Adoro crimes banais. Certo, nenhum crime é banal, mas em sua grande maioria acontecem por motivos banais. É legal ver quando os produtores optam por explorar criminosos estranhos, com motivos pouco comuns, mas tenho uma queda pelos motivos triviais. Aqueles crimes motivados pela tríade sexo, dinheiro e poder. Do tipo de a gente infelizmente cansa de ver na TV todos os dias e que tem se tornado cada dia mais comum. São com estas histórias que podemos nos aproximar um pouco mais da realidade para tentar entender porque estas coisas ainda acontecem.
Um episódio digno de um livro de Agatha Christie, cheio de personagens passíveis de serem o criminoso, privilegiado pelo fato de não ter a necessidade de entregar logo no início o verdadeiro culpado. Em alguns episódios isso é inevitável, mas da forma como a história aqui foi construída, não se fez necessário entregar de bandeja o unsub logo de cara.
Às vezes nos esquecemos que não apenas personagens humanos podem nos contar uma estória. A direção de arte de Criminal Minds nos deu o privilégio de nos lembrarmos que isto não é verdade. Os primeiros cinqüenta e seis segundos de exibição do episódio são um personagem a mais narrando a série. O roteirista poderia ter optado por contar quem eram e como viviam as vítimas assassinadas pela boca de um policial ou um agente, mas este trabalho não poderia ter sido melhor realizado senão através de uma direção de arte brilhante. A composição da sala, em um passeio valorizado pelos closes em pequenos detalhes como o lustre, as partituras, o metrônomo, a lareira, os cachimbos perfilados, a louça, o porta retratos já indicando um casal e seus três filhos, a vitrola tocando Jingle Bells, os discos perfilados e etiquetados por categoria, tudo isto nos diz mais do que qualquer policial poderia dizer. E acima de tudo, essa descrição minuciosa será importante mais para frente ao ser desconstruída cruelmente para aventar a possibilidade de a família viver de aparências. Uma abertura simplesmente genial.
Por se tratar de um episódio diferente dos costumeiros, a mudança de dinâmica, trazendo o caso para o seu próprio território, eliminando a necessidade do perfil no avião dá uma cara diferente e nos incita a querer mais. E, para não quebrar o ritmo das novidades, os agentes assistem ao vivo, via transmissão por satélite, a captura de um suspeito acuado no local dos crimes. Tudo diferente, com cheiro e gosto de coisa nova, que só nos deixa mais e mais ligados no que vem pela frente.
Em uma espécie de jogo de Detetive, tentamos juntamente com nossos agentes descobrir quem poderia ter cometido tamanho ato cruel ao assassinar uma família inteira. Com o patriarca e seu filho mais velho sumidos ampliam-se as possibilidades.
Além disto, durante o andamento do caso, Hotch depara-se com um problemão: tirar da cadeia seu sogro, recém diagnosticado com Alzheimer, que invadiu uma propriedade que outrora fora sua, e que, agora, é de outro dono. Não por acaso, Hotch irá lidar com seu sogro neste episódio. Isso porque lá e cá o tema central refere-se à responsabilidade patriarcal. Como em um jogo de comparações torna-se delicioso confrontar as falhas dos pais em xeque, e inevitavelmente comparamos a conduta de Hotch à conduta do pai dominador que está sumido e é indiretamente responsável pela chacina de pelo menos quatro pessoas de sua família.
Não por coincidência, o tema do agente da semana é Aaron Hotchner. Ao buscar seu ex-sogro na delegacia, de cara nos surpreendemos com Roy Brooks ( o fabuloso Edward Asner ), um homem de oitenta e poucos anos, vestindo pijamas e roupão que, ao ser indagado, sem pudores ou meias palavras manda Hotch calar a boca ( siiiiim, eu vivi para ver alguém mandá-lo calar-se e não ser revidado). Ao conversar com a cunhada Jéssica, a fada madrinha da vida do nosso G Man preferido, uma vez que está sempre disponível para cuidar do sobrinho na falta de seu pai, Hotch descobre que Roy foi diagnosticado com o Mal de Alzheimer. A doença ainda está em seu início, mas já causa pequenos esquecimentos e confusões. Para os leigos no assunto, esta doença está entre as mais cruéis que podem acometer um ser humano, pois dele tira a memória, a independência e a dignidade, e ainda oferece o bônus de alucinações, que amedrontam e atordoam seu portador. Jéssica não pode mais deixar seu pai morando sozinho e não pode bancar o luxo de mantê-lo morando consigo porque lhe falta dinheiro para isso. Até o final do episódio descobriremos que o cavaleiro de armadura firme como uma rocha irá socorrer a pobre moça e proporcionar a oportunidade de manter o sogro vivendo com sua única filha, ajudando com as despesas.
