É bastante difícil de dizer isto de um blockbuster de ficção científica atualmente, mas Planeta dos Macacos – O Confronto superou minhas expectativas.
Digo isto com uma pequena pontada no meu coração. O
Planeta dos Macacos original, filmado em 1968 é um filme que marcou minha vida.
Eu o assisti ainda muito nova. Tenho que admitir que a imagem da Estátua da
Liberdade na praia é uma das imagens que mais me marcou cinematograficamente
falando.
Talvez porque seja uma imagem contundente demais
para ser ignorada e mesmo sendo apenas linguagem cinematográfica, choca ainda
mais com o passar do tempo e torna-se a cada dia ainda mais crível. Há quase
quarenta anos, quando a vi pela primeira vez, senti-me pequena diante da
imensidão de concreto mal jogado na areia. Até hoje é um dos momentos mais
significativos do cinema, pois é uma visão que contém toda uma estória cravada
nela. A estátua jogada partida na praia resume enfim a destruição da Terra como
nós a conhecemos, o descobrimento de que o personagem principal nunca de fato esteve
em outro lugar que não seu planeta de origem, a incompetência do ser humano em
preservar sua espécie. Existe tanta informação naquela tomada de nove segundos,
tanta desesperança contida na figura do homem de joelhos ( Charlton Heston em
grande atuação, no papel do astronauta George Taylor, que depois de séculos hibernando em sua nave, descobre que
voltou à Terra após sua total destruição), um dos grandes exemplos do bom uso
da imagem como um signo na linguagem semiótica. Fantástico!
Mas, voltemos ao filme de 2014. Se o filme original nos
mostra nosso planeta devastado e dominado por uma nova espécie, Planeta dos
Macacos – O Confronto nos mostra porque chegamos lá. Claro que boa parte desta
informação vem do primeiro filme da nova trilogia, dando algum senso lógico
para que macacos tenham de fato se desenvolvido, para que tenham aprendido a
falar, entre outras coisas.
César ( Andy Serkis – que aliás já passou da hora de
ser indicado para todos os grandes prêmios, inclusive o Oscar, dada sua atuação
impecável, mesmo que discutidos os recursos de captação de movimentos) agora é
pai, passaram-se dez anos desde sua fuga do laboratório onde era cobaia, e ele,
enfim, tornou-se o grande líder dos símios que o acompanharam na rebelião.
Ocorre que César é um pacifista, por amor e respeito a tudo o que aprendeu com
seu protetor, o cientista Will Rodman ( James Franco, no primeiro filme da
trilogia – A Origem). Não que ele ame os humanos. Ele tem a exata dimensão de
que o homem que o amou e protegeu é apenas uma parcela da raça humana. Ele sabe
que não são todos iguais e que o homem pode ser muito cruel e destrutivo. Por
este motivo, César organiza e mantém sua comunidade isolada do contato humano,
no meio de uma floresta. Com uma subsistência que despreza comodidades como a
luz elétrica, a água encanada ou qualquer outro luxo, através de um respeito
que beira um regime ditatorial, ele mantém os seus unidos.
Por outro lado, a raça humana dizimada, vítima do
vírus criado em laboratório, que ficou conhecido como a doença dos símios,
sobrevive em grupos, pequenos guetos de resistência aqui e ali, que esforçam-se
para restabelecer os princípios mínimos necessários para recomeçarem. O grupo
que conhecemos nos primeiros minutos de
película é liderado por Dreyfus ( personagem interpretado pelo sempre ótimo
Gary Oldman), um homem que tenta recomeçar em meio ao caos proporcionado pelo
desespero e a ignorância dos que sobreviveram.
O objetivo é avançar floresta adentro para reativar uma usina ali
instalada e assim, voltarem a fazer uso da energia elétrica, tão necessária
para o homem que acostumou-se a tê-la como fundamental ( e aqui surge a
primeira grande diferença entre símios e seres humanos).
