Ou selfie, se você preferir usar a língua inglesa. O
nome não importa tanto quanto a importância que tem o estrago que ela irá
causar na humanidade daqui para frente.
Quando foi que perdemos a noção de coletividade?
Quando foi que resolvemos deixar em casa o coração para cruzar com crianças com
fome e não nos comovermos ou vermos uma velhinha atravessar a rua com
dificuldade e não ajudarmos? Quando foi que nos esquecemos de segurar a porta
para o próximo ocupante do elevador ao sair dele ou de dizer bom dia ao
porteiro porque estamos concentrados demais em dizer bom dia ao mundo pela rede
social?
Aliás, este é um modo interessante de ver as coisas.
Já escrevi em outra postagem minha no blog sobre o Mundo Encantado do Facebook
(Ver aqui), onde todos são politicamente, ecologicamente e socialmente corretos,
lindos, felizes e realizados. Salvam-se cãezinhos, bichinhos à beira da
extinção, amamos todos os que se foram,
todos os que estão vivos, todos os que estão por nascer. O amor e a decência
permeiam a timeline do Facebook feito abelha atrás de mel. Uma maravilha. Isso,
claro, quando nos referimos a nós, seres intelectualmente completos, porque
afinal estamos falando do EU.
Mas parece que toda esta afetividade só existe para
a primeira pessoa do singular, ou no máximo, quando se comenta alguma coisa
postada por alguém íntimo, quando se enaltece a “fofura” alheia de alguém
que sabem, também vai “encher nosso caminhão de areia”. Porque quando vão
responder a uma postagem generalizada, quando vão deixar sua colaboração,
opinativa ou não sobre algum fato, artigo publicado, quando o pronome pessoal
vai de “EU” para “ELE, ELA ou ELES” a coisa muda de figura. Quase tão
radicalmente quanto é absurda tanta felicidade plástica.
Interessante acompanhar comentários nos artigos. Observe. Vá lá. Faça seu
exercício. Teste sua paciência... Pode ser qualquer assunto. Pare em um artigo
sobre futebol. Ou sobre religião. Pode ser economia, política, celebridades, talvez
algo sobre escolas, o ebola, crianças para adoção. Vamos, me ajude a escolher
um tema. Cinema? Séries de tv. Música, compositores, jardins, a Bienal do
Livro, o novo carro da Ford, você escolhe. Tanto faz. A geração Eu está pronta
a ignorar ou detonar. Perceba. Ou você encontra uma série de “likes”,
“curtidas” e “coraçõezinhos”,
acompanhados ou não de “OMG!”, “Adoro!”, “Né?”, “Concordo”, “Lindoooo” e outras expressões tão monossilábicas quanto
inférteis à uma saudável discussão ou a detonação é livre e irrestrita e, em
geral, sem qualquer reflexão. Querem que a moça se dane porque certamente é
puta, o artista lindo tá na cara que é gay, o ebola devia vir para o Brasil e matar todos os políticos, todos os
torcedores de tal time são racistas, todos os compositores de bossa nova são
comunistas, disseminam o ódio a judeus,
islâmicos, negros, brancos, amarelos, loiras, gordos, baixinhos, funkeiros,
pobres, ricos, conservadores, liberais, corinthianos , palmeirenses, santistas
e são-paulinos, ou seja, sobra para todo mundo.
À geração EU resta mesmo é achincalhar. Funciona assim, se não diz respeito a mim, não
me interessa ou não é bom suficiente para que eu pare dois minutos antes de
descarregar toda a raiva do mundo para avaliar se isto é mesmo necessário.
A geração Selfie ( vamos afinal acompanhá-los e
sermos chiques, “Divas” talvez....) não tem tempo para nada. Está sempre
atrapalhada, correndo e cansada, provavelmente de tanto ter visto os pais se
matarem de trabalhar para que hoje eles fizessem parte de tal geração
fundamental à existência da humanidade. Eles estão sempre exaustos e nunca é justo não
terem tempo ou disposição, pois afinal há tantos vídeos de zoação com cãezinhos
e manés caindo de um barranco que eles nunca vão podem curtir. Também é uma
crueldade da natureza não ter internet à disposição no trabalho porque ele vai
ser o último a saber, ao final da noite, quem afinal foi o finalista do BBB ou
o assassino da novela das oito ( aliás das nove, que por sinal, passa às dez horas).
