sexta-feira, 12 de outubro de 2012

FIC - DECISÕES - CAPÍTULO 8 ( FINAL)




“Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!”

Fernando Pessoa




Ela sabia exatamente quais palavras ele iria proferir, eram quase as mesmas palavras que a atormentavam sempre que voltava ao passado em suas lembranças. Mas quando elas bateram em seus ouvidos, ditas num tom baixo, em um misto de perplexidade e decepção, soaram doloridas como a marca que carregava agora em seu corpo. Como dizer ao homem ao seu lado que ela provavelmente não era a mulher dos seus sonhos? Eles eram tão diferentes. Para ele tudo era preto ou branco. Para ela, na maioria das decisões de sua vida, tudo havia sido cinza. E para ser justa consigo mesma nem ela gostava muito, às vezes, da mulher que havia se tornado.




Ela sentou-se ao lado dele na cama, o lençol já não lhe cobria os seios, mas ela não se importou. Ele fez menção de repetir o mesmo movimento, mas ela o conteve com a mão firme sobre o seu peito, mantendo-o deitado. Arrastou seus dedos preguiçosa e pensativamente sobre cada cicatriz na tez morena, caminhando sobre elas caprichosamente, sentindo cada falha na pele, como se desejasse que elas lhe trouxessem coragem e inspiração. Levara tantos anos para consumar seus anseios e, agora, tudo chegara rápido demais. Preparara-se para o prazer que desejara ter e não para a amarga experiência de escancarar suas opções na vida, imaginara-se nua sob o corpo dele, mas não previra ter que desnudar também sua alma naquele primeiro encontro.

- Eu só me apaixonei uma vez em minha vida e não foi por ele, Aaron. – Ela respirou fundo e buscou forças para continuar. Sabia que aquilo era muito pouco a dizer para o homem que estava deitado ao seu lado. Ele tinha o direito de saber toda a verdade. Aos poucos, deixou suas mãos escorregarem para fora do corpo dele e as repousou sobre o lençol que lhe cobria as pernas.

– Mas...é bom se sentir amada. E, acredite, Ian me amava. Muito. Sempre tive dificuldade para lidar com sentimentos e ser amada nunca foi uma prioridade em minha vida. Ser aceita, sim. Começou muito cedo, quando eu não conseguia me encaixar em lugar nenhum, quando fazia qualquer coisa para contrariar uma mãe dominadora e um pai omisso, quando não vivia tempo suficiente em um mesmo lugar para criar laços, sequer amigos. Creia-me, estas pessoas que eu não consigo encarar e que choraram minha morte, são as mesmas que, pela primeira vez em vida minha vida, me fizeram sentir ser parte de alguma coisa. Eu nunca tive muito a perder. Eu era a pessoa certa para aquele trabalho. Trabalhar infiltrado nunca é simples, mas é menos pior se você não tiver alguém que te ama esperando você voltar um dia, são e salvo. Eu não tinha.



Sem laços, apenas colegas de trabalho para quem um bom dia e um boa noite era mais do que o suficiente, um sem número de pessoas de quem me recordava apenas em datas festivas e uma família tão preocupada com seus próprios problemas que apenas desistiu de discutir comigo minhas escolhas na vida. Nada a perder, Aaron. A ganhar, apenas a satisfação de saber que seria um trabalho difícil, mas que eu era competente o suficiente para realizá-lo de forma eficaz. Para mim soava como um desafio profissional e eu tinha as minhas ambições.

Ele a ouvia com tanta atenção que sequer reagia aos toques suaves da mão dela de novo passeando por seu corpo. Bebia cada palavra, como um remédio amargo necessário para a cura de suas dores. Queria crer que, fosse qual fosse a resposta, tal qual um antídoto, tudo se resolveria, tudo seria passado. Mas doía ouvi-la dizer que nunca tinha sido importante para ninguém.

- Então veio o Ian. Meu suposto envolvimento com ele era previsível e necessário para que pudesse criar confiança e todo o seu esquema fosse exposto e ele, por fim, preso. - Ele não se movia, então, recolheu suas mãos novamente. Ela desviou lentamente o olhar para a janela ao seu lado, por onde entravam as luzes que a noite abrigava. - Mas eu não esperava que justamente alguém como ele pudesse me dar tanta atenção, tanto carinho. Ele realmente se importava comigo. Do jeito dele, ele me amava. Ele queria que eu fosse a mãe de Declan. Ele teria me dado o mundo, se eu tivesse pedido. E eu gostava disto. Da sensação de...



Parou, horrorizada com o que estava prestes a dizer a ele. Pela segunda vez no mesmo dia ela desejou enfiar-se em um enorme buraco porque, novamente, ele não dizia nada. Sequer parecia respirar. Ela olhou para ele. Era impossível descrever o rosto sério que a fitava. Não que ela esperasse dele complacência ou compreensão imediata, mas de certa forma, embora em um quarto de hotel, embora despido, ele agora se parecia muito mais com o chefe do Departamento, com o qual ela estava acostumada a conviver diariamente.

- ... é horrível, eu sei. Eu sempre soube exatamente quem era Ian Doyle, todas as pessoas que matara, todas as que mandara matar. Sempre soube de toda a sua crueldade, dos seus crimes, sempre repudiei seus atos. E sempre tive certeza de que por mais que me amasse, não teria piedade de mim ao vingar-se, se por mim fosse traído. E, nunca, Aaron, NUNCA me esqueci que estava em uma missão. Em nem um momento me passou pela cabeça que as coisas pudessem ter um desfecho diferente. Eu sei o que parece, eu te disse uma vez, eu sempre tive um radar para caras ruins...Mas eu sei também....

- Você..... o amava?

Ele repetiu a pergunta quase como se tudo o que fôra dito não tivesse tido muita importância. Não que ele não tivesse absorvido toda a informação. Não que ele não tivesse compreendido seus motivos, nem que ele quisesse ser um canalha perfeito, tirando a fórceps, da mulher com quem fizera amor hora antes, uma informação tão íntima e pessoal. Mas não podia evitar. Certo ou errado. Sua régua moral não conhecia os números de um à nove em uma escala de zero à dez. Era zero... ou dez... às vezes doze.... Mas este era ele, e ele precisava saber... Ela ainda olhava de canto pela janela, mas ele podia ver, refletidas em prata, as lágrimas silenciosas que escorriam pelo rosto triste dela.



Ao contrário dele, que aprisionava todas as suas emoções, ela vertia toda uma gama de sentimentos em seu semblante. Ele queria abraçá-la, mas não conseguia se mover. Tentava entender como um homem como aquele pudera fazê-la sentir-se....tão bem. Ele e Doyle eram como água e vinho, diametralmente opostos. E precisava ter certeza de que ela não iria chorar a morte dele quando chegasse a hora. Parecia cruel, mas deixara de crer que a vida era apenas um amor e uma cabana há muitos anos atrás. Cedo ou tarde, o destino apresentava sua fatura e precisava estar certo de que estava disposto a pagar por ela.

Ela olhou para ele. Cinza. Toda a sua vida fôra pautada em cinza. Nem sempre preto, nem sempre branco. Cinza. Mas ela podia entendê-lo. Afinal, fôra por este homem que se apaixonara, há tantos anos atrás, quando do topo das escadas da entrada principal da casa da família, ela o avistara. O mesmo homem que respeitara a brilhante aliança que envergava e que, solenemente, ignorara seus apelos para ser observada. Qualquer outro homem teria cedido. Não ele. Ele sempre fôra o mesmo. Sempre fiel à suas convicções. Não a surpreendia hesitar em aceitar o cinza. Ele precisava de um sim ou de um não.

Com os olhos cheios d’água, ela buscou os olhos dele e perguntou-se brevemente em que momento insano de sua miserável vida achara que pudesse merecer o amor e o respeito de um homem como Aaron Hotchner. Embora ele estivesse a apenas a um toque dos seus dedos, ela sentiu um imenso abismo entre eles. Haveria como ser diferente? Ele sempre seria o homem que nada punha a perder, ela sempre seria a mulher disposta a tudo arriscar. Mas, afinal ele estava ali. Ele a havia procurado. Ela insistiu em buscar seus olhos perdidos e, de alguma forma, ele entendeu e atendeu a seu apelo e buscou pelos olhos dela também. E, em um silêncio ensurdecedor, ambos se agarraram, como em tábuas de salvação, à chance de serem felizes a despeito do passado, a despeito de serem tão diferentes.



Por alguns momentos, eles refizeram seus passos, viveram suas dores, aceitaram seus destinos.

Ela precisava responder. E ele precisava acreditar.

- Não, Aaron, eu não o amava. Nunca o amei. Mas estaria mentindo se lhe dissesse que não cruzei a linha, que não desfrutei de seus carinhos, de sua companhia, do cuidado que tinha comigo. Eu nunca esqueci que estava trabalhando. Nunca esqueci que ele seria preso. Ou morto. O que não quer dizer que eu não tenha desfrutado. Que não tenha misturado negócios com prazer...Eu vou entender se você não puder aceitar isto... ou se você me julgar insensata....

Não podia julgá-la. Não devia. Não faria. Ele ergueu seu corpo na cama. Sentou-se de frente para ela, o travesseiro em seu colo caiu, mas ele manteve seus olhos nos olhos dela. Tomou-lhe as mãos dela entre as suas. Sua voz era baixa, calma, mas determinada.

- Você sabe que vou encontrá-lo. Você sabe o que irá acontecer.... Você poderá lidar com isto?

- Eu sei que só estarei em total segurança quando ele morrer, mas você não tem que fazer isto....

- Eu vou fazer o que for preciso! Tenha certeza, eu vou encontrá-lo! Eu vou... - Ele queria dizer as palavras, mas elas pareciam fortes demais para o momento. Tentou conter-se. Ele deveria encontrá-lo porque a volta dela dependia disto e não porque odiava o fato de que um dia ele a tinha tocado, ele havia lhe dado prazer. Ciúmes. Não era um sentimento com o qual ele estava particularmente familiarizado. Não sentiu-se assim nem quando suspeitou de que Haley o traía. Seu relacionamento com Haley, passados os anos, era cheio de culpa, sentimento do qual ela fazia questão de lembrar-lhe em tempo integral e nada tinha a ver com o que sentia por Emily. Tentou manter-se focado nela.

- Você ... - Ele tentou refazer as palavras dela, sem muito sucesso. – Você não o amava. Eu posso entender... - Resmungou em um tom baixo, quase inaudível - Mas você disse que se apaixonou...



