sábado, 9 de agosto de 2014

Vovô, Estou Com Saudades......

Seu Antonio,

Hoje me bateu uma saudade louca... Me lembrei de como o senhor dizia .... "deixa a menina..." me lembrei das palavras cruzadas de tabuleiro com letras de madeira em Santos, do 21, do rouba monte nas tardes de chuva sem praia nas férias de janeiro.Da enorme quantidade de tralha que o senhor ajudava a gente a carregar para a praia, o baldinho, as raquetes, a prancha de isopor. Das esculturas na areia... Dos passeios no centro onde o senhor me mostrou pela primeira vez um tabuleiro de xadrez na praça. De levar pão para os pombos no tempo em que pombo era um bichinho encantador que vinha comer na palma das nossas mãos e a gente achava o máximo! Das cocadas e queijadinhas das senhoras vestidas de branco nas barracas da biquinha.

Me lembrei do quanto o senhor amava ouvir no radinho de pilha o mesmo jogo que estava passando na tv. Do banquinho poleiro na sacada, e de quanto o senhor adorava as sacadas dos apartamentos que teve. Dos desfiles de carnaval na Av Presidente Wilson em que o senhor me punha sobre o muro para eu enxergar melhor. Dos passeios no Aquário, onde os mesmos peixes pareciam sempre outros a cada visita e das brincadeiras no labirinto do parquinho do Pelé. Me lembrei das intermináveis viagens na perua para ir e voltar da escola, sempre a primeira, sempre a última e do orgulho secreto que eu sentia por ser a neta do "Seu Antonio da Perua Escolar". Senti saudades da soda diluída no vinho e do senhor dizendo para a vovó que era pouco vinho, só para dar cor na soda... Do primeiro passeio de bicicleta sem rodinhas no parque dos trabalhadores no Tatuapé e dos balões de junho com cola de farinha, cujo breu pegava fogo antes mesmo de atingir mais que cinco metros de altura.... Das pipas empinadas na praia que o senhor me ensinava a colar, com papéis de seda de tantas cores, com rabiola comprida, sempre de jornal... Eu queria fazer alguma coisa pouco comum e era sempre sua voz dizendo: deixa a menina....

A casinha de bonecas da rua dos Bancários ( mesmo que tivesse sido construída para a mamãe), o primeiro gravador com os tres irmãos cantando o sucesso do momento: Assassinaram o Camarão dos Originais do Samba. Tenho esta fita guardada até hoje. Foi no natal em que ganhei meu primeiro jogo de xadrez. Presente seu. O balanço da Fazendinha, o caramanchão. As tardes de domingo ouvindo no aparelho antigo da Vozzo o disco de vinil grosso tocar pela milésima vez a Nega Maluca, o Chapeuzinho Vermelho e a Formiguinha e a Neve ( e irremediavelmente eu acabava às lágrimas ao fim da faixa, morrendo de dó da formiguinha). Depois da sessão infantil, o senhor punha lá seus tangos em 78 rotações e mal sabia que anos depois eu adoraria Gardel graças àquelas tardes. Me lembro do pé de tomate da Emboaçava que o senhor ensinava a regar, me lembro que quando jogava o Corinthians tudo mais parava ao seu redor. Me lembro do seu gosto pelos faroestes, de quando John Wayne me mantinha sentada quietinha ao seu lado na sala, mesmo que eu não estivesse entendendo lhufas do que estava passando.

Hoje senti saudades de quando andávamos até o Morita para comprar alguma coisa, o senhor sempre adorou um supermercado, não é? Tenho uma vaga lembrança do apartamento do Embaré, eu era menina ainda, mas embora os detalhes me falhem, algumas coisas ainda parecem tão claras para mim.

Eu cresci, e um dia apresentei ao senhor meu futuro marido. Sempre economizando palavras, enquanto a vovó tinha milhões de coisas para dizer sobre o Afonso, o senhor me disse apenas: "- Você está feliz?" Eu estava e eu nunca vou esquecer aquele abraço que o senhor me deu naquela tarde.

Eu casei. Meu apartamento era tão pequeno que eu tinha que convidar as pessoas para almoçar aos poucos. Chegou sua vez. O senhor e a vovó foram almoçar em Guarulhos, meu primeiro apartamento e eu fiz panquecas. Em trinta segundos o senhor conheceu o apartamento todo e na cozinha apenas me perguntou: "- Você está feliz?" Eu estava e mais uma vez só tive a aprovação em seu rosto. Não sei se as panquecas estavam boas, mas o senhor só teve elogios para nós dois naquele dia.

