quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

Os Prós e os Contra

 Envelhecer é um processo complexo. Viver uma vida cheia de experiências com família, muitos amigos, clientes e muitos conhecidos ao longo dos anos me fez aprender a não julgar. Sim, a primeira lição após os cinquenta foi: nunca julgue! 

O tempo me fez aprender muitas coisas. Uma delas eu aprendi por volta dos vinte e nove anos, quando me mudei de São Paulo para Vitoria: família, não importa a distância, é importante e é pra sempre, não importa o quão longe você esteja. A segunda coisa que aprendi cerca de dez anos depois é que amigos são uma família que você escolhe para fazer parte de sua vida e que tudo que você oferece hoje, um dia retorna.

Também aprendi que um relacionamento a dois, no meu caso, um casamento que durou quarenta anos, não se forja com bases fracas. Amor é fundamental, mas sexo saudável e criativo e bom para os dois, abrir mão do ciúme sem sentido, fazer o outro feliz em reciprocidade, ceder em  algumas coisas em detrimento do outro e estar presente nas horas difíceis, tudo isto faz parte de um relacionamento. Aceitar os defeitos de quem você ama, permitir que seu parceiro perdoe seus erros, tudo isto é uma construção. E que construção!

Quando as adversidades surgiram, depois de tantos problemas financeiros que eu julguei serem importantes, voltei a chorar, espernear, me revoltar, mas aceitei meu diagnóstico de Parkinson até que com certas serenidade.

Então veio a pandemia, o primeiro AVC do Afonso, os tantos meses de UTI, uma espécie de não sei bem o que fazer. E vem a vida te ensinar tudo de novo, a ressignificar conceitos, o que importa de fato. E você lembra de nunca julgar, porque ser julgada é muito ruim! 

Depois de três anos de luta contra a doença do homem que você ama a quatro décadas , ele apenas passa uma tarde e noite linda com você, cheio de amor e carinho, recordações e lembranças divertidas, e ele parte, sem mais, nem porquê. Chamam de melhora da morte. Não sei dar nome ao que aconteceu. Ele se foi, e eu fiquei, em um apartamento cheio de trinta e sete anos de recordações, assumindo para mim, por força da necessidade, o trabalho de síndica, que fora dele por onze anos. Além do meu próprio trabalho, claro. 

Passaram-se sete meses e estou em trabalho pela reeleição como síndica. Participei hoje de uma palestra que dizia que devemos seguir em frente diante da perda. Eu pensei em contestar, mas nem tive vontade. É fácil falar para ir em frente quando você não vive no mesmo lugar em que seu amor perdeu a vida.Hoje eu já consigo entrar na cozinha, mas ainda me dói permanecer por muito tempo no lugar onde ele caiu morto. Também é difícil me sentar no escritório e usar o computador, o mesmo que ele usou para ser síndico por onze anos. É fácil falar em seguir em frente quando se está de fora da situação. 

Eu não tenho opção. Com tantos gastos durante a doença do meu marido, só me resta continuar como síndica enquanto o inventário não se encerra e, talvez, sair do apartamento seja uma boa alternativa.

Agora, mais que nunca, não julgo ninguém. Por muitos anos repliquei um ditado indígena que dizia: "não julgue as milhas percorridas por alguém sem calçar seus mocassins". Era uma frase que, de ano para ano, eu replicava  na primeira folha da minha agenda de papel, desde muito jovem. Na verdade, acho que só, muitos anos depois, fui entender verdadeiramente este provérbio. Diria que a velhice, além de dores em tantos lugares, a falta de brilho na pele, as inconvenientes rugas, alguns cabelos brancos e a vantagem das meias entradas de cinema, lhe trás também uma melhor compreensão do que é viver, do que são os ganhos e  as perdas. A velhice ( e, dizem hoje que os sessenta e poucos são os novos cinquenta - mentira, não caia nesta, isto é para os poucos abastados e menos desgastados) trás sabedoria. Um pouco tarde, na minha humilde opinião. Vovó dizia que a gente devia saber aos trinta o que descobre aos sessenta e cinco. Ela estava coberta de razão. 