- Uma única vez em minha vida. – Ela passou a mão pelo rosto recolhendo com determinação as lágrimas que escorriam. A sinceridade estampada em seu semblante. – Em uma tarde de terça feira, na primavera, você vestia um terno cinza escuro risca de giz e uma gravata vermelha e branca. Eu estava empoleirada na varanda da casa, em férias e você só fazia dar ordens aos outros sete ou oito homens que o acompanhavam. Minha mãe sequer deu-se ao trabalho de nos apresentar. Você passou por mim e me cumprimentou educadamente, perguntou meu nome e se desculpou pelo barulho inconveniente que sua equipe estava provocando. E seguiu com seu trabalho. Você era o homem mais bonito que eu já havia conhecido. Sua voz cheia de determinação e sua postura cheia de responsabilidade me fizeram desejar você, ali mesmo, mas você me ignorou solenemente. Observei você trabalhando por horas a fio. As câmeras, as guaritas, as orientações de segurança, os alarmes..... Te devorei com meus olhos. Mas você se comportou como um cavalheiro. Ali me apaixonei por você. Ali tive a certeza de que jamais te esqueceria. Mesmo que nunca mais o visse. Você nem deve se lembrar, mas...

Ele sentiu-se quente, excitado, porque não dizer, mais seguro de si. Ela havia realmente prestado a atenção nele. E era bom, de repente, deixarem de falar de Doyle para falarem deles próprios.

- Eu me lembro de tudo. Eu lembro de ter passado a noite em claro, lembro de não entender porque alguém com quem eu tinha trocado meia dúzia de palavras me tirava o sono e me fazia sentir mal, deitado ao lado da minha esposa. Eu me lembro de tudo. Mas eu não poderia.....

- Eu sei, você era casado e amava sua esposa. Isto só me fez admirar você ainda mais. O que não me impediu de passar muito tempo sonhando com você....

- Sonhos decentes? - Ele lhe deu um sorriso acanhado.

- Alguns.... Outros nem tanto....

- Me fale destes não tão decentes.....

Ele serpenteou suas mãos em torno da cintura dela e a puxou para cima de si, visivelmente mais relaxado.



- Ah!.... você não quer saber dos meus sonhos profanos com você...

- Deus, você tinha sonhos profanos comigo? Não sei se posso lidar com isto. – Ele a puxou para mais perto, seus lábios quase se tocando. – Emily, isto está além de uma noite.... Eu não ....

- Não precisa me dizer. Eu sei. Você não é homem de uma noite.

- Uau, isso soou péssimo! Me sinto como uma colegial...

- Vai soar melhor se eu lhe disser que eu também não sou mulher de uma noite?

- Ajuda. – Ele sorriu timidamente para ela, mas as covinhas que ela tanto amava
estavam lá. – Eu não posso imaginar o que você passou.... você não merecia isto...Deus, eu te amo tanto! - Ele a beijou apaixonadamente. E em um instante, em um suave virar de corpos, ele já estava sobre ela.

- Eu tenho que te dizer que ter um caso comigo não será tão emocionante quanto....

- Não ouse terminar esta frase agente Hotchner! Você não imagina como isto pode ser perigoso!

- Bem, eu não sou exatamente um cara cheio de emoções, embora um final de semana com Jack possa ser bastante desafiador! Você não sabe o que é estar na cama em um domingo às seis e meia da manhã e tê-lo pulando em volta de você pedindo para levá-lo ao zoológico, ao McDonald’s e por fim, assistir pela centésima nona vez Procurando Nemo....

- Não me importa o quanto você possa querer me assustar, Aaron. Domingos bem cedo no zoológico me parecem perfeitos....Adoro um Big Mac e Nemo e Dory me fazem voltar a ser criança. Então, talvez, um dia....

Ele a beijou novamente. Envolveu suas mãos nos cabelos escuros da mulher que amava e tentou acreditar na verdade que todas aquelas promessas representavam. Certamente as coisas não seriam tão fáceis como ele fazia por hora parecer.



Haveria uma longa caminhada até que eles pudessem estar juntos novamente. Haveria Doyle. Haveria a equipe. Haveria Strauss. Haveria de se justificar um funeral de alguém que nunca havia morrido. Haveria de responder por suas atitudes, por suas decisões. Tantas coisas que ele queria simplesmente nunca mais ter que sair de cima dela, de dentro dela. Afundar-se no calor do seu corpo era a única coisa real, todo o resto era mera suposição.

Quando ele a penetrou pela segunda vez, ela só queria acreditar que havia sido o suficiente, que ele a havia compreendido. Que, com o tempo, eles poderiam superar todas aquelas coisas. Ela queria crer que teria uma segunda chance de ser feliz e que não teria magoado ainda mais o homem que amava.

Fizeram amor tão intensamente, como se tivessem sempre pertencido um ao outro. Aquele momento mágico em que todos os problemas, as diferenças, as crenças e decisões ficam trancados em um compartimento, enterrado a sete palmos, longe de tudo o que não fosse a perfeição. O instante transcendental onde ao se chegar ao clímax, têm-se a certeza de ser ter conhecido o paraíso. Quando suas respirações já não eram tão intensas, quando seus corpos se tornaram preguiçosos, ela deitou-se sobre o seu peito dele e, já meio sonolenta, lhe disse, em tom de brincadeira:

- Minha boa amiga JJ me disse que Elizabeth Prentiss o chamou de idiota...

- Em alto e bom som....

- Teria adorado ver isto! Você lhe disse?

- Não precisei. Foi um momento difícil, mas acho que ela compreendeu. Acho que todas as mães sentem estas coisas...

- Talvez. Ainda bem que ela não lhe criou maiores problemas. Quando tudo acabar, talvez eu possa lhe contar que eu sempre fui apaixonada pelo homem que ela chamou de idiota. Gostaria de poder ver a cara dela...



- E dizer a ela o quê? Que ela tinha razão? Ela vai dizer que você perdeu de vez o juízo... – Ele correu do rosto dela um cacho de cabelos desalinhados para trás, e lhe aconchegou nos braços. E adorou ouvir a risada entre bocejos que ela lhe dera. – Durma um pouco, Emily, durma. Tente descansar.

- Quando você tem que voltar?

- Em algumas horas....

- Por que eu acho que você não vai estar mais aqui quando eu acordar?

Ele não respondeu. Apenas ficou a lhe fazer afagos sem fim, tentando aprisionar o tempo, que lhe escorria pelos dedos, impiedoso. A última coisa que ouviu dela foi um apelo:

- Por favor, tenha cuidado! Não posso perder você! Sempre foi só você... Eu não posso te perder....

Quando ela pegou no sono, ele levantou-se e cobriu o corpo dela carinhosamente. Tomou um banho demorado, tentando refazer em seu pensamento todos os momentos daquela noite. Passar-se-iam ainda muitas outras noites antes que eles pudessem reviver tudo aquilo novamente. Ele simplesmente não queria perder todos aqueles acontecimentos de sua mente. As palavras, o calor do seu corpo, o brilho dos seus olhos, o sabor dos seus beijos. O seu primeiro nome dito quase em uma prece no momento do gozo. Havia tanto a percorrer ainda até tê-la de volta, mas ele nunca se sentira tão vivo, tão certo do que queria.

Vestiu-se e conferiu o horário da passagem. Começava a amanhecer. Caminhou até a janela. A luz da torre Eiffel, agora empalidecida pelos primeiros raios de sol, tardaria a sumir de sua mente. Toneladas de ferro fundido que foram testemunha das melhores horas de sua vida em anos....Desviou seu olhar para o corpo adormecido na cama permeada pelos tons de verde do tecido que a cobria. Ela era tão linda. Não sabia se a podia compreender completamente. Talvez fosse melhor nem tentar. Se não pudesse aceitar, talvez não a merecesse. Ele apenas precisava libertá-la. Ele tinha muito a fazer. 

Conferiu o laço da gravata corretamente disposto em torno do colarinho. Estava na hora. Abriu a pasta que trouxera e puxou para fora o bloco que sempre o acompanhava. A caneta tirou do bolso interno do paletó. Sentou-se à mesa aparadora e rabiscou umas palavras. Pensou muito antes de escrever. As duas ou três folhas que dispensou, voltou a jogar amassadas dentro da própria pasta. Em cima da mesa de cabeceira, apenas a folha definitiva, o recado que queria que ela lesse. Aproximou-se dela e beijou-lhe a fronte, suavemente, para que não acordasse. Não poderia lhe dizer adeus. Não poderia dizer-lhe nada naquele momento ou não iria embora. Já na porta, virou-se ainda mais uma vez. Como se pudesse reter para sempre a imagem da mulher que mudaria sua vida, ele podia jurar que ela estava acordada. Melhor assim. Não havia nada a dizer. Ele apenas tinha que lhe devolver a vida que ela perdera. Não havia nada a dizer. Ele apenas tinha que fazer acontecer. Como, era problema dele.....

Ela esperou que ele batesse a porta. Ela não podia dizer nada a ele, simplesmente não podia dizer adeus. Sequer podia pedir que ele lhe devolvesse a liberdade. Não havia o que dizer. Ela se fez de rogada e ele partiu. Ela levantou-se, buscou pelo papel que ele deixara e sorveu todas as palavras do curto bilhete.

“ Volto para te buscar. Tenha paciência. Se cuide. Tenha muito cuidado! Te amo!
Aaron”

Ela se perguntou o que havia feito para merecer tamanha condescendência. O homem que amara por toda a vida estava disposto a lutar por ela. Isto era ainda muito mais do que ela esperava dele e sentiu uma ponta de culpa. Ela foi até a janela. A torre ao fundo já lhe era familiar. Paris não lhe traria mais más lembranças. Ao contrário. Paris era a terra onde havia sido feliz plenamente por uma noite. Onde havia amado mais que durante toda a sua existência. Onde havia sido possuída pelo único homem por quem valera a pena esperar.

Ele pedira paciência. Ela teria. De fato, a única coisa que a podia manter lúcida agora, era o que sentia por ele. Envolvera-se com alguns tipos bastante ruins. Fôra amada por Doyle, mas queria terminar seus dias amando e sendo amada pelo único homem que teve real importância em sua vida. Mas, temia por sua segurança. Não podia permitir que ele fizesse aquilo sozinho.

Depois de um bom banho e de arrumar-se, Emily deixou o apartamento de número 6 do Hotel Rive Gauche. Deixou o local, mas levou consigo as lembranças da melhor noite de sua vida. Ela não sabia quanto tempo seria até que pudesse ser Emily novamente. Ela não sabia sequer se teria um dia sua vida de volta. Sabia ao certo apenas, que haveria de dormir muitas noites, embalada pelas palavras, cuidadosamente escritas em um papel pelo homem por quem daria sua vida. Sabia agora que havia um motivo a mais para ir atrás de seu algoz. Precisava pensar. Mas sabia que para ter sua vida de volta, deveria estar disposta a enfrentar todos os seus fantasmas. Assumiria todas as conseqüências de sua difícil decisão. E toda vez que o fardo lhe pesasse demais, lembraria destas palavras:

“ Volto para te buscar. Tenha paciência. Se cuide. Tenha muito cuidado! Te amo!
Aaron”

Ruth Messing sentiu uma lufada de ar fresco da manhã e seu corpo estremeceu. Vislumbrou o colorido das flores na calçada, atravessou a rua, sumiu no vai e vem dos pedestres que seguiam seu rumo diário e, em poucos minutos, ela era apenas mais alguém na multidão. Levava com ela o cheiro dele, o brilho dos seus olhos, o toque de sua mão e a certeza de que, como Emily ou como Ruth, nunca mais seria a mesma pessoa.

