sexta-feira, 10 de novembro de 2017

DE VOLTA ÀS RUAS




Há muito tempo eu não ia a uma passeata. A última foi na época da saída do Collor. Não saí às ruas para pedir a saída da Dilma porque por intuição ou experiência eu tinha certeza que a alternativa seria pior. Nem fui aos últimos protestos contra a corrupção, pois sem objetivos claros e definidos, os apelos misturavam-se a intervenção militar e conservadorismo e longe de mim querer apoiar qualquer uma destas opções.

Hoje eu voltei às ruas. Um amigo em um grupo me chamou e eu não pensei duas vezes. Meu marido me perguntou por que eu estava indo, já que era prevista uma adesão bem pequena. Na hora eu apenas disse que era o que eu queria fazer e como ele não quis me acompanhar, fui sozinha.

Fui meio sem jeito, meio sem rumo, durante o caminho todo querendo responder a pergunta que meu marido havia me feito. E mesmo ao chegar, ainda não sabia bem a resposta. Havia de fato pouca gente. Esperava muito mais estudantes, visto que estávamos em frente à Universidade Federal.

Juntei-me ao meu amigo, fomos conversando e fui observando tudo ao meu redor. Haviam muitas pessoas já não tão jovens. Haviam muitas  mulheres. Sozinhas ou em grupo. Havia um avô com dois netos que esperava pela passeata na esquina do FINDES com uma bandeira de Fora Temer na mão. Havia um casal de namorados que se juntou a nós no meio do caminho. Eu prestava a atenção ao que um dos homem dizia do alto do carro, mas não conseguia deixar de observar também a mulher ao meu lado, trinta e sete, trinta e oito anos, calça jeans, uma blusa branca, agarrada à bolsa meio grande demais para um lugar daqueles, ela  dava a impressão de ter saído do trabalho e ido direto para lá.

Quando passamos por alguns edifícios as pessoas saíram nas sacadas e acenderam e apagaram as luzes como se isso fosse um sinal de apoio. Foram aplaudidas por quem estava na rua.

Haviam muitos gritos de protesto, palavras de ordem, discursos, mas eu queria mesmo chorar. Tive que segurar as lágrimas mais de uma vez para não parecer uma idiota tendo que explicar para todos o que estava sentindo. Porque eu estava triste. Triste por ver aonde o país que a geração dos meus pais e a minha lutaram tanto para ser livre chegara. Triste por ver tantas conquistas jogadas no lixo. Triste por ver uma democracia tão recente fracassar. Triste por perceber que as pessoas estão perdendo a esperança em um país que poderia se tornar um exemplo em educação, em saúde, em segurança, em ciência, em desenvolvimento, em políticas sociais, em tantas outras coisas e está se tornando apenas o melhor em corrupção e no favorecimento de poucos em detrimento do sofrimento de muitos. Triste porque as pessoas não percebem que isto já não tem a ver com partidos políticos, com esquerda ou direita, tem a ver com não acabar com o que sobrou do nosso país.

Mas, caminhar me fez bem. Ver aquele avô com seus netos me fez bem. Ver aquelas pessoas pedindo para terem seus direitos garantidos me fez bem. Tinha uma senhorinha de uns setenta anos andando com certa dificuldade. Várias vezes ela sentou-se.Duas moças a ajudavam o tempo todo. Meu amigo me disse que ela ajuda outras pessoas sem moradia há cinqüenta anos. Cinqüenta  anos. Ouvi algumas histórias ali. Quando resolvi vir embora, pouco antes de terminar, porque já estava tarde da noite  e eu estava sozinha e tinha longa caminhada de volta pela frente, me despedi do meu amigo e, antes de ir embora, fui me despedir daquela mulher que durante toda a caminhada esteve ao meu lado, segurando a bolsa com força. Perguntei a ela como ela iria embora e ela me disse que voltaria de ônibus. Estava dizendo até logo, quando resolvi perguntar a ela porque ela tinha ido ate lá. No meio de todo aquele falatório de tantas pessoas, eu ouvi três palavras que não vou esquecer tão cedo: “ - Eu Apenas Precisava”. Ela sorriu e eu agradeci.

Voltei para casa mais leve. Talvez as passeatas que ainda virão não passem apenas de passeatas de trezentos ou quinhentos  sonhadores,um tanto em cada canto do país, pessoas que acham que podem desejar um Brasil melhor. Talvez mais pessoas passem a acreditar nisto e venham para a rua também. E talvez então, um dia deixará de ser sonho, e os dias voltarão a ser felizes.  Os tempos estão difíceis, mas se desistirmos, eles vencem.

Seja como for, agora já tenho a resposta que não soube dar a mim mesma quando saí de casa:


             Hoje eu voltei às ruas apenas porque é preciso!