura
química via inalação por correntes de ar, toma um “banho” destes mesmos
produtos e ainda assim, mesmo alucinando, consegue manter-se com menos
sintomas dos que os outros (ele não dormiu por horas após a inalação,
coisa que ocorreu com os demais e lembra-se de tudo o que o unsub fez
despertar nele, o suficiente para contar para Rossi).
A minha
queixa não é sobre o efeito que o episódio teve na maioria das pessoas
que o assistiu. Ele de fato criou todo o medo, susto e angústia
esperados ( bom, vou aqui considerar que o objetivo foi atingido por
aqueles que conseguiram se manter imersos na história, o que não foi meu
caso – para mim, desde o início ficou óbvio que toda aquele
derramamento de sangue era mais uma alucinação). Minha queixa foi
investir apenas na ação. Visto que ao final fica clara a abertura
deixada para que Hotch venha a reviver toda aquela experiência em futuro
próximo – Peter afirma que eles não sabem o que ele foi capaz de fazer
com a cabeça de Hotch e isso sim deveria ser um tremendo gancho – é uma
pena que o roteiro tenha permitido diversas interpretações para um fato
que se dispunha a ser claro desde o princípio: a de que realiza o unsub
mexer com a cabeça de outras pessoas, inocentes como ele próprio um dia
foi, manipulando-os da mesma forma que se sentiu manipulado. O gesto que Peter faz discretamente ao olhar para Hotch no momento em que era preso ( e o temor nos olhos de Hotch ) deixa evidente que a história não termina ali e que consequências ( para nosso querido agente) virão. Não é a toa
que um monte de gente ficou achando que no episódio seguinte veríamos a
conclusão da história do agente Hotchner. Levou anos para que Peter se
tornasse um criminoso vítima da manipulação a que foi submetido um dia.
Levará também muito tempo ( claro, contando que haja uma décima primeira
temporada) para que isto venha a se manifestar em nosso agente e, se
eles souberem ser criativos isto pode se tornar muito interessante.
Além
disto meu outro protesto vai para a iluminação. Uma coisa é uma
escuridão proposital para criar um clima sombrio, outra é não se
enxergar nada na cena. Esperei até o episódio passar na TV para ter
certeza de que fosse uma reclamação justa, uma vez que assistir
episódios baixados pode não ser confiável. Mantenho minha opinião à
respeito. Algumas cenas estavam quase nada visíveis, totalmente
desnecessário.

Que Mattheu G Gluber tem talento para a direção, em especial para
filmes onde o sobrenatural e o macabro fazem parte da história ninguém
duvida. Também é fato que Breen Frasier é um excelente roteirista,
criando alguns episódios brilhantes da série. No entanto, alguma coisa
neste episódio especificamente não funcionou enquanto história bem
contada. Mexeu eficientemente com a adrenalina, mas não com o coração
das pessoas. O que não impediu de, embora pouco compreendido, ter sido
eleito por muitas pessoas como um dos melhores episódios da série. Não
impunemente o episódio seguinte teve audiência tão baixa, mas isto já é
estória para outra review.
Até o próximo episódio!
Observações:
*
Todos os atores convidados tiveram desempenho acima da média e
enriqueceram Mr. Scratch, mas inegavelmente o show foi mais uma vez de
Thomas Gibson. Atuando de forma totalmente diferente do esperado, seu
Hotch, como em uma espécie de premonição de que o dia não acabaria bem,
deixou de lado a carcaça dura e fria, permitindo-se transparecer as
emoções todas, como se quase não conseguisse manter o controle, ou não
se conformasse com a falta dele. Pode parecer imparcial, pois é notório que sou
fã do trabalho do ator, mas fico triste observando que os atores desde
elenco sempre se superam e quase nunca obtêm o devido reconhecimento.
*
A referência ao medo de infância de Kate ser Melissa Gordner é uma
brincadeira com o nome da personagem que JLove Hewitt interpretou em
Ghost Whisperer: Melinda Gordon, personagem que lidava com mortos que
não conseguiam partir para o “outro lado” sem uma ajudinha dela.
* Por último, ficou faltando alguém entrevistar a assassina que matou
seu namorado em um hospital e não na própria BAU. Visivelmente em
choque, uma pessoa assim jamais seria liberada de um hospital para ser
interrogada.