E seu dia estava só começando.....

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

FIC -- DECISÕES - CAPÍTULO 7




TIRA-ME O PÃO, SE QUISERES,
TIRA-ME O AR, MAS NÃO
ME TIRES O TEU RISO.....

NEGA-ME O PÃO, O AR
A LUZ, A PRIMAVERA,
MAS NUNCA O TEU RISO,
PORQUE, ENTÃO, EU MORRERIA....

Pablo Neruda



Antes que ele mal pudesse completar a frase e articular qualquer outra palavra, ela selou seus lábios sobre os lábios dele, com a mesma determinação com que empunhou uma metralhadora quando precisou. Por milissegundos, a ela pareceu que ele iria corresponder. Ela pôde dançar com sua língua pelo traço fino que a boca dele fechada formava e ele não recuou. Durou pouco. Ele afastou-se dela, devagar, pôs as mãos em seus ombros e tentou respirar.

Ela aguardou. Apenas uns instantes. Do alto de sua experiência em analisar pessoas, diria que ele estava confuso e apavorado. Genuinamente apavorado. Mais apavorado que ela estava.
Ele tomou as pequenas mãos dela entre as suas, respirou fundo e olhou profundamente em seus olhos.
-Talvez você queira conversar um pouco primeiro, Prentiss...
-Eu sou Emily e não comece a falar agora, apenas faça amor comigo!

Ele quase riu dela. Mas ela prosseguiu, cuspindo um monte de palavras sem conseguir parar.

- Qualquer coisa que precisemos conversar pode esperar por mais uma hora. Todo o resto pode esperar. Você pode brigar comigo, me repreender, dizer que eu estava errada, que Ian vai me matar, que a Strauss está na portaria, que eu vou ser presa, eu não me importo, não me importo!! Já tive preliminares suficientes para três encarnações. E se você não disser nada agora eu acho que vou fazer um enorme buraco no chão deste quarto e me enfiar dentro e nunca mais sair daqui, então é melhor você dizer algo e....





Ele perdeu suas mãos enormes naqueles cabelos negros e a puxou para si. E a beijou. Quente. Como se fosse ela a única mulher no mundo. Como se só ela pudesse salvá-lo. Invadiu sua boca macia e permitiu-se perder-se em todas as sensações que o gesto produzia.

Sob a fraca luz de fim de tarde que invadia a privacidade daquele quarto pela janela, ela deixou-se levar pela mão firme que já passeava por sobre o tecido fino do vestido. Há muito tempo ela sonhava com aquele toque. Era perfeito. Era forte. Viril. Eram mãos que sabiam exatamente o que buscar e a faziam sentir-se desejada.
O hálito quente dele não a deixava esquecer-se que aquilo era real. E quando eles separaram seus lábios em busca de ar ela sentiu desespero e pediu para não acordar. Não agora. Estava acontecendo. E era melhor do que tudo o que havia sonhado.

Ele enterrou seu rosto em sua nuca e pôs-se a trilhar sobre a sua pele, deixando um rastro de fogo por onde passava. Não, ela não iria acordar. Ela já estava acordada, e por inacreditável que fosse o momento, ele estava acontecendo. Ela sentiu seu corpo ceder e seus joelhos fraquejarem a cada beijo derramado em seu pescoço, em sua boca, em seu colo. Ela o sentiu brincar com sua língua em torno da pérola que adornava sua orelha. Deus, ela quis que aquele momento nunca mais se acabasse. As mãos dele tomavam seu corpo miúdo de forma possessiva, como se nunca tivessem tido outro dono, somente ele e ninguém mais.

Ela buscou acesso ao corpo firme por baixo do grosso paletó elegantemente por ele envergado. Desenhou aleatoriamente em suas costas, rabiscou carinhos com seus dedos magros e ele encolheu-se com o toque quando, lembrando-se de respirar, afastou-se ligeiramente e olhou em seus olhos.




Ela imaginou quanto tempo teria desde a última vez que ele tivesse sido tocado com tanto desejo.
Ela pensou em todas as regras que ele estava tentando quebrar, toda a sua luta interna para não deixar vencer a racionalidade e a sua dificuldade em desrespeitar todos os conceitos pré estabelecidos.

- Eu...
- Não! Se você me quer, não me pergunte sobre o amanhã, se vou me arrepender, como será quando acordarmos. Se você me quer, não faça isso com nós dois! Você não entende que nós dois merecemos isto?

Ela manteve a voz suave, lenta, quase didática.
- Eu quero isso! Não é o que você quer também? Não é por isto que você está aqui?

Ousada! Era a única palavra que a descrevia naquele momento. Ela sempre fora mais corajosa que ele. De alguma forma, ela sabia disto. Ele era o homem que se casara e fora fiel à sua primeira namorada, ela era a mulher que misturara negócios e prazer, que se divertira cumprindo uma missão, que não tivera medo de poupar seu coração. Ele era o homem que nada punha a perder, ela era a mulher que tudo arriscava. Mas, por um momento ela teve dúvidas sobre o que se passava em sua cabeça. Ele e seu indecifrável semblante, ela teria ido longe demais? Sua ousadia quase sempre a levava a lugares escuros, lugares de onde nem sempre ela podia retornar. Mas bastou um segundo e ela entendeu. Ele não movia um músculo do rosto, mas seus olhos diziam tudo. Era o olhar de quem, como ela, estava cansado de esperar, cansado de não poder experimentar um momento de felicidade plena. Era o olhar de quem só desejava naquele momento, ser feliz. Era o olhar de quem se rendia, não importavam as regras, as conseqüências ou o amanhã. Ele apenas a desejava mais que tudo. Simples assim.

Ele tomou de volta o corpo do qual havia se afastado, mas ela recuou sinuosamente. Lançou seus braços com graça em torno dele. Havia roupa demais. Ele congelou. Certamente não esperava isto. O próximo movimento foi dela.




- Me deixe tirar isto. – Ela esgueirou suas mãos por suas costas, contornando seu peito e apoiando-as sobre os ombros largos, agarrou a lapela do paletó, fazendo-o deslizar suavemente mangas abaixo. Nunca abandonou seus olhos. Toda a cobiça imaginável cabia naquele profundo lago escuro que eram os olhos do homem que amava. Resgatou o blazer antes que ele alcançasse o chão e jogou-o em uma cadeira próxima, ou, pelo menos, tentou. Ele não se movia, talvez sequer respirasse. Se não fosse exagero, diria que estava em choque. Totalmente Aaron Hotchner.

Ela prosseguiu tentando ignorar as conseqüências dos seus atos. Desatou o nó da gravata de forma um tanto divertida e puxou-a toda para fora, lentamente, preguiçosamente, acompanhando todo o centímetro percorrido por baixo do colarinho em torno do seu pescoço, fazendo um metro e quarenta de seda vermelha parecerem ser dez metros, sem ter pressa alguma. Ele permaneceu imóvel.
Foi ela quem quebrou o silêncio entre eles. Ela tentou parecer o mais natural quanto fosse possível. Na verdade, autêntica, na medida em que não estava mentindo.

- Você não sabe há quanto tempo eu sonho com isto!

- Em tirar gravatas? – Ele pareceu relaxar um pouco com o comentário, arqueou as sobrancelhas e deu um sorriso malicioso.

- Em tirar a sua gravata, Aaron! – Ela sorriu para ele e seu sorriso o derreteu. - Deus, eu te esperei por uma vida inteira! É tempo demais! Até para nós dois...
Ele abraçou-a com força e carinhosamente. Por mais que para ele fizesse muito tempo e ele desejasse saciar-se com urgência, ele queria muito fazer tudo direito. Tomou para si o corpo pequeno à sua frente, envolveu-o com seus braços, vagou por suas costas até encontrar o zíper e o deslizou, sorrateiro, todo para baixo, vagarosamente, enquanto deixava uma trilha de beijos e carinhos sem fim por todo canto de pele que encontrasse pela frente. Aquela pele alva, que pedia para ser marcada por sua boca e ele tentou não pensar no dia seguinte. Ele tentou não pensar em nada a não ser afundar-se até morrer naquele corpo quente que implorava para ser tocado. Com as mãos movendo-se por sobre seus braços, ele fez deslizar a seus pés o mar vermelho que enchia seus olhos. Prendeu a respiração com a imagem deliciosa daquele corpo de pele muito clara sob os seus dedos, sob o seu toque. Ela entendeu e permitiu que ele a admirasse. Deu a ele o tempo que ele precisava. Afinal, tempo parecia ser a única coisa menos importante agora.

Não se arrependeu. Ele a tomou nos braços e buscou a cama. Suas bocas desfrutavam de seus sabores e ele a deitou, suave, sobre a colcha impecável de algodão perolado. Ele perdeu-se nela, entre beijos e carícias, atordoado com a lingerie negra que cobria o pouco que ainda havia de proibido em seu corpo. Talvez nunca ele tivesse sido mais feliz. Ele estava sobre ela, mas ela parecia dominá-lo. E isso o fascinava.

Ela deslizou as mãos sobre ele e buscou desfazer cada botão de sua camisa de percal branca, imaculada. Os punhos, depois o resto. Ele tomou-lhe a mão quando ela desfez o terceiro botão.

- Não há nada de bonito aí....

Ela sorriu levemente.
- Minha cicatriz é mais recente e ainda dói. Você quer mesmo parar por isto?
- Touché!! – Seu sorriso foi de meio sem jeito a encantador em segundos, diante de argumento irrefutável.




Ele cedeu espaço aos poucos e ela terminou de abrir os botões da camisa. Ela alimentou seus olhares famintos sobre ele, precisava que ele soubesse o quanto era cobiçado. Havia fome em seu olhar e ele sentiu-se bem com isto.

Ele não conseguia se lembrar de quando havia sido desejado de forma tão intensa. Sequer lembrava-se de algo que não fosse o bem comportado e burocrático sexo que fazia com a única mulher que possuiu antes de Emily Prentiss. Emily era a síntese de tudo que ele nunca soubera que existia. Passados além dos quarenta anos vivídos, tudo para ele naquele momento tinha sabor de primeira vez.