Talvez este seja o sentido da vida. Talvez eu tenha sido lerda para entende-la. Os primeiros anos de casada foram intensos, mas os mais bem aproveitados foram os últimos.

Eu teria feito algo diferente? Muitas coisas. Teria tido menos ciúme, teria guardado mais dinheiro para o futuro, teria ido mais vezes com o Afonso pescar e teria avançado mais sinais de trânsito com as amigas (entendedores entenderão). Mas, em resumo, teria feito o mesmo, talvez com mais intensidade. 

Espero ter feito meu marido muito feliz, mesmo quando o Corinthians jogava contra o Santos.  Espero termos criado um bom filho, apesar de todos os nossos problemas e que ele tenha aprendido que acentos e vírgulas são fundamentais. Espero ter feito a diferença na vida das amigas, com cajuzinhos, caronas e bons conselhos. Espero ter deixado minha mãe orgulhosa, de alguma forma e que ela sempre se lembre de mim como alguém que acredita na democracia, na verdade e na importância da cultura. Espero muito merecer tudo que recebi e recebo todos os dias, de todos os lugares, de todas as pessoas amigas, a quem só posso agradecer. 

É difícil se perceber envelhecendo. A vida toda eu vi a vida sob a ótica de uma jovem. Eu tinha um buffet infantil. Eu amava rolar no chão com as crianças, a melhor parte do meu trabalho era ser uma delas. Eu levava pescaria com água em uma bacia só para ver todo mundo molhado. Eu adorava fazer "pacotinhos" com meus sobrinhos que sempre acabavam em sessões de cócegas e muitas gargalhadas. Eu sempre fui de sentar no chão, de brincar de mímica aos cinquenta, de rir dos micos nas reuniões dos Esfiles, de morder cenoura para filho acreditar em coelho da Páscoa, de deixar me enrolarem em papel higiênico só porque me fazia feliz e, queria acreditar, faria aos outros felizes também. Eu brincava de colar carta de personagem na testa porque era divertido! E, se o Afonso estivesse aqui, ele diria que eu amava o Natal mais que o próprio Papai Noel, principalmente quando o Bruno e os sobrinhos eram ainda pequenos e acreditavam na magia do bom velhinho.

Eu não me recuso a envelhecer! Só não quero ser como a maioria. Mesmo sabendo que a doença avança, mesmo doendo todos os ossos para pegar o Vicente no colo, mesmo discutindo reformas de cento e setenta mil reais sem nunca ter sido uma expert em economia. Eu me recuso a ser uma senhorinha comportada, como as que estavam na reunião de hoje, falando de novelas e novenas. Eu quero continuar aos berros cantando Gil quando toca Realce, Lulu quando canta.. tudo o que ele canta, eu quero cantar Paralamas,  Capital Inicial, quero cantar Zé Ketty e sua Máscara Negra e Chico, tudo do Chico. Eu quero assistir o próximo Capitão América e ler o próximo livro da Claudia Lemes. 

O Afonso vai me entender, porque ela sabe com quem se casou. Ele sabe que ainda não tenho vontade de ir em uma festa ou fazer uma farra, mas que este dia vai chegar. Porque foi comigo que ele se casou. A doidinha, que topava tudo, que queria ser feliz e fazer ele feliz. Ele vai entender. Eu sei que vai. Não agora, onde a dor ainda aperta meu coração a todos instante, mas no momento certo. 

A velhice é uma merda. E uma benção! A gente começa a enxergar tudo com mais clareza, tudo faz mais sentido e mesmo que doam os arrependimentos, você consegue entender porque seguiu por um caminho e não por outro. Só te resta, ao fim da vida se perdoar e tentar seguir ajudando aonde pode, fazendo diferença onde é possível. 

A velhice é um saco. Mas, nem sei porque estou escrevendo isto. Todos vocês só vão entender isto quando chegar a hora. É por isto que ninguém paga por conselho......



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