Tenho mesmo é que me apiedar de uma geração que vive
achando seu chefe um “mala” porque cobra serviço pronto o tempo todo, seu
professor um troglodita porque exige silêncio e respeito (??) em sala de aula,
seu vizinho um chato porque vive reclamando que você ouve música alto demais,
atrapalhando a todos da rua e por fim, seu pais, que não acham normal, você,
com quatorze anos querer trazer seu namorado ( a) para dormir na sua casa, ou
melhor dizendo, na sua cama. Aliás, preciso dizer, acho incrível e as lágrimas
me escorrem pelos olhos quando leio uma jovem de treze anos dizendo que não vai
mais correr atrás do bofe da vez.....
A geração Selfie gosta de textos curtos ( motivo
pelo qual seus verdadeiros membros já deixaram este texto para trás há uns bons
cinco ou seis parágrafos atrás), pois
não dá tempo para ler tanta coisa. É muita informação e ela precisa dar conta
de tudo. Precisa ter visto o vídeo do goleiro sendo chamado de macaco, o outro
vídeo da vizinha gravando atrocidades com o cãozinho, precisam sabem quem são
as atrizes cujas fotos de nús vazaram na internet ( e provavelmente ver estas fotos). E, claro, vomitar umas bobagens
sobre política e eleições, o assunto do momento. Então, é muito injusto ele não
ter tempo para tanta atividade extra entre trabalho e estudo.
O problema desta geração é que, como tudo deve girar
em torno de si, são eles próprios que definem o quanto precisam saber sobre
outros assuntos para poder palpitar e ficar bem na fita. Neste quesito a
geração “ Só Me Importo Comigo” se esmera. Basta um amigo postar uma bobagem
sobre o candidato A,B,C ou D e ele sai compartilhando e destilando veneno.
Pessoas atentas sabem o quão fácil é você propagar uma mentira na internet. Uma
frase solta, uma foto manipulada, uma declaração “supostamente” dada, ouvida
por um amigo de um parente do fulano de tal, e em meia hora isto toma uma
proporção infundada. Mas, tanto faz, a geração EU só leu mesmo até a segunda
frase e compartilhou porque o post já tinha umas tantas cinquenta curtidas.....
Mas eu me apavoro mesmo quando leio um jovem desta
geração postando a favor da ditadura. Pessoinhas que sequer tinham nascido
quando esta barbaridade se abateu sobre este país. Quando leio coisas como: “-
...Os militar tem mesmo é que entrar quebrando tudo” (sic) ou “ Só a ditadura
para dar jeito nesta porra....” (sic) – ( comentários extraídos do facebook)
fico sem palavras para expressar minha indignação. A mocinha posta isto e três
posts depois bota lá uma “selfie” de banheiro, fazendo biquinho, o rapaz faz a
postagem e não demoro a ver um vídeo “gentil” do Danilo Gentilli, só falando
coisas “gentis”..... OMG!!!!!!! ( o que é, também sei falar(???) como eles.....).
A geração EU está retratada em uma propaganda da
Vodka Smirnoff, se você não viu (Ver Aqui) não perca, lá eles traduzem em imagens
tudo o que eu tento dizer aqui. A geração EU quer mais é saber se seu SELFIE
ficou perfeito, bem na fita, e que se dane o preço do petróleo ( não fui eu
quem disse, foi o rapaz da propaganda.....).
Claro, a geração EU tem exceções, como tudo na vida.
Existem jovens desta geração que sabem que existe mais do que selfies de
banheiro e comentários do Danilo Gentilli esperando por eles. Garotos e garotas
que não se importam de ler mais do que dez parágrafos de um artigo e prezam
todo o esforço que seus pais ou responsáveis fizeram para que eles estivessem
aqui e pudessem ser parte de um futuro de responsa. Não são a maioria e nem se
farão ouvir com facilidade, mas já nos fazem crer que existe uma luz no fim do
túnel.
A geração EU reclama demais sem nunca ter lutado por
um ideal de verdade, nunca saiu às ruas para exigir liberdade, sequer conferiu a
fundo as aulas de história para saber como foi. A geração EU nunca “tirou linha”,
expressão usada por nós mais velhos para a paquera, nunca soube o que é “cortejar”
e com certeza jamais dançou juntinho, na espera de haver outro encontro, e mais
outro e um terceiro para beijar na boca. Não vai saber jamais que a espera é
melhor que o acontecido, que o desejo é maior quando as coisas são mais difíceis
do que beijar na boca umas quatro ou cinco garotas por noite. Esta geração perdeu por
entre os “amassos da vida” a sensação da conquista, a diversão do “correr atrás”....