A expedição de recuperação da usina é liderada por
Malcolm ( competente trabalho de Jason Clarke), que tem por companhia sua
namorada, a médica Ellie ( Keri Russell), seu filho Alexander ( Kodi Smit-
McPhee), e os amigos Werner (Jocko Sims) e o encrenqueiro
Carver ( Kirk Acevedo). Neste momento começam a surgir os primeiros problemas.
Em busca da usina, o grupo invade o “espaço” do grupo de César. Além da
surpresa óbvia em deparar-se com macacos que raciocinam e são capazes de falar,
Malcolm precisa garantir o sucesso de sua missão.
Aqui surge a primeira tentativa de boa convivência
de ambos os lados. César em sua política
pacifista autoriza a exploração da usina com uma única condição: que
todos entrassem na floresta desarmados ( o que, obviamente acaba não
acontecendo ). Malcolm, também um pacifista, além do fato de necessitar da
autorização, aceita um acordo que irá
descobrir posteriormente, não poder cumprir.
Daí em diante tudo o que se vê é uma bem elaborada
metáfora para todo e qualquer conflito no qual o ser humano habitualmente está
envolvido. Existem os que acreditam na convivência pacífica, existem os
ambiciosos, sedentos de poder, que na primeira oportunidade passam uma rasteira
no seu igual, acreditando na máxima da sobrevivência do mais forte, existem
aqueles que seguem o fluxo, que viram suas velas para onde sopra o vento. Aqui
o longa-metragem passa a discutir a
convivência pacífica versus o incontrolável ódio da discriminação. Serviria
perfeitamente para enquadrar o atual conflito Israel x Palestina, mas também
poderia estar enfocando os grupos de supremacia branca discriminando negros e
gays.
O filme é brilhante em seu óbvio argumento: o ser
humano possui uma capacidade única para destruir seu semelhante, sem nunca
lembrar-se que independente do credo, cor, raça, opção sexual, time de futebol
ou partido político, iremos todos ter o mesmo fim, em uma caixa de madeira,
inteiros debaixo de sete palmos ou em pó, adubando algum jardim ou alimentando
alguns peixes.
A inversão de papéis apesar de ser incômoda, é
totalmente crível, pois afinal, a raça de símios geneticamente evoluídos, faz
senão defender e preservar sua espécie, coisa que nos pegamos fazendo todos os
dias. Tanto mais tentem a paz, símio ou homem, mais sentem-se distantes desta
possibilidade, porque o orgulho e o poder cegam e a compreensão de nossa
existência é para poucos. É triste, mas totalmente verdadeiro.
Matt Reeves, o diretor, constrói um filme com
diversas camadas como um espelho reverso. César será pai novamente, e o filho mais
velho é a síntese da oposição, da quebra de padrões, sem ter embasamento para
isto. Como tantos jovens que vemos hoje em dia, que seguem o fluxo sem entender
bem o porquê, Alex está buscando fazer o que é certo em sua opinião. E quando
Koda sacrifica seu filho, que tem dúvidas justas sobre os métodos de seu pai,
ele representa tudo aquilo que repudiamos em nossa sociedade atual, a
corrupção, a ambição desmedida, o poder a qualquer preço. A discussão justiça x
perdão permeia todo o filme, bem como a toda hora nos perguntamos quando terá
sido o suficiente para os dois países hoje em conflito, em detrimento da morte
de tantos inocentes.
Com uma maquiagem e efeitos especiais que certamente
serão indicados ao Oscar, uma edição ágil, com muitos planos gerais, em
close-up e planos de detalhe, além de uma trilha sonora pontual, Reeves
constrói um filme incômodo, cheio de questionamentos e pesares. Cada personagem
com captação de câmera acrescenta história aos currículos dos realizadores .