A luz de fim de tarde dera lugar a um luar intenso que invadia o quarto e prateava o rosto dela de forma quase irreal e ele tomou cuidado ao penetrá-la. Deu tempo para que ela o acomodasse, para que seus corpos se ajustassem. Para que pudessem crer que aquilo estava de fato acontecendo. Ele tinha ciência de que fora muito tempo para ambos.

E eles entregaram-se à dança mais antiga e prazerosa do mundo, como se sempre tivessem dançado juntos ao som da mesma canção. O tempo parou. Não haviam palavras coerentes, apenas os sons mais primitivos, os seus nomes murmurados em êxtase e frases sem sentido quase sempre interrompidas por um gemido abafado, um emudecer que dizia muito mais que um poema inteiro.

Foi quando ele percebeu que ela tinha os olhos cerrados e uma lágrima pendia pelo canto do rosto.
- Emily! Deus, está doendo? Estou te machucando? - Ele afastou-se dela e, apavorado, lembrou-se de seu ferimento.

- Não, não! Hey, volte aqui! Você não fez nada! Só estou.....
- Feliz?
- Feliz não descreve agora o que estou sentindo!
- Tem certeza que...
- Eu tenho certeza de tudo! É só mais do que acho que mereço.....
Ele enxugou as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto. E a possuiu novamente.




- Então abra os olhos, Emily. Olhe para mim! Nos meus olhos! Eu quero que você olhe para mim! Nada que eu possa te dar está além do que você merece. Eu quero que você nunca se esqueça deste momento! Quero que você se lembre que merece ser feliz! Quero que você olhe nos meus olhos e saiba que eu estou fazendo amor com você!

Quando ela olhou para ele, seus olhos já não pareciam morrer no infinito. Pareciam penetrá-la, possuí-la, tanto quanto ele podia estar dentro dela como homem. Ela não demorou para chegar ao orgasmo mais intenso que já experimentara na vida.
Vê-la contorcendo-se e gritando por seu primeiro nome também não o ajudou a conter-se. Ele veio para ela no instante seguinte.

Com o pouco de consciência que lhe restava, tombou o corpo ao lado do dela, pois seus braços já não suportavam mais o próprio peso. Buscou ar, coisa que parecia ter se extinguido enquanto amava a mulher dos seus sonhos. Seus sonhos. Até onde se lembrava, não era dado a ter seus sonhos assim realizados. Preguiçosamente, sua mão roçou no corpo ao lado do seu na cama e ele pôde ter certeza. Era mais real que tudo o que já vivera. Pensou em dizer algo, não sabia o que dizer. Ele era péssimo nisso...

Foram longos minutos em que suas mãos tocavam levemente seus corpos, mas nada parecia ser correto dizer, de nenhuma das partes, naquele instante. Ambos tinham vivido a melhor experiência de suas vidas, mas dizer algo quebraria o encanto e eles eram dois adultos querendo viver apenas o lado bom dos contos de fadas. Como se fosse possível.

Ele tombou o rosto e vislumbrou ao seu lado o corpo coberto pela prata que o luar derramava sobre ela. Era mais belo do que tudo que já havia sonhado em toda a sua vida.

- Você está bem? Eu não te machuquei?
- Eu nunca estive tão bem em toda a minha vida. E você?
- É você mesmo, nua, ao lado do meu corpo nesta cama?

Ela riu sua risada mais deliciosa.
- Sou eu sim, sua impertinente subordinada, aquela que só te trouxe problemas....
- Não diga isso...

- Não quer dizer que não seja verdade!

Ele não respondeu. Ficou a fitar o teto, calado, com medo de se mover e dizer algo impróprio, ou quem sabe, estragar tudo....

Ela virou-se para ele, lançou seu braço sobre o corpo do homem despido ao seu lado, beijou-lhe a testa. Como haviam deitado por sobre a colcha, não havia lençol que pudesse puxar para cobrir seu corpo naquele momento. Naquelas alturas, ter pudores parecia ser meio desnecessário.
E ele continuava calado. Ela buscou em sua cabeceira o interruptor de um abajur ao seu alcance. Uma luz suave iluminou o ambiente.

- Me diga que há algum álcool em algum ponto deste quarto!
Ele pareceu sair do torpor.
- Deus, foi tão ruim assim?
- Não, foi a melhor coisa que me aconteceu, mas Aaron, você nem consegue olhar para mim....
- Não é isso.... Emily....., não é isso.....

Ele sentou-se na cama. E olhou para ela demoradamente. Direto nos seus olhos. Só então percebeu que ela estava totalmente exposta. Saiu da cama e tomou a colcha em suas mãos. Ela ergueu o corpo e ele jogou longe aquele monte de tecido, em qualquer ponto do quarto. Ela acomodou-se debaixo dos lençóis de algodão esverdeado cobrindo-se e tirando dele a visão que o cegava. Agora ele estava exposto sozinho. E no mar de roupas esparramadas pelo chão, não sabia onde havia ido parar qualquer peça sua que não fosse seu paletó ou sua gravata.

-Vinho??... - Ele abriu o frigobar e tomou a garrafa nas mãos. – Ele procurava desesperadamente o saca-rolhas...

Se ela fosse ser honesta, diria que ele parecia querer morrer com aquela situação. O inabalável chefe do departamento de analise comportamental, totalmente exposto lutando entre admitir que estava realizado ou violando as regras do departamento....E ela mal conseguia lembrar-se de quantas poucas vezes o havia visto sem a gravata...


- Eu diria que é a visão do paraíso! Você, seu corpo nú e um bom vinho..... Não tenho direito de exigir mais nada na minha vida....




Ele ainda parecia meio constrangido. Parecia muito errado estar nú, mas parecia ainda pior, parar para vestir-se naquele momento. Quando conseguiu abrir a garrafa alcançou as taças, tratou de enchê-las e ofereceu uma delas à mulher à sua frente. Virou-se, pegou a outra taça, serviu-se e, muito consciente da sua nudez, sentou-se ao lado de Emily na cama, não sem antes, jogar sobre si, um providencial travesseiro.
- Você não está sentindo dor?
- Só me dói ter magoado você...
- Você não me magoou...
- E você mente muito mal....

Eles bateram suas taças, mas nada foi dito em seguida...
Ele tomou um gole do vinho e recostou-se na cama. Procurava evitar os olhos profundos da mulher que o fazia suar frio....

Ela bebeu mais que um gole. Sorveu todo o conteúdo da taça. Ainda fitava o teto, assim como o homem com quem fizera amor minutos atrás.....

Ele só queria enterrar-se nela novamente, mas não podia ignorar que precisam conversar. 

Ela só queria sentir-se possuída novamente, mas sabia que eles precisam conversar.

Eles só não sabiam como começar.

- Eu estava falando sério...
- Como?
- Quando disse que te amo! – Ele largou a taça na cabeceira e a abraçou. – Eu tive tanto medo de perdê-la! É estranho perder algo que a gente nunca teve de verdade....
- Você está zangado....
- Não! Quer dizer, sim, eu fiquei sim, muito zangado, como você pôde me esconder tudo isto? Eu entendo que você quisesse poupar a equipe, mas podia ter me contado....
- Sinto muito ter te posto nesta situação....Eu não tinha o direito de envolver você nisto. Como eles estão?
- É difícil cruzar todos os dias com eles e não poder fazer nada para amenizar tanto sofrimento. Penélope está muito abatida. Ela tenta disfarçar, mas não é difícil surpreendê-la com os olhos vermelhos vez por outra, buscando café ou olhando para uma foto sua hall.
- Oh!, não! Não me diga que colocaram uma foto minha lá, junto com.....
- Regras, Emily! É de praxe. Para o FBI, você é uma baixa...




- Isto é muito estranho....
- Morgan, bem, ele se culpa, acha que poderia tê-la salvo se tivesse chegado uns minutos antes.... Apesar disto ele não me preocupa tanto, porque ele extravasa, chuta portas, soca uns bandidos, grita um pouco, e tenho certeza que em algum ponto da Academia do FBI tem alguns sacos de areia em estado bastante precário....É a forma dele lidar com isto. Me preocupo mais com Reid. Ele não quer conversar, está sofrendo calado, tenho monitorado à distância para que ele não volte a usar Dilaudid ou qualquer outra droga. Várias vezes eu o peguei parando o carro na frente do seu apartamento. Ele fica muito tempo por lá.

Ela já estava com lágrimas nos olhos..... Ele a manteve abraçada por todo tempo enquanto falava....

- A Seaver não teve muito tempo para te conhecer, mas está assustada com a situação. Não acho que ela fique conosco por muito tempo. Ela não tem estrutura ainda para segurar a barra de um departamento como o nosso. Nunca deveria ter sido colocada lá como efetiva. JJ é quem me dá notícias suas. Nos falamos a cada três ou quatro dias.... Ela tem sido uma boa amiga...
- Rossi?
- Ele sabe. Nunca lhe disse nada e nem precisei. Ele me conhece como ninguém e sabe o que eu sinto por você, acho que soube antes mesmo de mim... De alguma forma ele apenas me olhou, quando voltamos do seu funeral, pôs a mão no meu ombro e me disse : - Tudo bem! – Apenas isto. O melhor profiler que eu conheço e meu melhor amigo sabe que eu estaria devastado se tivesse perdido você de verdade. Que eu não teria segurado as pontas. Nunca mais tocamos no assunto. Algumas vezes conversamos sobre como estávamos reagindo e ele seguiu a corrente. Deixou-me levar a mentira à frente sem me questionar. David é raposa velha. Ele sabe que eu estou fazendo o que é certo. Ele teria feito o mesmo.

Ele enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto dela e a beijou. Nem tanto o beijo de luxúria, agora um beijo apaixonado de quem quer confortar e dizer que estará sempre ali para ela. 

Eles se separaram e deixaram seus corpos estendidos pela cama, ela apoiou a cabeça em seu peito e sentiu o coração dele batendo forte. Ficaram assim por uns instantes.

- O que eu obriguei você a fazer não foi justo! Vê-los assim, e não poder dizer nada.... Da forma como você conta, parece que você tem seguido os passos de todos de perto. Sofrido por todos eles.... Você já passou por tanta coisa nesta vida.... Não merecia isto também... Além disto, você um dia vai acabar tendo que responder por suas decisões...

Ele não respondeu e ela prosseguiu.
- Eu nunca mais vou poder voltar. Nunca mais vou poder olhar no rosto de cada um deles e dizer o que houve. Mas você....

- Como nunca mais vai voltar, Emily? – Pela primeira vez ele elevou o tom de voz. - Eu vou encontrá-lo, Emily. Eu falhei uma vez com Haley, isto não vai acontecer de novo. Eu vou pegá-lo, você está me entendendo? E você vai voltar! Vai ter sua vida de volta. E eles vão entender. Ninguém ali é criança.... Eles vão ficar furiosos a princípio, mas como tudo na vida, vai passar... E eles têm que ficar bravos comigo que tomei a decisão, não com você.... Que diabos, você dormia com um terrorista e está com medo de enfrentar seus amigos?

