Você tem dezesseis,
trinta e dois, cinquenta ou setenta e quatro anos. Estuda, trabalha o dia
inteiro, cuida com amor dos seus filhos ou todas estas coisas juntas. Não importa.
Tem suas contas para pagar, o carro para deixar para lavar, o botão que caiu da
camisa do uniforme de seu filho para pregar, as compras da semana, o relatório
para seu chefe, aquele trabalho de escola sobre algoritmos e tantas outras várias
coisas que ocupariam páginas diversas de texto por aqui.
Tudo bem. Você não se
importa em fazer todas estas coisas, apenas algumas ou várias outras, desde que
naquele seu momento de paz, aquele em que você já pôs as crianças para dormir (
ou dependendo do caso você é que esperou seus pais dormirem),o marido já
capotou em frente da televisão, seus pés estão finalmente erguidos sobre o
pufe e uma xícara de chá fumega ao seu
lado e você consiga enfim assistir seu seriado favorito.
Não importa se você o
segue pela tv ou se, dado o horário, se obriga a gravar e assistir depois, ou
talvez você acompanhe sua série pelo computador, em tela menor que o habitual,
mas certamente à frente dos mortais que dependem da grade televisiva. Certo
mesmo é que nesta hora o mundo parece parar ao seu redor. São em
geral, quarenta e dois
minutos dispensados a incluir você em outro mundo, cheio de casos
policiais, vampiros, morto vivos ou em companhia das pessoas mais engraçadas do
planeta.
Nada explica porque simpatizamos mais com uns do que com
outros personagens. Sejam vilões, mocinhas em apuros, delegados, médicos,
advogados ou representantes da maldade
na terra, não há muita explicação lógica pelo apego. Claro que
tendencialmente a simpatia recai na maioria dos casos sobre o cara boa pinta
cheia de charme ou a moça inteligente que defende o mundo do mal, mas isto
nunca é uma regra. Às vezes personagens com os quais não temos qualquer
afinidade e que de modo algum representam nosso caráter nos atraem da mesma
forma ou mais.
Ok, mas isto é comum
nos livros, personagens que invadem nossas vidas enquanto devoramos páginas e
páginas de estórias diversas, por que então séries são tão boas ou melhores que
a boa brochura?
Para isto existe mais
do que uma resposta. A primeira e mais óbvia é que livros, para ávidos
leitores, tem uma curta duração, algumas pessoas ( tipo eu ) podem dobrar uma
noite em busca do final da estória, mas dois ou três dias depois aquela emoção
vai diminuindo, aqueles personagens vão
lentamente se retirando de minha mente e deixando espaço para o que vem a
seguir ( claro, existem livros e personagens inesquecíveis, mas mesmo estes aos
poucos vão deixando a emoção de lado para tornarem-se uma grata lembrança).
Séries de televisão duram muito mais tempo. Se você tiver sorte e resolver
acompanhar uma série fadada ao sucesso, poderá conviver quatro, cinco, dez,
quatorze anos com aqueles personagens que, em última instância passam a fazer
parte de sua vida.
Você já se pegou
conversando com uma amiga sobre uma série que você ama?
“ – Deus, como puderam
matar o Will? Será que a Alicia não tem
direito de ser feliz? Estou arrasada com
a morte dele...”
“ – Nossa, nem me diga, chorei tanto. Só espero que ela
não volte para o mulherengo do marido,
ela merece alguém que a faça feliz de verdade...”
Pode ser que os nomes
sejam diferentes, mas com certeza fãs de séries já viveram, em alguma ocasião,
uma conversa deste tipo. Em um certo momento nos pegamos tratando estes
personagens como se fossem membros de nossa família, pessoas as quais
conhecemos os gostos, os desejos, as frustrações.