Então eu engravidei. E o senhor fez com meu filho o mesmo que fazia comigo, adorava transgredir. Apesar dos protestos, ligava a mangueira e dava na mão do Bruno para ele molhar o jardim, sabendo que ele iria molhar a casa toda e mais um pouco. E quando eu e vovó protestávamos o senhor dizia: - Deixa o menino....!" Naquele galpão do fundo da fazendinha o senhor apresentou ao meu filho parafusos, martelos, uma tesoura de poda que o senhor deu para ele cortar a grama apesar dos meus protestos e uma mesa de bilhar, quando o taco era ainda maior do ele podia ser. Fazíamos churrascos até tarde, quando o senhor se recolhia, já cansado mais cedo e dizia que podíamos ficar até quando quiséssemos. Sua generosidade nunca teve limites. Certa vez, quando me visitou em Vitória e eu quis lhe apresentar a cidade, soube que ao chegar em São Paulo, disse à mamãe: "- Coitadinho do menino, ela arrasta ele prá todo lugar com aquele chinelinho...." se referindo ao Bruno e ao fato de eu andar demais com ele a pé. O senhor sempre amou seus filhos e netos de uma forma peculiar. E sofreu calado todas as dores que tivemos e apesar de amar meu pai, sabemos que não foram poucas.

Sempre me dói pensar que eu nunca deveria ter ido embora do hospital naquela tarde. O senhor me mandou embora e eu fui. O senhor me disse que estava cansado e eu acreditei. É um destes arrependimentos que a gente leva para a vida toda. Mesmo se eu vivesse várias vidas ainda assim não teria como lhe agradecer o suficiente por tudo o que o senhor foi
para mim. Sei que neste momento o senhor está no "céu dos vovôs que foram cedo demais embora" apreciando as vitórias dos seus netos e bisnetos, os que o senhor conheceu e os que não conheceu, inclusive o que carrega orgulhosamente o seu nome ( meu sobrinho lindo).

É comum para mim sonhar com o senhor. Ouvir sua voz, seu jeito meigo e carinhoso de sempre querer nos colocar em primeiro lugar. E hoje, ouvi tanto sua voz em sonho que quis escrever em sua homenagem. Quis, de alguma forma dizer a todo mundo como o senhor era especial. Eu tenho certeza que se fosse vivo estaria ralhando comigo, dizendo que não fazia nada de mais. Além de generoso o senhor era modesto. E muito. Iria me perguntar se não tenho nada para arrumar, se o chuveiro não precisa de um ajuste, se não há lâmpadas para trocar.

Hoje senti saudades suas. Sinto sempre. Mas hoje a saudade está maior. Mais apertada, mais urgente. Sei que o senhor, de onde está, toma conta da vovó, da mamãe, do titio e de todos os netos e bisnetos. Sinto que quando preciso eu rezo tanto que o senhor nunca falha em me ajudar. Sinto que o senhor está sempre por perto quando preciso. Mas hoje eu senti uma imensa necessidade de falar com o senhor, de um jeito que todo mundo saiba como o senhor está presente e de como eu continuo lhe amando incondicionalmente. Eu sei que o senhor está por perto e vai saber disto que eu postei, de um jeito ou de outro.

Nunca deixe de habitar meus sonhos, pois não posso esquecer sua voz. Saiba sempre que deixou uma família exemplar, com filhos, netos e bisnetos que só lhe deixariam orgulhosos. E nunca, nunca se esqueça: eu te amo incondicionalmente.

Seu Antonio, sinto muita saudade........

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Mensagem A Meu Filho

Bruno,
 
 Sei que você gosta de ser discreto, mas meu menino, me deixe ao menos hoje eu ser a mãe mais indiscreta do planeta: VOCÊ PASSOU! Você hoje é oficialmente o mais novo aluno de mestrado de computação da UFES!

Você é o cara! Com tua idade você é Cientista da Computação, terminando uma Pós Graduação, iniciando um Mestrado na área, tem dois empregos ( um que te dá dinheiro e outro que lhe dá conhecimento e prazer mais do que grana) e ainda acha tempo para tocar baixo, namorar, jantar com teus pais e levar tua mãe no cinema ( ou assistir cinema em casa com a mamãe, também vale!).

Você é o cara que vai dormir às duas da manhã e levanta às seis, mais bem humorado do que muita gente que eu conheço. É você que senta ao lado do seu pai para ensiná-lo a mexer com o telefone novo ou ao lado da sua mãe para dizer que vai colocar um atalho para que eu possa abrir a página do TS mais facilmente.

Filho, você é o cara! Eu chorei tantas vezes em silêncio por saber que nunca poderia ter outros filhos, mas o outro CARA, “aquele lá de cima”, sabia o que estava fazendo. Só pude ter um filho, mas convenhamos, ELE me deu “O Filho!”.