No mesmo instante, ele percebeu o que tinha dito. E desejou não ter dito nada. Mas estava feito. E ele não podia voltar atrás. Tanta cautela, cuidado e carinho e ele tinha dito a coisa mais desastrosa que jamais imaginou que pudesse sair de sua boca. Não que isso não o tivesse corroído por todo o tempo em que pensara nela e nas inúmeras vezes em que lera os arquivos e tentara achar uma explicação razoável, convencer-se de que ela fizera o necessário, de que talvez não tivesse tido opção. Ele não tinha o direito de julgá-la.

- Me desculpe, Emily, eu não quis dizer isto, me desculpe, meu amor... – Ele tentou abraçá-la, mas ela apenas continuou deitada ao seu lado, a cabeça ainda em seu peito, a voz ainda baixa.
- Vamos, Aaron, pergunte. Eu sei que você precisa me perguntar. Eu entendo....

Ele sentiu-se um canalha. Não era o momento certo. Ele tinha acabado de fazer amor com a mulher com quem sempre sonhara. Não era certo. Não era a hora.
Ele retomou a voz baixa e carinhosa.

- Tudo bem, não precisamos falar disto agora. Você quer mais vinho?
- Não, Aaron, não está tudo bem! – Agora era ela a levantar a voz. - Você diz que me ama, mas não sabe nada sobre mim. Eu não sei se quando você sair por aquela porta eu vou poder te ver novamente. Você quer mesmo ir embora sem saber a verdade?

Tudo o que ele conseguia pensar era como eles tinham passado do melhor momento de suas vidas para o mais desconcertante, em tão pouco tempo. Ela tinha razão. Ele não sabia nada sobre ela. Só que estava apaixonado. E em poucas horas ele conseguira dizer a uma mulher, pela segunda vez em sua vida, que estava apaixonado, que queria fazer amor com ela, que seus atos tinham magoado pessoas que ela amava, a tinha feito chorar e agora iria fazer a pergunta que podia fazê-la sentir-se uma vagabunda. Ele estava de parabéns!
Mas precisava perguntar. Afinal, ele estava determinado a matar o homem por quem ela talvez tivesse sido apaixonada um dia. Claro que ela estava certa. Ele só não sabia se iria gostar da resposta....

- Você.... o amava?

FIC - DECISÕES - CAPÍTULO 6




“CRIAVA AS MAIS FALSAS DIFICULDADES PARA AQUELA COISA CLANDESTINA QUE SE CHAMAVA FELICIDADE...”

Clarice Lispector





Ele desceu na estação “Invalides” do Metrô e vários degraus acima deu de cara com o rio Sena. Sabia exatamente aonde ir, cada esquina onde virar, cada rua a atravessar. Não porque já conhecesse Paris, apenas porque nos últimos dias havia repassado cuidadosamente cada um dos detalhes não apenas de sua viagem, mas de sua programação como um todo.

Fazia uma tarde linda e um clima ainda pouco quente de início de primavera. Ele trazia nas mãos uma valise de tamanho médio e sua pasta de trabalho. Por um breve momento parou de pensar incessantemente no que aconteceria nas próximas horas apenas para contemplar o Sena. Foi rápido. Talvez porque não estivesse no clima, talvez porque fosse prático demais, era apenas um rio, cujas águas nem pareciam tão limpas assim. Dois barcos de turismo cruzavam suas águas turvas e ele tentou imaginar porque aquela cidade mexia tanto com o imaginário das pessoas. Seguiu caminhando pelo contorno do rio até que percebeu que aquele era o ponto onde devia atravessar. Estava há cerca de dez minutos do hotel que havia escolhido. Retomou seus pensamentos e imediatamente um mapa tomou conta de sua mente de novo. Caminhar por Paris parecia ser fácil. Havia ampla sinalização e as placas indicavam cada rua à sua frente. Optara desde que saíra de casa por um roteiro absolutamente comum, com nada que pudesse chamar a atenção.




Desde que entrara naquele avião não conseguira pensar em outra coisa senão refazer seus passos. A obsessão por ver Emily só era superada pela necessidade de mantê-la segura. Quando Sean chegou na casa de Jéssica, todas as instruções, tudo o que devia dizer a ele estava na ponta da língua. Que saísse de lá com Jack, que parasse com ele para abastecer seu próprio carro no posto de sempre, que fossem tomar um café da manhã nos locais onde sempre levava seu filho para passear e fosse com ele ao Zoológico. E sempre usando seus cartões de crédito. Que seguisse as rotinas que ele, Aaron, costumava usar com seu filho em um fim de semana normal. Odiava admitir, mas era um pai totalmente previsível. Esforçado, mas previsível. Voltou a frisar para Sean a necessidade de que ele seguisse tal rotina, caso estivesse sendo monitorado pelos cartões de crédito ou pela placa do carro, tornou a agradecer meio sem jeito ao seu irmão, mas de longe estava preparado para ouvir o comentário bem humorado daquele que parecia ser a ovelha negra da família.
 
- Então, meu irmão está apaixonado??? E eu que pensei que você tivesse vários órgãos, menos coração!!!! Fala aí, isto é sério?
 
Aaron nem conseguiu sorrir. Embora soubesse que seu irmão estivesse zombando dele, não deixava de ser verdade. Passara tanto tempo de sua vida perseguindo monstros que há muito não conseguia enxergar nada que não fosse sombrio à sua frente. Mesmo agora, apaixonado, pensara em tudo o que tivera que arquitetar para garantir a segurança da mulher que amava. Seria cômico, não fosse tão trágico. Estava prestes a admitir que estava amando e sua maior preocupação era que Sean não deixasse de usar seus cartões de crédito, que fosse visto em companhia de seu filho, que procurasse manter a sua rotina. De repente percebeu que tudo o que fazia tinha um quê de mais difícil. Não era como atravessar a rua e pagar um café para a mulher que amava. Não. Não Aaron Hotchner.




Nada em sua vida parecia ser simples, porque seria agora? De alguma forma que não sabia bem como explicar, sentia muita inveja de Sean. Suas grandes preocupações limitavam-se ao novo cardápio de primavera que seria lançado no princípio do mês e se o Insalato di Pepperoni Arrostiti iria agradar à clientela. Isto com certeza e alguma responsabilidade, não mataria ninguém. Fora isso, ao deixar seu trabalho, Sean seguia sorridente para seu pequeno, mas muito confortável apartamento, onde lhe aguardava a morena de olhos claros da vez, sedenta por sexo e diversão pelas oito horas seguintes. Sem compromissos, sem laços, sem dramas. Apenas cozinhar, conversar, amar e ser feliz. Porra, ele queria muito ser assim também. Mas não era.


Ouvir as estórias de seu irmão o deixava deprimido. Algumas pessoas nascem para semear e colher flores, outras para preparar o adubo que as permitem crescerem belas. Era assim que ele se sentia quando ouvia Sean falar. Ele preparava a merda para que seu irmão colhesse belas flores. E, o que era pior, ele gostava disto. Mais do que tudo, ele respirava isto. Não saberia viver, sabendo que existia por aí alguém ceifando vidas sem que ele estivesse fazendo algo a respeito. Sean, por sua vez, não se importava. Era como se, enquanto a infelicidade não batesse à sua porta, ela não existisse. Seu irmão tinha aquele pensamento mágico de que coisas ruins só acontecem com os outros. Daria tudo para ser como o caçula da família, mas estas coisas talham a nossa personalidade. São como nós, nos troncos das árvores. Nascem aleatórios, não escolhem onde ou como querem crescer. Ele não iria mudar agora. Amava seu irmão. E do fundo de seu coração, adorava vê-lo feliz. Mas, por Deus, como eram diferentes!!!!


- Sean, eu te agradeço, mesmo, muito, por tudo. Eu só quero que você entenda que a segurança de uma pessoa está em jogo.




- Ok, eu entendi maninho! Vou agir como se fosse você, ninguém nem vai perceber que se ausentou por um fim de semana. Serei você, vou fazer as coisas que você faria, levar Jack onde você levaria. Embora eu ache que meu sobrinho iria divertir-se mais se eu pudesse agir como Sean, não como Aaron, mas.... fique tranqüilo, não vou dar nenhuma mancada. Já entendi, e não vou perguntar. Esta mulher deve ser muito importante para você armar tudo isto, vou ficar na minha, mas você me deve levá-la para jantar em New York, assim que puder, combinado? Quero conhecer a mulher que fez meu irmão arquitetar tudo isto! Acima de tudo, quero conhecer a mulher que devolveu um coração ao meu irmão!!
 
Sorriu meio sem jeito e quando despediu-se de seu filho, ainda pode ouvir ao fundo Sean dizer que ia ser um fim de semana maneiro, mas preferiu ignorar o comentário, certo de que os sinais que ele havia feito para Jack, tripudiavam seu jeito tradicional de ser. Não podia pensar em tudo. Não podia controlar tudo. Deu um beijo em Jack, disse que o amava, despediu-se de Jéssica e de Sean e seguiu em frente, procurando não pensar no que havia deixado para trás.
 
Agora, cruzando os portões do Louvre, e seguindo em frente em seu objetivo, tentava se lembrar do que iria dizer a ela quando chegasse lá. Parecia um texto ruim de uma fotonovela barata, mas na verdade, cada uma das palavras que pretendia dizer fôra repetida exaustivamente nas últimas semanas por ele. O brilho dos seus olhos, a franqueza do seu sorriso, o quanto ela iluminava sua vida e aquecia seu coração. O tempo que perdera acreditando que não merecia ser feliz, o quanto ela merecia mais do que um homem como ele. Ele estava apaixonado, ela era a luz de sua vida e ela iria viver incógnita até que pegassem o desgraçado. Mas precisava saber que ele a amava. Mais que tudo. Há muito tempo.




Seus pensamentos o consumiram até que chegou à Rue du Gros Caillou. O Hotel Rive Gauche era um duas estrelas simples, mas bem aconchegante. Não fora por acaso que escolhera um hotel pouco chamativo. Quando das reservas, ele havia solicitado duas chaves, pagando pelo benefício, muito mais caro. Não queria nem um, nem outro, tendo que dar informações na recepção. O apartamento de número seis não havia sido escolhido por acaso. Pelas informações, de sua janela, via-se a Torre Eiffel e, embora ele não fosse um homem dado a esses detalhes, ele achou que ela gostaria do mimo.