Incrível nosso herói, não é? Não, não é. Tal qual o pai de Marc, que renegou o filho em razão de manter o bom nome e o casamento imune aos seus desvios, Hotch também paga por seus pecados. Mesmo tendo boas intenções, não dá para negar sua responsabilidade na morte de Haley. Não sei se uma mãe ou um pai poderia perdoar um genro por tamanho envolvimento. No fundo, não sei se Hotch conseguiu perdoar-se por isto, mesmo que seu discurso seja outro.
E aí as duas histórias se cruzam. Por mais diferentes que possam parecer, a moral que fica é que não existem heróis. O único herói da história é aquele que Marc conheceu através das mentiras de sua mãe. Aquele que nunca existiu. Frank Kingman não conseguiu ser um bom pai nem para seus filhos reconhecidos nem para seu filho bastardo. Roy Brooks, por mais amor que tivesse por sua filha, não pode evitar que ela fosse assassinada. Aaron Hotchner hoje atura os desaforos de seu sogro em nome do que deve à sua ex esposa e ao seu filho. De perto, todos temos nossos pecados.
Marc é interrompido pelos agentes antes de concluir sua missão e matar também sua mãe, mas em um momento espetacular do roteiro, ele sabe, como nós sabemos, que isto pouco importa, afinal, com um coração batendo no peito ou não, sua mãe já está morta também. De desgosto. De arrependimento. De tristeza.
O episódio desta semana teve momentos memoráveis, com interpretações convincentes de todos os atores convidados. As cenas entre Ed Asner e Thomas Gibson foram espetaculares. Enquanto Roy vocifera, Hotch apenas através de olhares e respiração profunda expressa seu descontentamento, sua vontade de socar a primeira coisa ao seu alcance. E contêm-se. O embate entre dois grandes atores que eu espero tenha um segundo round em uma possível próxima temporada. E o melhor de tudo: o roteiro de Bruce não toma o fácil da redenção. Ele deixa até seu final que as coisas nunca se ajeitarão entre sogro e genro, que não há perdão possível. Isto é muito triste, mas também muito real. Não sei se como mãe poderia perdoar a perda de uma filha sob as mesmas circunstâncias.
A Place At The Table conta uma história que não nos deixa esquecer que tudo o que fazemos ou deixamos de fazer para nossos filhos tem suas conseqüências, que não há saída fácil para as más escolhas e que o preço que pagamos pelas nossas impensadas ações pode ser e quase sempre é caro demais.
Impossível assistir e não gostar. Nos vemos na próxima semana!
Pequenas observações:
- Rossi absolutamente impagável com sua ironia e sarcasmo.
- Muito linda a cena entre Reid e Garcia na sala dos computadores.
- Que lindo ver um senhor de oitenta e dois anos atuando tão espontaneamente com um jovem de dez anos ( e Cade Owens saiu-se super bem).
- Destaque para a atriz Molly Baker ( Jéssica Brooks ) que finalmente mostrou que pode ter mais do que uma atuação de um minuto e que pode ser bem mais do que uma coadjuvante de luxo.
Foi um prazer ler esse review, as colocações que vc faz sobre o episódio destacam questões que passam despercebidas, muito obrigada, vc escreve muito.
ResponderExcluirMuito obrigada por comentar, fico muito feliz em acertar. Siga o blog, hoje já estou postando a review de Mr Scratch, review esta que gerou muuuuita polêmica na gravação do podcast ( vc encontra o podcast na página do Criminal Minds Brasil). Já que você gostou do que eu escrevo, gostaria de sua opinião na review do próximo episódio. Grande abraço e retorne sempre que quiser com sugestões e opiniões.
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