sábado, 20 de outubro de 2018

Pobre Do Meu País, O Que fizeram de Ti Brasil?


Calada, mas inconformada, assisto há tempos ao descalabro que assombra o país em todos os sentidos, financeiro, moral, social, sem me animar em me manifestar nas redes. Muitos que bem me conhecem têm me cobrado uma posição, mas sinceramente ando cansada. Cansada do que as pessoas que se dizem brasileiras se tornaram. Me lembram personagens de Saramago em Ensaio Sobre A Cegueira. Enxergam, mas não querem ver. Ou simplesmente não se importam.

Estou cansada deste ódio virtual e virulento praticado por gente de bem e cheio de Deus no coração que se informa por whatsapp, que acha que notícia é a mesma coisa que editorial ou opinião e que sua necessidade é sempre maior que a do vizinho. Ando cheia de gente que de repente virou especialista em tudo sem nunca ter lido livros de verdade e que compartilha frases que Clarisse Lispector coraria ao saber que lhe foram atribuídas.

Hoje temos muitos sábios de sofá e poucos caminhantes de mocassins, cuja sabedoria indígena já dizia ser impossível julgar a caminhada sem calçá-los. Pessoas que, no conforto da sua poltrona, detonam dezenas de anos de estudos e experiências comprovadas por mestres e doutores ou fatos irrefutáveis de quem sente na pele a fome, a sede, o frio ou a indiferença.

Tanto faz. O radicalismo vem dos dois lados. Mas, é ainda pior vindo de quem ainda tem o que comer, o que vestir, como viver. Também ando brava com a queda do meu poder aquisitivo. Também ando frustrada por não poder mais comer pizza todo sábado à noite ou sair com amigos sem  primeiro saber se posso bancar o local do encontro.  Claro, sou igualzinha a toda a classe média( o que é média, cara pálida?). Quero poder a vida toda encher o tanque do carro sem me preocupar demais com o valor, comprar um presente legal para a amiga do coração, fazer uma viagem sem preocupações. 

Quero que a roubalheira acabe e que haja punição aos que roubam. Mas, quero justiça. Não quero vingança. Não estou atrás de um culpado para enforcar porque não poderei comer em um bom restaurante neste final de semana. Quero que a constituição seja respeitada e assim a lei, porque meu filho não é negro, mas muitas mães têm filhos negros e não as quero rezando para que seus filhos não sejam confundidos com bandidos por causa de sua cor e do preconceito  Hoje rezo para que meu filho não seja assaltado e ferido, mas sei que ele não será confundido com um negro e que um bandido pode feri-lo, mas que a polícia não irá confundi-lo e espancá-lo por engano.

Sempre penso nas mães. A mãe do negro, a mãe do índio, a mãe do gay, a mãe do faminto, a mãe que apanha, aquela que não quis ser mãe, a que não pode ser mãe. Ser mãe já dói tanto quando você pode dar o mínimo ao seu filho. Penso na mãe que não pode dar segurança, alimento, penso na mãe que dorme a noite achando que seu filho pode apanhar, pode chorar, pode morrer. Todos podem morrer. Mas, mães não deviam se preocupar também com isto. Não porque seus filhos estão com fome, frio, porque estão sem emprego, porque são negros, índios, gays, porque votam neste ou naquele candidato. Mães já têm coisas demais com que se preocupar.

Não fizemos absolutamente nada por anos a fio enquanto sangravam a pátria com desvios, fraudes e descalabros ( ou você é daqueles que acham que a desonestidade só passou a existir quando o PT assumiu o poder? - ou se decepcionou porque votava no PT e achava que eles não iriam ceder jamais à tentação, ingênuos...), assistimos ( se você tem a minha idade) aos desmandos da ditadura, a era Collor, a compra de votos da era Fernando Henrique ( entre tantos outros escândalos abafados do PSDB e vários outros partidos) e depois de tantos anos vale a pena destilar veneno pelo canto da boca contra quem pensa diferente de você porque agora existe internet e o grupo da família mostrou um vídeo que te deixou indignado? Vale a pena dar voz a um grupo que apoia quem acha que pode sair descontando sua raiva pessoal e suas frustrações em minorias? Que pode cravar suástica na pele de feminista, pode dar porrada em gay, pode escolher qual religião é mais relevante, pode decidir se a mulher estuprada pelo ex companheiro deve ou não carregar um bebê por nove meses no seu útero?