Ele atravessou a recepção do hotel simples, desejando que o lugar agradasse ao gosto dela. Foi quando percebeu que não sabia nada sobre ela. Melhor, sabia que ela era capaz de atingir precisamente um alvo à vinte e dois metros de distância no estande de tiro, sabia que ela dava um gancho de direita como poucos homens seriam capaz de dar, sabia que podia contar com seu bom senso na produção de um perfil, sabia também que ela falava árabe, espanhol, italiano, russo e romeno. Sabia ainda que ela ficava linda em um vestido vermelho, que Derek Morgan tentara diversas vezes cruzar a linha, mas que não tivera sucesso ( comentário feito por cortesia de sua analista técnica, num dia, de pouca discrição de sua parte) e que toda a vez que ela sorria, ou, por descuido, tocasse nele sem querer, nos braços ou nos ombros, ou que sua voz enchesse o salão, ele não conseguia ignorar este efeito em seu corpo. Na verdade, era tudo o que sabia sobre ela. Agora, mais do que nunca, quando descobrira que ela se prestara a dormir com o inimigo para conspirar contra ele. Era verdade, estava apaixonado, mas sabia tão pouco sobre ela. Aquela morena de sorriso largo e olhos de pérola negra de quem ele nunca se esquecera mesmo depois de tantos anos. Sua ousadia em buscar uma reciprocidade que ele não podia oferecer.




Mesmo tanto tempo depois, ele ainda se lembrava de como ela parecia desafiá-lo. Aqueles olhos que o fizeram sentir-se culpado por pensar neles tão intensamente. Ele estava tão perto e sentia-se tão distante. O que ele tinha a oferecer a ela? Neste momento, então.... nada! Apenas isto! Nada...
Mas era tarde para mudar de idéia.


No entanto, quando empunhou sua chave e destravou a porta do apartamento de número seis do Hotel Rive Gauche, tudo aquilo parecia não ter mais importância. Respirou fundo, apoiou sua pouca bagagem no aparador da saleta na entrada, e foi até a janela. Quando afastou a cortina, vislumbrou aquilo que era o maior símbolo da França. A torre Eiffel surgia impávida pela janela, entre tons rosados de um fim de tarde de primavera. Agora, mesmo Aaron Hotchner e toda a sua obscuridão, não pareciam ser tão graves quanto a imponência de quilos de ferro fundido e séculos de história. Aquilo era Paris. Talvez o ar, talvez os arquétipos, talvez apenas a necessidade de ter uma segunda chance. Talvez ali ele pudesse apenas amar, sem lembrar, sem esquecer. Sem precisar ser quem era. Romantismos à parte, deixou a janela de lado e foi conferir o frigobar para descobrir que seu pedido havia sido atendido. Um Château Bel Air Bourdeaux 2009 . Em uma bandeja sobre o frigobar duas taças e algumas rosas vermelhas num vaso. Na mesa aparadora, uma cesta com frutas, alguns pães, manteiga e um tipo de patê. Tudo estava lá. Cada centavo de dólar cuidadosamente empregado no que havia sido solicitado. Ele olhou para o relógio. Ainda eram 17:10 PM. Restavam ainda alguns minutos.
E infinitos motivos para ele sair correndo dali. 
*********************************




Quando ela saiu da Gallerie Laffayete, empunhava duas sacolas de compras. Na Bon Marchê havia encontrado um vestido vermelho, lindo, de meia manga, com decote princesa que valorizava seu colo e um pequeno cinto que marcava sua cintura. Na Saint Honoré, havia encontrado o sapato de salto oito e meio vermelho, incrivelmente perfeito para combinar com seu vestido. Na saída da Gallerie, havia cruzado com um conjunto de colar e brincos com pequenas pérolas, que julgava feitos para a ocasião, além de um providencial par de meias nude sete oitavos. Emily voltou ao seu pequeno apartamento com suas sacolas e suas expectativas. Tomou seu banho e produziu-se para um evento. Olhou-se no espelho e julgou-se linda. E depois, perguntou-se o porquê. Quando pronta, cerca de uma hora antes do horário marcado, Emily, maquiada e produzida, sentiu-se ridícula. Como se isto fosse pouco, ainda teria que caminhar cerca de sete quadras vestida assim, para chegar ao seu destino. Olhou-se novamente no espelho. Era uma mulher bonita. Apesar dos seus quase quarenta anos, o tempo havia sido generoso com ela. No entanto, o que isso dizia a seu chefe? Que ela estava feliz? Que nada daquilo que havia acontecido tinha importância? Que ela estava tentando seduzi-lo? Deus, ela estava apavorada. Seu providencial instinto dizia que ela devia encontrá-lo vestindo jeans e camiseta e que passaria a mensagem: estou sobrevivendo. Mas, não era o que ela queria dizer naquele momento. Ela queria dizer, preciso de você, te amo e pronto. Nada mais simples. Nada mais complicado.

Ela estava na merda há muito tempo. Todas as decisões que tomara foram por necessidade, não por prazer. Ela abrira mão de quase tudo em sua vida. Então, simples assim, ela iria vestir o que tivesse vontade. Mesmo que isto parecesse ridículo, mesmo que desse a impressão errada. Olhou de novo no espelho e gostou do que viu. E orou intimamente para que Aaron Hotchner gostasse também.




Saiu equilibrando-se nos seus oito e meio centímetros de saltos e, ao chegar na calçada reconsiderou. Embora o fim de tarde estivesse lindo, talvez um táxi fosse uma alternativa mais coerente do que cruzar sete quarteirões vestida daquela forma. Graças a Deus, ela estava em Paris, não na Virgínia ou Nova York. Em menos de dois minutos um táxi parou ao seu sinal e ela entrou. Para o bem ou para o mal, Emily estava indo ao encontro de seu destino. E tudo o que ela desejava é que seu destino tivesse um único nome: Aaron.....


Quando ela saltou do táxi, faltavam ainda sete minutos para as dezoito horas. Ela pagou a conta e abriu a porta, dando de frente com uma simpática entrada do hotel simples, porém, gracioso. Um imponente bouganville todo florido enfeitava a entrada. Ela ajustou a roupa em seu corpo e apertou, pela décima vez, a chave entre seus dedos. Invadiu a recepção procurando por ele, mas, obviamente, ele não estava ali. O chamativo relógio sobre a mesa de entrada anunciava que faltavam cinco minutos para as dezoito horas, mas ela, claro, já sabia disto, depois de conferir seu relógio de pulso dezoito vezes nos últimos dez minutos. Olhou para todos os lados. Hábito que havia adquirido após os últimos eventos. Temia estar sendo seguida. 
Decidiu que, para apenas um lance de escada, não precisava tomar o elevador. Então, ela subiu. E caminhou o corredor em toda a sua extensão, até que o número seis surgisse. Ela colocou a chave na fechadura, temendo que ao vê-la ele a chamasse por Prentiss, temendo que a qualquer momento, tudo acabasse ali mesmo. Quando a chave virou e a porta se abriu, ela procurou manter-se calma. Afinal, não tinha porque ter expectativas. Deu três passos para dentro e viu seu chefe em pé, de costas, virado para uma janela, com a cortina afastada.




Em quase quarenta anos de vida, Emily Prentiss não tinha palavras. Pela primeira vez em sua vida, Emily Prentiss quis falar e não conseguiu. Ali estava ele. De costas, mas era ele. Seu terno indefectível, toda a sobriedade do momento, era sem dúvida o chefe do departamento de análise comportamental. Sentiu-se infame por ter acreditado que ali pudesse estar esperando por ela outro que não apenas o seu superior. Praguejou intimamente por seus sapatos de salto, seu vestido justo e provocante. Praguejou por seu par de brincos e seu cabelo ajeitado. Era apenas um encontro profissional e ela sentia-se vestida como uma prostituta, pronta para o abate. Odiou-se por ser tão crédula, mas bolas, nada havia lhe sobrado além de acreditar. Então, sem perder a pose, bateu a porta às suas costas e com o barulho, acreditou que ele se viraria para ela. Mas ele não se moveu.
Com o pouco que lhe restava de confiança, tentou articular alguma coisa que fizesse sentido, mas tudo o que conseguiu fazer sair foi:
 
- Senhor???

Como ele não emitira qualquer resposta, ela apenas repetiu o que já havia dito.

- Senhor???

Ele custou a virar-se. Muito. E quando o fez, foi lentamente. Quando pôde fitá-la de frente, ainda assim não falou. Ficou a admirá-la por um tempo que nenhum relógio poderia medir. Ele procurava ar para encher seus pulmões, ela procurava esconder seu constrangimento por estar vestida daquela forma. Nenhum dos dois encontrou palavras. Pareciam ter sidos minutos infinitos, mas, na verdade, foram apenas alguns instantes. E tudo que ela conseguia repetir era:

-Senhor???

-Prentiss, .... – ele deu dois passos em direção a ela, mas parou. – Como você está?

Ele a chamou por Prentiss! Tudo, menos isto! Deus, como ela havia se enganado. Não sabia onde por suas mãos, ela só queria sair correndo de lá.

- Sobrevivendo. Na verdade, eu estou bem....

Ele a fitou de cima a baixo. Ela estava linda. Era tudo com o que ele sempre sonhara e ele não conseguia se mover e quase não conseguia falar. Aquela era a tênue divisa entre ser feliz e pôr tudo a perder. E, mesmo não sabendo bem por onde começar, o que dizer, o fato era que aquele corpo coberto de vermelho deitara por terra o resto de profissionalismo que teimava em manter. Que diabos, era adulto, não estava arriscando tudo apenas por diversão. Ele precisava dizer alguma coisa. Onde estavam todas aquelas palavras que ele passara a semana toda ensaiando, decorando? Onde foram parar o elogio ao seu sorriso, a necessidade de tê-la em sua vida, o vinho que iria oferecer a ela?

- Bom, isto é bom.... As dores...bem....você tem se poupado?

Ela achou, por um instante, que por trás da feição impassível do bonito rosto moreno, alguma emoção se formara. Esperava a qualquer momento uma bronca, que ele iria lhe dizer o quanto fora imprudente agindo sozinha e que ela havia posto a todos em risco com sua teimosia. Mas ele perguntou qualquer coisa sobre sua saúde.

- Dói ainda, evito os analgésicos.... Tenho saído pouco....

Ele ouvia ela articular as palavras, mas elas faziam pouco sentido para ele. Ela ainda sentia dor? Ali, na luz suave que invadia a janela do quarto, ela parecia perfeita. E ele parecia um idiota. Ele precisava retomar o controle da situação, não que seu corpo naquele momento colaborasse com isto. Ele suava frio, suas mãos tremiam e seu amigo lá embaixo dava sinais de não querer mais se comportar.

- Eu precisava te ver.....
- Você disse que precisava me ver....

- O que você estava pensando? Que podia resolver tudo sozinha?
Não era o que ele queria dizer.... 

- O que você esperava que eu fizesse? Que os pusesse em risco?
Não era o que ela esperava responder.....