Os “macacos” são muito assustadores na medida exata
entre a dor e a piedade, como se, pudéssemos classificá-los sem
comprometimento. Em nenhum momento temos aquela sensação incômoda de boneco
computadorizado ou fantasia mal elaborada. Tanto eles parecem reais que o close
fechado no olhar de Cesar no início do filme e ao final me deram mais medo do
que a maioria dos filmes de terror que tenho visto ultimamente. Da mesma forma
o filho recém-nascido de César tem os movimentos suaves de um bebê e comovem no
colo de sua mãe após o parto.
Outro recurso bem utilizado é o som. Grandioso
quando necessário, faz-se ausente em alguns momentos fundamentais, como por
exemplo, o momento em que os homens veem a luz voltar a funcionar sem saber que
seriam dizimados pelos símios impiedosamente poucos instantes depois.
Provavelmente o momento mais doloroso do filme seja
o diálogo final entre Malcolm e César. Quando o humano diz que pensou que
juntos pudessem obter a paz ( tendo a certeza de que isto nunca vai acontecer)
ele acaba com todas as nossas esperanças na humanidade. Porque Cesar - o
pacifista e toda a sua turma, somos nós de alguma forma. E entre eles ou nós
sempre haverão vários Kodas , dispostos
a sacrificar até seu próprio sangue gananciosamente em busca de poder, seja em
forma de dinheiro, violência, intimidação ou simplesmente maldade. O filme
sombrio não deixa uma mensagem positiva. Ao contrário, como eu, Cesar e Malcolm
estão cansados de esperar pela paz que nunca vem. E provavelmente nunca virá.
E para onde segue a trilogia depois de Planeta dos
Macacos – O Confronto? Em minha opinião,
pela lógica, virá o domínio do mundo pelos macacos, atingindo o mesmo ponto
onde foi concebido o filme original. Claro que, dada a concepção do primeiro
filme, explicando a origem dos macacos desenvolvidos, fica difícil crer que o
ser humano não saiba o que está acontecendo, como visto na película de 1968.
Neste ponto, prefiro que não haja surpresa ou impacto apenas para tentar igualar o choque do filme
inicial. Até porque nada superará aquele final. É bobagem tentar algo como o
filme dirigido por Tim Burton em 2001 onde ao final surge um macaco sentado na
cadeira de Abraham Lincoln na entrada do Lincoln Memorial, um marco americano.
Com o vírus símio criado em laboratório no início desta trilogia também
aparentemente descarta-se a possibilidade do mundo ter se extinguido em função
de guerra nuclear, como sugerido no filme original ( assunto que carregava um
significado especial dada a situação do mundo naquela época: a qualquer momento
esperava-se que alguém apertasse o famoso botão vermelho). Fica claro, portanto que os roteiristas
deverão caminhar por outras planícies para chegar à escravidão do ser humano.
De qualquer forma, o grande mérito de O Planeta do Macacos – O Confronto
está em ser mais atual e representativo do que todos os outros filmes do tema.
Além de grande diversão, o filme é a metáfora perfeita para tudo o que vivemos
desde que nos entendemos por gente. Grande filme. Não perca!
Até a próxima!
Muito bom o texto !
ResponderExcluirEspero conseguir ver o filme logo, fiquei com mais vontade ainda depois de ler!
Oi, querido, fiquei feliz com seu comentário! Você não imagina como fico contente em saber que o texto te deixou com mais vontade de de ver o filme. Te conhecendo como te conheço você vai adorar! Obrigada por comentar! Bjo!
ExcluirMagnificamente bem escrito. Realmente, a gente fica com mais vontade de ver o filme dps do texto da Débora.
ResponderExcluirSempre gostei dos filmes dos macacos e esse parece que supera os outros.
Bjs Débora.
Obrigada pelo comentário! É muito bom escrever para pessoas que se interessam como você! Veja sim, o filme é ótimo! Tenho certeza que você vai gostar. quando você assistir, me conte se você gostou, ok? Super bjo!
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