Não é para menos. Eu
costumo dizer que vivemos em busca das nossas realizações e, podemos atingi-las
ou não, mas para todo o resto, existem as séries de tv. Através delas exercemos
o sagrado direito de viver uma felicidade extra, de vibrarmos com uma conquista
que por hora nos escapa, de punirmos o vilão do dia a dia que foge do alcance
da justiça diária e real. Podemos amar o médico casado e fiel, lindo de morrer
que ainda lembra-se de levar flores para a esposa, a advogada que além de
competente, linda, fashion, ainda sonha em fazer geleia para o homem que ama,
que por acaso é o presidente dos Estados Unidos. Naqueles quarenta e três
minutos somos o longo braço da lei que puni o criminoso, mas sempre sobre o
salto sete e meio de uma belíssima bota preta. Não vem muito ao caso se nosso
dia foi ruim, porque naqueles quarenta e tantos minutos eu serei amiga do
príncipe, da bruxa má e da chapeuzinho vermelho, talvez me anime o fato de
saber que não sou somente eu que fico arrumando ordenada e compulsivamente os
objetos na minha casa, porque afinal meu personagem predileto tem TOC e
consegue ainda ser um grande cara. E sabe aquele vestido pregueado que eu jurava estar fora de moda? A minha
heroína está vestindo um quase igual e quer saber? Ela está linda, sua melhor
amiga na série até elogiou.
Claro, nem todas as
séries são assim tão fáceis de se buscar identificação. Quem assiste e ama
Walking Dead, True Blood, Fringe, The Originals ou Agents Of Shield, o que
busca em comum, o que espera ver, o que espera encontrar que o satisfaça?
Simples: todas as séries tem uma plataforma comum, uma espécie de receita,
onde, independente do bolo servido, a satisfação seja a mesma. Você troca o
coco pelo morango, o doce de leite pelo chocolate, mas o prazer é o mesmo.
Todas as séries tem aquele mocinho lindo que você adoraria que fosse seu
namorado, uma mocinha despachada, super na moda, com um peso em geral muito
abaixo do seu, que deveria ser você se o mundo fosse justo, um amigo fiel e
carinhoso que nunca trai sua confiança, ao contrário daquela víbora, aquela a quem você
pensou que poderia confiar seus segredos
e quebrou a cara. Tem o cara te faz rir porque afinal sua vida precisa
atualmente de umas boas risadas e há o vilão, aquele que esconde nossos mais
obscuros segredos, aquelas porradas que você quis dar sabe Deus em quem, aquela
vontade de poder de vez em quando sair da linha, não ser tão certinha, mas que
você nem cogita, pois pode fazer você terminar seu dia em uma delegacia de
polícia nada virtual.
Amamos séries não
porque nossa vida não é suficientemente boa, mas porque ela pode ser
infinitamente melhor se derramarmos
nossas expectativas e frustrações nos ombros de alguém que pode sorrir
ou chorar sem dar explicações a ninguém.
É bom termos notícias
do Hotch, da Meredith, do Governador, do House, da Mellie. Elas surgem com
certa facilidade, em um privilégio que a vida não nos oferece chamado spoiler.
Podemos até influir em seus destinos, assinando petições, pedindo para a Emily
voltar. Podemos inclusive fazer maratonas, de três, quatro ou sete horas, para
sabermos de uma vez o que o destino reserva para nossos mais íntimos amigos, se
eles irão ter sucesso ou se iremos de novo sofrer pelos caminhos percorridos
por eles. E por mais irreal que pareça, podemos reescrever a estória deles
através das fanfics, aquelas palavras incrustradas no papel de forma a mudar o
rumo da estória que passa na tv.