- Mas você podia correr todos os riscos? Você podia enfrentar tudo sem pedir nada a ninguém? Para que diabos somos uma equipe se não podemos confiar uns nos outros... - Ele foi aumentando seu tom de voz mais do que gostaria. – Você não pensou que poderíamos te ajudar, que você poderia se ferir, que todos iríamos sentir ...


Ela já quase não conseguia prestar a atenção no que ele dizia. Ele estava zangado, mas não parecia isto. Era quase como se estivesse magoado, quase como se estivesse com medo, e ela tentou interrompê-lo sem sucesso.


- Me desculpe se eu tomei a decisão que não era a que você gostaria que eu tivesse tomado, me desculpe pelos problemas que criei, eu não queria magoar o homem que eu amo...


- ...sua falta, não pensou nas pessoas que te amam, não pensou que eu não podia perder a mulher que eu amo?


As frases foram ditas juntas e seus olhos se buscaram, profundamente. Num único momento ambos tentaram absorver o que o outro havia dito.
No mesmo instante, estes olhos que até então buscavam compreensão, verteram toda luxúria e cobiça aprisionada por anos de espera e desejo. Ele caminhou em sua direção e parou tão próximo dela que ela podia ouvir seu coração bater.

- Eu não sei bem como você vai entender isto.....

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

FIC - DECISÕES - CAPÍTULO 5





"SOU O QUE QUERO SER, PORQUE POSSUO APENAS UMA VIDA E NELA SÓ TENHO UMA CHANCE DE FAZER O QUE QUERO. TENHO FELICIDADE O BASTANTE PARA FAZÊ-LA DOCE, DIFICULDADES PARA FAZÊ-LA FORTE, TRISTEZA PARA FAZÊ-LA HUMANA E ESPERANÇA SUFICIENTE PARA FAZÊ-LA FELIZ!”

Clarice Lispector



Ele montou uma verdadeira operação de guerra. Haviam se passado mês e meio e ninguém tivera notícias de Ian Doyle. O mesmo ele não poderia afirmar em contrário. Existia uma forte possibilidade de que o desgraçado os estivesse observando à distância - recursos para isto ele tinha - a fim de ter certeza de que Emily Prentiss havia sim, morrido de verdade. Se ele pretendia fazer algo muito arriscado, tinha que ser muito bem planejado. Não deveria haver margem para erros tolos, que pusessem a todos em risco, especialmente a mulher que amava.

Quando desligou o telefone nesta manhã, depois de falar com seu irmão, sentiu seu sangue ferver em suas veias, era como se estivesse planejando conquistar a primeira namorada. Tolice, já que era tudo o que ele conhecia sobre o assunto. Sua experiência neste campo era infinitamente menor do que o conhecimento que tinha sobre criminologia, psicopatologias, armamentos e táticas terroristas. Mas, por estranho que parecesse, metia mais medo que todas estas coisas junto. Ele não tinha se declarado a mulheres muitas vezes. Para ser sincero, fora uma vez e só. Além do que, ele estava apostando todos os dados em uma decisão que poderia tornar-se a mais desastrosa de sua vida, pessoal e profissionalmente.


Todas as grandes decisões de sua vida foram pautadas pela razão, pela coerência e pela lógica. Casara-se com a primeira mulher por quem se apaixonara muito jovem, dedicara-se a ela durante toda uma vida, sendo-lhe fiel e responsável. Só não fora o bastante porque quisera manter-se fiel também à sua outra paixão: o seu trabalho. Se não fora o suficiente, nunca fora por displicência, sempre apenas por querer ser correto e devotado à atividade que fazia com competência e lhe proporcionava bons proventos para dar à sua esposa e filho uma vida de conforto e regalias. Pecara porque nunca havia feito nada por impulso. Nunca jogara tudo para cima, nunca matara um dia de trabalho para levar sua esposa a um passeio no parque no meio de uma tarde de terça feira, não negara-se sequer a estar em viagem quando mais ela precisou dele, durante o parto de Jack. Faltara em aniversários dele, dela, perdera os primeiros passos de seu filho, as primeiras palavras. Ele era presente. Apenas não era presente nos momentos certos. Era quando podia ser, não quando queria que fosse. Não se permitira arroubos, e hoje pagava o preço de tal sobriedade. Perdera a mulher que amava, teria muito que explicar ao seu filho, trabalhava feito um obcecado, já passara dos quarenta havia tempo e se esgotavam as possibilidades para permitir-se ser feliz novamente.


Na verdade, sentiu-se meio idiota ao telefone, depois de quase implorar para que Sean o visitasse no próximo final de semana, em troca de passar algumas horas com seu filho e ter à sua disposição seu carro e todos os seus cartões de crédito. Seu irmão trabalhava aos finais de semana, sabia que não era má vontade de Sean, mas era sua única chance. Se perdesse essa oportunidade, ele não saberia mais onde encontrá-la. Era agora ou nunca.


Não sabia bem o que fazer, desde a noite no bar do hotel, onde rabiscara inúmeras palavras, até não ter mais papel à sua disposição. Como era difícil para ele escrever algo para Emily, que diria então falar pessoalmente! A quem ele estava enganando? Ela passara por tantos momentos difíceis, todas aquelas coisas que aconteceram e tudo o que queria era poder ter estado ao seu lado, conforta-la, fazê-la não sentir-se tão só. Todo o abandono a que fora largada, tantas pessoas a quem amava e de repente perceber-se sozinha, sem poder dizer sequer que existia. Não podia imaginar tudo o que ela estava passando. 


Há quase noventa dias lidava com uma pressão inominável. Era muito difícil ver o pesar na face de seus amigos e não poder confortá-los. Era difícil também lidar com Erin Strauss, que parecia somente pressionar, não se importando se ele estava ou não fazendo um bom trabalho com seus agentes. E ainda lhe empurrando uma estagiária que Rossi apoiava incondicionalmente ( nem quis questionar-se se seu amigo teria se envolvido sexualmente com uma estudante, pois quase somente isso explicava todo o apoio que ele dava a ela). E à noite, exausto, depois de colocar seu filho para dormir, na solidão de seu quarto, buscava conforto no que lhe restava das lembranças da mulher que amava, tentando se esquecer do sofrimento que vivera, lembrando-se apenas de seus olhos negros, de seu sorriso franco e da forma como lhe chamava de senhor. Com sorte, conseguia aliviar-se num prazer solitário, fugaz, que terminava quase sempre com ele lavando-se, cheio de culpa, sem poder se olhar no espelho do banheiro.

Isto tinha que acabar. Pelo bem ou pelo mal, isto tinha que ter um encerramento. Se ela iria sumir na vida, que ao menos soubesse que era amada, que roubava as horas de sono de um homem, que soubesse que nunca estaria sozinha. Talvez fosse algo muito egoísta, mas era algo que ele tinha que fazer. E fazer em segurança. 


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Ela acordou no meio da noite, meio assustada, meio ofegante, erguendo o corpo à meia altura, apenas o suficiente para desligar a televisão e ajeitar-se melhor em sua cama. Invadia-lhe pela cortina fina de voal perolado toda a claridade da noite de Paris. As luzes em nada lembravam a sobriedade das noites em seu apartamento na Virgínia. Vislumbrou o brilho que vinha da rua, mas lhe aquecia o coração outra imagem. Virou para o outro lado e pediu desesperadamente para voltar a sonhar o sonho do qual despertara, aquele do qual fazia parte um certo agente moreno que era responsável pela umidade que se acumulava entre suas coxas. Mas era tarde. Ela despertara e ele se fora. O sonho acabara mesmo antes de começar. Debateu-se de um lado para o outro em uma briga inglória com seus lençóis, até que percebeu que seu edredom havia caído aos pés da cama. 


Sentou-se puxando o pouco que restava de suas cobertas. Era assim todas as noites. Quando não tinha pesadelos com Doyle, tinha sonhos quentes com Hotch. Há noventa dias, suas noites se dividiam entre o que lhe fizera o mal e o que lhe faria o bem. E, ao despertar, a sensação era a mesma, nem com um, nem com outro tinha encerrado seus assuntos. Nem bem tivera sua justiça, nem bem tivera a oportunidade de dizer a Aaron Hotchner o que sentia por ele. E a partir de agora, não faria nem uma coisa, nem outra. Sumiria no mundo, sem sentir-se vingada, sem qualquer chance com o amor de sua vida.
 

Era mais fácil levantar-se. Andou um pouco pelo minúsculo apartamento, foi à cozinha, fez um chá. Sentou-se na pequena mesa ao lado da cama e resistiu à tentação de ligar a televisão novamente. Isso só tornaria seu adormecer mais difícil. Puxou a cortina e olhou um pouco pela janela. Um grupo de jovens boêmios fazia barulho caminhando pela Alameda Du Frest, como se nada no mundo fosse para eles mais importante do que ser feliz.


Ao virar-se por um momento, sentiu uma dor muito familiar nos últimos tempos, uma dor aguda e latejante que lhe assaltava sob a cicatriz que lhe marcara o corpo. Não queria ter que tomar outro comprimido.

Sorveu mais um gole do seu chá e brincou com a borda do envelope que a amiga lhe havia entregue. Talvez porque o que lhe esperava fosse um punhado de passaportes onde o nome que lia não fosse o que gostaria de ler, não apressou-se para verificá-los. Era difícil admitir que Ruth Messing era agora o nome pelo qual respondia e não precisava correr para vê-lo estampado em seus novos documentos. Até então, quando alguém a chamava por Ruth, demorava-se para responder, era algo com que ainda tinha que se acostumar.
Enquanto o chá lhe aquecia o estômago, Emily mirava a janela, virando o envelope distraidamente, várias vezes, como se fosse um brinquedo em suas mãos. Lhe divertia a forma como os jovens cambaleavam pelas ruas, tão inocentemente, como ela nunca mais iria caminhar. Eles entoavam alguma canção local e havia alguma graça em como eles produziam toda a aquela arruaça. Quando o líquido foi totalmente ingerido, ela pousou a xícara sobre a mesa e soltou o envelope displicentemente. Algumas coisas desarrumadas saltaram para fora do invólucro pardo, mas ela não importou-se com isto. Ajeitou-se na cama simples e buscou conforto no calor do edredom florido por sobre seu lençol e na imagem quente daqueles olhos escuros que pareciam morrer no infinito.




Seu último pensamento foi o mais dolorido. Talvez não voltasse a vê-lo. E, como Ruth ou como Emily, ela estava cansada de esperar pelo homem interessante e bonito que parecia desviar o olhar toda vez que era observado por ela. Aquele com quem sonhara os sonhos puros e os sonhos quentes e insanos, aquele que roubara seu coração aos pés de uma escadaria, há muitos anos atrás. Aquela havia sido uma outra vida. Em outro lugar, com outro nome. Adormeceu ao som dos jovens à sua janela, vivendo a vida que ela não iria mais viver, uma alegria que ela não iria mais experimentar. Adormeceu mais uma vez Emily para acordar de vez como Ruth Messing. 