Vou te dizer o que é ser patriota, amigo. Ou melhor, vou te dizer o que é ser humano. Porque ser patriota é uma idiotice. Eu amo meu país e jamais sairia daqui porque imbecis o habitam. A geografia não tem culpa. A hidrografia também não. Tampouco o idioma. Ou a bandeira, ou o hino. Ser humano é pensar no amiguinho do lado. Mesmo que ele não esteja tão do lado assim. Talvez você more em uma zona mais confortável como eu, mas ainda se preocupe com aquele que tem fome, ou dor, ou não tenha onde morar. Não precisa ser comunista e dar sua casa ou deixar de ter um celular para desejar que o coleguinha não sofra e talvez você até consiga fazer alguma caridade, algo ao seu alcance, ajudar uma ONG, levar roupas usadas a um asilo, fazer roupas para crianças de rua... Não precisa ser comunista para desejar um pouquinho de paridade social. Um pouquinho menos de fome. Um pouquinho menos de frio. Um pouquinho mais de paz.

No fundo acho que todos desejamos justiça. Todos desejamos que haja menos corrupção. Todos desejamos que o dinheiro vá para onde realmente precisa ir. Mas, nem todos querem vingança. Nem todos estão p da vida porque perderam seu poder aquisitivo, nem todos querem ver sangue. Muitos querem apenas que o país ande, encontre seu rumo e cresça. Acredito que tem muita gente que não gostaria, como eu, de estar votando em A ou B neste segundo turno. Que apenas querem ver parar a sangria, a violência, a falta de oportunidade, a fome, a escuridão. Querem apenas que pessoas parem de falar em meritocracia em um país como o nosso, que boa vontade nem sempre supera uma escola paga de período integral, que é difícil agarrar oportunidades com fome ou dormindo em um quarto com goteiras. Não é vitimismo. É bom senso.

Então não meu importa seu voto. Nós já perdemos. Perdemos quando descobrimos que alguém acreditou nas mamadeiras com bicos em forma de pênis ou que gays passaram a andar ainda com mais medo nas ruas. Perdemos quando queimaram a história e disseram que Hittler era comunista, quando disseram que não temos uma divida histórica com negros, perdemos quando a imprensa passou a valer o mesmo que uma mensagem de whatsapp de um grupo  qualquer. Perdemos. Mesmo se ganharmos, perdemos. Perdemos o respeito pelo próximo, pela opinião alheia, pela liberdade de discordarmos. Todos perdemos.

Pensando bem, nem todos. Irão ganhar aqueles cujo apego ao vil metal impera. Irão vencer os de sempre. Os que sempre vencem. Aqueles que estão do lado forte da corda, os que vendem a mãe, os que se importam mais com a cotação da bolsa do que com um poema ou o beijo do filho no final da noite. Aqueles que pouco se importam com quantos irão morrer com balas zunindo pela noite, pois estarão no conforto de seus palacetes, onde sempre estiveram. Impassíveis. Acreditando-se impolutos. Dando entrevistas cheias de justificativas para cada fato negativo, como sempre fazem, como sempre fizeram.

E então, aqueles que os puseram no poder terão que se decidir: ou se afogam em amargura e direcionam seu ódio a outro alvo ou percebem que o inimigo é outro. Não é quem tem fome, não é o índio que estava aqui há quinhentos anos, não é o nordestino cuja terra os governantes parecem fazer questão de esquecer. Não é a mulher pobre que aborta porque não pode sustentar o filho que o ex companheiro fez e abandonou ( porque a mulher rica a gente sabe que aborta em lugar seguro amigo, você aprovando ou não), não é o imigrante que vem de um país que você odeia tirar o seu emprego ( porque quando você tira o emprego de alguém nos EUA, você nem liga). O inimigo é aquele que não se importa com mais nada. Somente com ele próprio.