O fato é que, aquele
que é fisgado uma vez pelo apelo de uma série de televisão nunca mais volta a
ser o mesmo. O bom show televisivo usa a batida fórmula igual desde sempre
para, vestida com outros panos, capturar nossos desejos, nossas expectativas,
e, por fim, preencher aquele vazio que temos quando não brincamos com mais
ninguém. Não se trata de mascarar a
realidade. Trata-se de dar cor, de enfeitá-la com adereços que o dia a dia
despreza, de adorná-la com um pouco de fantasia, de dar a ela o perfume e o
brilho que merecem. Trata-se de buscar
aquele algo mais que perdemos no
decorrer de nossa caminhada, de trazer,
por um momento ou uma hora, um alento, agregado ao chá quente, ao cafuné que
nos faz nosso namorado, um deleite que recebemos no silêncio que habita nossa
residência, e de que nos lembraremos amanhã, quando o dia for mais difícil de
encarar do que gostaríamos que fosse.
Sei que nada disto
explica porque amamos séries de tv. Há muitos anos atrás existiam as novelas,
que aliás ainda existem e se fazem presentes, mas nada se compara a trazer ao
nosso convívio por anos a fio, aquele personagem de série que quase sempre nos
assusta ante a possibilidade de ser cancelada, mas que, salva no último
instante, nos revigora e nos faz comemorar sua futura presença.
As mulheres que amamos
nas séries são perfeitas e completas para que possamos respeitar nossas limitações
e os homens são inatingíveis para que possamos conviver com parceiros não tão
completos, nem tão desejáveis, mas que nos fazem felizes ainda assim. Os vilões
são cruéis porque eles têm que representar tudo o que mais odiamos e, de certa
forma, pagarem por aquilo que não conseguimos cobrar de nossa sociedade.
Obviamente, ver séries
nem sempre tem que ter um significado representativo. Podemos assisti-las
apenas pelo prazer de conviver com Jack, Olivia, Morgan, Rossi, JJ ou Mellie.
Mas certamente é um hábito que normalmente se enraíza e que, tendo a sorte de
amarmos a série certa, nos fará convidar ao nosso dia a dia todas estas
criaturas nascidas de uma mente fecunda, que estarão vivas em nossos sonhos, em
nossos desejos, em uma rotina que se confunde com horas reais, que quase não
conseguimos distinguir.
Séries são feitas com
lápis de cores que não existem no dia a dia. Se resolvemos nossos problemas em
preto e branco, shows de tv fazem uso de caixas de lápis coloridos com trinta,
quarenta tons diferentes, matizando nossas decisões, tingindo alegrias e
tristezas com generosas pinceladas de tons que a vida desconhece.
Portanto, na próxima
vez que você se encantar por uma série, permita-se deixar levar pela fantasia,
pelo absurdo que é torcer pelo bandido, pelo encanto que faz viver um mocinho
que nunca existirá de verdade, pela mulher que você, por mais que tente nunca
será por completo, mas que sem pedir licença, adornará seus dias. Permita-se
sem culpa viver todas as mais loucas aventuras, que você em sua vida jamais
conhecerá, permita-se transgredir e sonhar.
É provável, que em
algum momento, você se reconheça e se liberte, você ouse ir contra a corrente,
você se permita ser a protagonista desta estória, mesmo que apenas por uns
poucos quarenta e tantos minutos. E não
tenha vergonha de viver a vida alheia, criada em palavras para não ser nada
mais que um texto em sua mente. Não se vive sem prazer, venha ele do lugar que
vier. Com sorte, seu prazer poderá durar oito ou dez temporadas.....
Por que amamos séries
de tv? Ora, porque elas são o alento que buscamos em dias difíceis e noites
intermináveis, são a realização dos sonhos mais obscuros, são a cereja do bolo
que não queremos dividir com mais ninguém. Séries, aquelas duradouras, dão vida
à personagens que ocupam nossas salas de estar, deitam-se em nossas camas,
fazem amor conosco, despudoradamente. E na manhã seguinte, seguem em frente,
sem cobranças, sem tormentos. Não importa. Seguiremos em frente, realizando aquilo
que se espera de nós, e, quando tudo estiver mais difícil, sempre nos
lembraremos da mocinha, do herói, do vilão punido.
E, vida que
segue.......
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