Esta geração perdeu tanto..... E eu lamento muito
pelo que eles estão perdendo.... Lamento que ao invés de ler Machado eles
busquem o resumo da obra na internet para cumprir currículo escolar. Lamento
que eles tenham trocado a única dose de cubra libre que podiam pagar no
bailinho por nove ou dez doses de vodka que os deixarão entorpecidos e quase desmaiados
ao fim da festa, incapazes de articularem palavras entre si. Lamento que tenham
trocado as infindáveis conversas entre amigos na caminhada rumo à escola pelo
ônibus, não sem estarem devidamente munidos de fones de ouvido, que os isolam
do mundo real, e talvez de conhecer alguém interessante no meio do caminho (
conheci tanta gente amiga assim....).
Lamento que seja tão importante para todos o corpo e
seu ideal inatingível, só permitido aos que a genética favorece ou aos que
podem dar-se ao luxo de usufruir das benesses da academia, do spa, da
alimentação correta e às vezes cara, dos absurdos impostos pelas revistas da
editora Abril, das moças que acham que são inaceitáveis se tiverem quilinhos a
mais.....
A geração Eu cuida mais do corpo do que da alma.
Mais da estética do que do espírito. Mais da quantidade de likes do que da
amizade sincera. Esta geração, do qual me orgulho em dizer que meu filho e boa
parte de seus amigos são exceção, esmera-se em ter opinião sobre tudo sem
conhecer nada. Arrisco-me, mesmo sabendo que ofenderei a muita gente, a dizer
que é vazia e sem propósito ( não esqueçam, não é uma generalização, há exceções).
Não sou ninguém para dar lição de moral ou tentar
mudar o rumo da humanidade. Mas, se alguns jovens da geração EU chegaram até
aqui ( e meu coração me diz que alguns poucos chegaram) talvez haja esperança.
Mesmo que poucos, se houverem alguns dispostos a refletir tudo o que foi dito,
talvez a próxima geração venha diferente. Talvez as coisas não sejam mais tão
fáceis e estes meninos não reclamem por ser o mundo todo injusto com eles. Talvez
eles entendam que seus pais cansaram de andar de ônibus para lá e para cá e não
morreram por isto. Talvez eles vejam que seus pais não tinham tempo para tudo o
que queriam e por isto passaram a selecionar aquilo que mais valia a pena. Que
lutaram e muito para ter hoje a liberdade que permite a seus filhos postar
qualquer porcaria na internet sem ter a polícia na porta de sua casa.....
Eu sei, sou uma velha senhora que sonha, e sonha
demais... Mas quem sabe por tudo isto, de alguma forma eu possa morrer, não sem
antes conhecer a geração EU que virou a geração NÓS, porque seus pais leram um
dia estas poucas linhas......
Em tempo: É provável que você conheça alguém que não é desta geração, mas que foi contaminado por ela, vociferando impropérios e culpando tudo e todos por suas próprias frustrações. Não se assuste: a geração EU sempre existiu, mas nunca com tanta força e propriedade como agora. Sempre há um babaca por aí achando que é só no seu quintal que os ratos brincam....
Graças a Deus, não consigo pensar em ninguém de meu convívio que se encaixe na descrição... Sei que existem aos montes e vez ou outra pessoas da geração NÓS também soltam suas "pérolas" no melhor estilo EU, mas, agradeço a Deus mais uma vez, por isto não ser regra no meu convívio, mas sim, exceção.
ResponderExcluirBeijo!
Texto perfeito. Esses dias no trabalho estávamos conversando sobre o ar condicionado e eu soltei a célebre frase de Shakespeare: Há algo de podre no reino da Dinamarca. Todas as pessoas do depto se entreolharam e me perguntaram se eu estava louca, pq estava falando de Dinamarca qd estávamos conversando sobre o ar condicionado e de onde eu tinha tirado isto. Pois é, este é o mundo em que as pessoas não leem, não se interessam por cultura e vivem imersas em seus mundinhos. Ainda bem que, como vc disse, existem exceções.
ResponderExcluir