( E O Que É
Certo Afinal?..)
Com
tanta polêmica em torno do corpo de um homem nu em um museu, a única pergunta
que não me abandonou estes dias foi: estamos nos indignando pelos motivos
certos?
Um
corpo nu deveria ser apenas um corpo nu. E é isto o que deveríamos ensinar a
nossas crianças. Um corpo nu é aquilo que somos quando nascemos e é aquilo que
servirá de adubo para a natureza quando partirmos. Apenas um corpo. Não
deveríamos demonizar a nudez e menos ainda o sexo. Quando tratamos o assunto
como um tabu a criança sente e o passa a tratar como tal. Claro que é difícil agir
com naturalidade em uma sociedade pouco acostumada com aquilo que deveria ser
óbvio, mas não é impossível.
Seja
pela religião, seja por motivos antropológicos, temos que entender que somos
nós, adultos, que vendemos para a criança este rótulo de proibido, de errado,
de demonizado que há na nudez, no toque, no sexo. Do meu ponto de vista, mais
importante do que condenar a nudez ou o sexo é mostrar a importância do
respeito ao corpo do outro, do entender o não, seja para o seu corpo ou para o corpo
alheio. Respeito é mais importante que vergonha. Respeito é mais importante que
pecado. Respeito é mais importante que qualquer outra palavra que a criança
precise conhecer no que diz respeito a corpo e a sexo. Entendendo isto, fica
mais fácil fazê-la entender que ninguém pode tocá-la, por exemplo.
E
aí, volto a me perguntar, porque tanto barulho por um corpo nú, se não vejo
ninguém escrevendo longos textos lamentando a miséria em que vivem tantas
crianças neste nosso país, crianças vendendo balas nos semáforos, cujo dinheiro
vai para pais se entupindo de drogas, crianças vendendo seus corpos nas paradas
nas estradas em troca de comida, crianças perdendo uma infância enquanto batem
carteiras ou pedem esmolas nas praças, ou pior, ficam secando a gente enquanto
devoramos nossos lanches enormes e cheios de molhos e queijos, salivando e
desejando que sobre ao menos uma remela que ele possa lamber do papel da embalagem
jogada fora.... que país cruel este em que vivemos..
Há
um menino assim aqui perto de casa. Um menino remelento, com cara de poucos
amigos, oito ou nove anos, pasmem, ele não tem certeza da própria idade. Vive
sentado na porta da padaria que freqüento, de tudo faz um pouco, lava para
brisa, oferece doces, carrega carrinho de compras... Não tem uma cara muito
simpática. Nem deveria ter. Seu nome é Pedro. Mas, segundo ele, todos o
conhecem por Pedroca. Pedroca nunca foi à escola. É o quarto de sete irmãos. Seu pai está preso
e sua mãe trabalha lavando roupa, mas ele não sabe aonde fica, só que é lá
pelos lados do morro do morro São Benedito. Mora em Jesus de Nazareth. A
primeira vez que me pediu uma esmola eu lhe disse que nunca dava dinheiro, só
comida. Ele me disse que tinha fome e eu lhe trouxe um lanche. Fiquei de longe
observando para ver se ele não iria jogar fora, como alguns fazem, porque só
querem dinheiro. Para minha surpresa ele comeu um pedaço e guardou o resto.
No
dia seguinte, perguntei se ele estava com muita fome e ele me disse que sim,
mas novamente ele comeu, observei de longe, apenas parte do que comprei para
ele. Na terceira vez, perguntei a ele porque ele não comia o lanche inteiro.
Ele ficou bravo, disse que eu estava vigiando ele e que não precisava comprar
nada se não quisesse. Eu esperei ele se acalmar e perguntei porque ele estava
tão bravo. Ele custou a responder. Na primeira vez que perguntei não me disse
nada. Levou uns dois dias para ganhar sua confiança. Infelizmente, não era todo
dia que eu podia ir encontrá-lo também. Depois de alguns dias, ele me disse que
levava o que sobrava para os irmãos que eram menores do que ele.
Depois
disto, passei a comprar sempre que o encontro, pão, queijo e leite para cinco
pessoas. Claro que é uma despesa que não posso arcar sempre. Mas sinto pena. Empatia.
Lembram o que significa? A gente se colocar no lugar do outro? Ver uma criança
sentir fome, se preocupar com o irmão?
Pois
é. Não sei se a mãe é honesta, se trabalha de fato ou engana o Pedroca. São
coisas que não consigo avaliar. Mas, o que dá para avaliar é aquela criança que
deveria estar na escola, com um enorme sorriso no rosto, bem alimentado,
vivendo uma infância de direito e jamais pedindo esmola e comendo metade do
lanche ganho para guardar o resto para os irmãos... Ele não devia estar desejando os restos da
embalagem do meu lanche....
É
isto o que me deixa indignada. A fome me deixa indignada. A miséria me deixa
indignada. A desigualdade me perturba. Não venham me dizer que deveria estar
dividindo minha casa com mais vinte pessoas, que não devia estar usando um
celular moderno..... Isto não tem a ver com ideologias, com socialismo, com
comunismo, com ismo nenhum. Tem a ver com empatia. Tem a ver com lamentar a
infelicidade de quem não teve as mesmas chances, as mesmas oportunidades. Tem a
ver com se indignar pelos motivos certos...
Eu
fico indignada todos os dias pelos motivos que acho certos. Pela desigualdade
de oportunidades, pela fome, pelo racismo, pelo machismo, pela luta de classes,
pela necessidade absurda de algumas vozes terem que berrar para se fazer ouvir.
Eu fico indignada pela falta de respeito, pela falta de consideração, pela
mulher que apanha calada, pela criança que é explorada, pelo dinheiro publico
jogado ralo abaixo. Isto me deixa indignada. Uma criança tocando um homem nú
não me preocupa se ela estiver bem orientada. Eu poderia ser esta mãe. Tranquilamente.
Não fui. Mas, poderia.
Eu
sei que choca ler e surpreende quem pouco me conhece. Mas, quem me conhece bem
sabe que vergonha eu tenho da fome da humanidade, da ignorância a que ela é
submetida, da hipocrisia que a sustenta. Pior que uma criança exposta a um
corpo nu é uma criança cujo pai espera ela dormir para satisfazer seus desejos
nos sites online cheios de pornografia infantil. Para isto não há perdão!
Não me choca nem um pouco e concordo sim com você. Aliás, estava falando exatamente sobre isso hoje, por qual razão as pessoas estão tão preocupadas com essa questão? Um trabalho artístico, em local fechado, informando o conteúdo no qual uma mãe resolveu participar junto com a sua filha, não consigo enxergar o problema. A não ser que toda essa questão é na verdade puramente política e que existe uma grande parte da população que infelizmente se deixa usar por movimentos que se intitulam livres de partidos e tal, mas os quais eu não vejo defendendo causas realmente importantes como essas que você citou, a prostituição infantil é uma realidade tão mais preocupante e injusta e absurda, por fim aquela menina que tocou no homem poderia ter ido pra casa e pronto, porém, essas pessoas que gritaram em prol da moralidade fizeram exatamente o que elas condenaram, expuseram aquela criança, enfim, parabéns mais uma vez pelo texto e mesmo que não concordasse leria com o maior prazer, porque eu realmente acredito que crescemos na diversidade e é muito bom ter a cabeça aberta e poder conscientemente mudar de ideia se for o caso. Beijos
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