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- Que espécie de idiota é você?

Ele não sabia o que responder. Sabia que o momento chegaria, mas não havia se preparado também para isto. Haviam acontecido tantas coisas, havia tanto a pensar, e ele deixou isto para depois, entre tantos problemas que já tinha a resolver. Tão mal terminara a ligação e fora comunicado de sua chegada. Quando ela invadiu sua sala, ele a examinou.

Não haviam lágrimas em seu rosto, sequer parecia haver dor. Uma indignação imensa tomou conta daquela mulher, mais que qualquer outro sentimento. A rispidez da voz e a total despreocupação em ser gentil, combinavam com o que ele lembrava-se dela. Até para ofender-lhe ela parecia manter a pose.
- Você caça a escória da humanidade mundo afora e não consegue me localizar com alguns telefonemas? Sinceramente, agente especial Aaron Hotchner, você é uma decepção!
- Senhora, não sei o que dizer! Eu realmente tentei. Lhe deixei inúmeros recados, fiz contatos, ninguém sabia como encontra-la! Não havia tempo. Precisávamos providenciar o serviço fúnebre....

Ele de fato, não tinha nada de plausível para corroborar sua estória. Se tivesse mesmo agido como ela imaginava, nenhum adjetivo lhe cairia tão bem quanto idiota.

- Se serve de consolo, ninguém pode despedir-se. O caixão ficou lacrado. Desejo de sua filha.....

Hotch suava frio. Tinha mentido a tantos e há tanto tempo, mas nunca fora confrontado daquela forma.

Ouve um silêncio pesado e incomum entre Elizabeth Prentiss e Aaron Hotchner. Ela havia recusado o convite para sentar-se no sofá de couro escuro que ocupava a sala do agente e, ainda em pé à sua frente, olhava-o nos olhos, da forma mais profunda que alguém já o havia mirado.
Aqueles segundos pareceram durar uma eternidade. Ele só queria sair de lá, sair correndo, sair. Mas logo percebeu.
Uma mãe sabe. Uma mãe sempre sabe. Talvez porque a verdade estivesse estampada em seus olhos. Ou talvez porque a embaixadora não tivesse sido a mãe do ano, mas ainda assim, era mãe. Uma mãe sabe. Sempre.
Ele teve medo. Quase pânico. Se ela levantasse um único questionamento....
Ela, inteligente, quase pode ouvir uma súplica em seu olhar. Se não estivesse tão próxima dele, diria que estava chorando. Havia choro. Só não haviam lágrimas.
Foi uma troca de olhares de longas e francas palavras, apenas elas não puderam ser pronunciadas.

- Só cuide bem dela. – A frase foi quase inaudível, mas firme e assustadoramente calma.

Ela sequer estendeu-lhe a mão para um comprimento. Aquele olhar havia dito todas as coisas importantes que uma mãe precisa saber. Sua filha estava viva. Estava com problemas, mas estava bem. E havia um homem que a amava cuidando dela. Não era tudo o que ela como mãe gostaria de saber, mas afinal, era tudo o que ele poderia dizer naquele olhar e isto tinha ficado bem claro para ela.
Ela, já com a porta entreaberta, meio corpo no corredor, aumentando o tom de sua voz duas oitavas ainda voltou-se para ele.
- Agente Hotchner, apesar de tudo, agradeço suas investidas em me encontrar. Tenho certeza de que Emily encontrou aqui mais amor e carinho do que já teve em toda a sua vida profissional. – Ela deu dois passos à frente. – Tenho certeza de que todos vocês aqui a amavam. E eu agradeço a todos vocês por isto!





A frase foi ouvida por todos no grande salão. Ela pareceu ter a preocupação de esclarecer a quem quisesse ouvir que havia ficado magoada por não ter chegado a tempo, mas que entendia a situação.

Ele sentiu-se aliviado. Sua ampla experiência traçando perfis lhe dizia que mães têm um instinto próprio, uma coisa que nem toda a psicologia do mundo pode explicar. E ele agradecia por isto. Não havia tratado escrito em livro qualquer no planeta que pudesse resumir aquele encontro, mas as coisas não haviam se encerrado de forma tão ruim assim. Ele não seria de todo odiado, ela poderia dormir um pouco mais tranqüila à noite. Talvez ela, apesar dos pesares, não fosse uma mãe tão omissa assim.....
 

O médico havia sido bem específico, mas ela havia feito “ouvidos moucos”. Abrira mão de toda uma vida, não abriria mão do maldito café.
Kelly Olson tornara-se uma amiga no período em que a protegera. Estava no FBI havia dezessete anos e havia sido destacada para proteger Emily porque era a melhor no que fazia. Seu superior sabia disto e não pensara duas vezes antes de lhe indicar para a função, atendendo ao pedido especial feito pelo agente Aaron Hotchner, a quem devia um enorme favor. Durante os quase trinta dias que estiveram juntas, não tiveram muitas liberdades, toda a conversa poderia representar um risco, mas, de alguma forma, elas conseguiram superar as dificuldades e tornar aquelas horas menos entediantes. No último dia, antes de partir para Paris, Kelly havia surgido no quarto de Emily com uma caixa que chamava a atenção pelas dimensões.

- Não sou profiler, mas acho que você irá querer levar isto com você! Queria lhe dar algo que a fizesse se lembrar de mim com carinho, mas acho que trouxe algo que a fará lembrar-se de mim com muito amor, isto sim!

Dizem que o café lá fora é terrível, talvez isto ajude! Há nesta caixa uma boa quantidade de refis.....E dizem que é fácil encontrar reposição em qualquer lugar do mundo....a marca é famosa, isso deve ajudar....Eu ganhei há algum tempo, mas.... não tomo café. Sempre achei que um dia, teria alguma utilidade. É sua e espero que você a aproveite.


Agora, sentindo o cheiro inebriante de um café forte vindo do cômodo ao lado, Emily sentiu falta de Kelly. De suas coisas mesmo, não levara nada. Nunca voltara a seu apartamento. Kelly comprara para ela algumas mudas de roupa e três pares de sapato, uma bolsa barata e um par de brincos de gosto duvidoso, além de lhe entregar um bom par de euros.

- O resto você compra em Paris. Afinal, é a capital da moda, não?

Emily lembrou-se do comentário com um sorriso. Queria ter trazido Sérgio, mas isso era inviável. Kelly soubera que uma tal de Garcia cuidava de seu gato. Quando soubera da novidade, já podia imaginar seu pobre bichano empunhando laços e contas coloridas em seu corpo peludo. Sérgio com certeza sentiria falta de sua sobriedade.....

Quando as duas fatias de pão saltaram da torradeira, já havia saído do chuveiro. Fora um banho rápido, apenas para espantar o sono. Na verdade, hábito adquirido de Emily, não de Ruth. Embora preferisse o banho à noite, quando voltava de um dia difícil em seu trabalho, não dispensava uma chuveirada rápida pela manhã, para dissipar qualquer resquício de sonolência que pudesse lhe prejudicar o pensamento.
Enquanto degustava a torrada, procurava separar quais os medicamentos tinha que tomar pela manhã. Leite seria melhor. Mas era o café que tanto amava que iria conduzir os comprimidos ao seu organismo. Que diabos, Kelly havia acertado na mosca, a tal máquina era boa demais. E embora o café fosse infinitamente melhor do que estava acostumada a tomar no Bureau, era daquele café que sentia saudades....





Depois de ingerir sua mediação, ela lavou a xícara e o prato que usou, no banheiro fez sua higiene e logo em seguida sentou-se em frente da mesa pequena que se destacava pelo monte de coisas que se espalhavam por sobre ela agora. Precisava se organizar. Agora tinha documentos e recursos e precisava decidir se queria deixar Paris, ir para outro lugar. Manuseou todos os passaportes. Havia um passaporte em nome de Elle Standing. Outro em nome de Kayla Wordorf. Seu passaporte em nome de Ruth lhe conferia visto para vários países, inclusive países na América do Sul. Pensou na Argentina. Talvez fosse um bom lugar...Lembrara-se dele na juventude.... ficara lá por quase um ano. De tudo o que se lembrava daquele país, o que mais a marcara fora o tango. Aquela dança passional, que ela teimara em aprender para afrontar sua mãe. Águas passadas.....

Haviam três contas bancárias nos diferentes nomes a ela conferidos. Hotch não havia medido esforços para deixar-lhe confortável. Todas elas tinham um montante considerável para que pudesse viver com um conforto semelhante ao que tinha enquanto Emily.
Havia também um envelope de tamanho menor, que ela deixara para abrir no final. Não havia qualquer indicação do que ele continha. Era de fato, o único envelope lacrado e ela precisou rasgá-lo para ver seu conteúdo.
Dentro dele, uma chave e um papel pautado com inscrições em uma letra conhecida:

Hotel Rive Gauche – Rue du Gros Caillou,6 – April, 28 – 6PM.
Local seguro.
Preciso te ver.
Aaron 
 Ela nem sabia o que sentir. No início, uma imensa euforia. Depois veio a contestação. Claro que ele queria vê-la. Era sua responsabilidade. Não havia porque achar algo diferente. Ele era seu chefe. Estava se arriscando por ela. Tinham provavelmente muito o que conversar. Coisas técnicas, práticas. Coisas de protocolo. Era só. Não sabia porque havia se entusiasmado tanto. Ou sabia. Talvez arranjasse coragem para dizer a ele que precisava amá-lo como precisava de oxigênio para viver. Ou talvez simplesmente ouvisse o que ele tinha a dizer e, como sempre, apenas iria acatar suas ordens e adeus.

De alguma forma, seu dia ganhou um brilho especial. Fosse o que fosse que a esperava, burocracia, atos administrativos ou o diabo, ela iria ver Aaron Hotchner e, por si só, isso já coloria seu acinzentado dia. Vê-lo já era mais do que podia planejar acontecer, já era mais do que tinha direito em receber. Talvez os deuses não fossem todos assim, contra a sua felicidade.....Ele havia assinado Aaron... Não Hotch, mas Aaron... Ele nunca usava seu primeiro nome.... Não trabalhando....Bobagem.... Era só um nome, só um maldito papel, com um nome escrito. 


O que não a impediu de sonhar. Ela podia ser Ruth agora. Mas passaria o resto de sua mísera vida sonhando como Emily, os sonhos puros da casinha de cerca branca e os sonhos insanos que a levavam ao orgasmo com o mesmo homem, o moreno de olhos que pareciam morrer no infinito. 


Olhou novamente a data. Era dia 28. Eram nove e treze da manhã. Ele a esperava no final da tarde.
Definitivamente precisava comprar um vestido novo.