Nunca fui uma mãe convencional e ninguém mais do que você sabe disto. Mas você precisa saber que valeu cada segundo. Valeu cada minuto de noite mal dormida, cada brinquedo fora do lugar, cada estória contada quase dormindo na beira da tua cama. Valeu cada vez que você chegava chorando dizendo: “- mãe, mas os outros fazem ( ou não fazem, whatever )” e eu te dizia: “- filho, você não é igual aos outros, e teus pais não são pais dos outros!” Valeu tudo!
 
Valeu aprender sobre jogos de computador, RPG, Senhor dos Anéis, cartinhas de magic e todas as coisas mais doidas que você chegava contando ou querendo me mostrar. Valeu te incentivar o prazer da leitura, valeu dizer que fazer o que se gosta não é perda de tempo e que gostar de vampiros, zumbis e outros figuras estranhas não é coisa do Diabo ( rs,rs). Valeu ter coração de pedra para te dizer não sempre que era necessário, te ensinar que não dá para ter tudo, te mostrar que grana não cai do céu e frustrações existem para nos tornar mais fortes. Valeu ter discutido tudo com você, de religião à Star Wars, de outros universos ( lembra do Ricardo, teu professor de natação cheio das teorias da conspiração?) à importância dos valores humanos, do sujeito que te atazanava no colégio ( veja lá onde ele está agora e olhe para tudo o que você já conquistou) à necessidade de comer pimentão – tá você continua odiando pimentão, mas pelo menos eu nunca fiz purê de pimentão, como eu fazia de brócolis ou abobrinha, com o pimentão eu peguei leve, rs,rs...

Você foi o orador da sua turma de pré escola, junto com o Victor Lemos, porque vocês dois eram os únicos que tinham aprendido a ler e tinham condições de falar lá na frente. E quer saber? Você é tão incrível que até para ter amigos é especial. Fico muito, mas muito feliz mesmo em saber que hoje, além de você, meu filhote meio que adotado, o Victor, é o outro nome na lista de aprovados do mestrado.

A vida é isto meu filho. Nós somos tudo aquilo que lutamos para ser. Eu sei que você vai se lembrar das nossas intermináveis discussões sobre justiça, sobre sempre ter um mais esperto que se dá bem sem fazer esforço ou ter méritos, e como você achava isto irremediavelmente errado e eu não tinha uma resposta pronta para isto ( tinha, mas você não tinha idade ainda para entender minha explicação). Hoje, a resposta é clara. Os caras espertos sempre vão existir, mas nem sempre vão se dar bem. Alguns vão se dar bem sempre, contando com a sorte, mas nunca poderão dizer que são homens de verdade. O caráter, a honradez e o orgulho do nome que você carrega são coisas que os caras espertos nunca vão ter, ao contrário de você. Essa sensação de conquista que você está sentindo eles nunca vão sentir e isto não tem preço.

Valeu filho, você é o cara! Eu e teu pai não temos mais espaço para tanto orgulho! Continue na tua batalha porque você vai longe, muito longe nesta tua caminhada. Continue fazendo o que você ama! Sempre. Lute pelo que você acredita. Espero que um dia você possa sentir do teu filho o mesmo que estamos sentindo de você, porque é uma sensação incrível!!

Da minha parte, eu continuo aqui na torcida, sempre ao teu lado, sempre disposta a te ouvir e a opinar, se assim você o quiser. Vou continuar querendo saber tudo sobre Dark Souls, sobre aquela música incrível que você está tirando no baixo, sobre o cliente que insiste em dizer que existe uma forma de registrar “crédito negativo” e sobre como você está feliz ao lado da sua namorada. Vou continuar te lembrando dos remédios, te mandando levar o guarda chuva e a jaqueta, e cozinhando aquela carninha com batatas assadas que você adora. Te pedindo para dirigir com cuidado, para me mandar um torpedo de vez em quando para dizer que está tudo bem e querendo que você durma um pouco mais cedo. Porque é isto o que as mães fazem. Plantam uma árvore, regam por anos com cuidado e quando ela floresce, a gente senta para admirar com orgulho, certa de ela irá gerar sementes tão boas quanto o possível.

Te amo filho, mais do que você só irá entender se um dia tiver filhos! E sei que falo pelo seu pai também!

E você passou, porra!!!!!!!!!!!!!! Em décimo lugar, estudando apenas uma semana!!!!!!!!!!!! Você é foda!!!!!!!!!!!! ( pronto, esta é sua mãe cara, e como nós dizemos sempre: mil palavras nunca substituem um bom: Você é Foda!, certo?)

Parabéns, meu amor!

Bjo!

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Por Que Amamos Séries?



                          



Você tem dezesseis, trinta e dois, cinquenta ou setenta e quatro anos. Estuda, trabalha o dia inteiro, cuida com amor dos seus filhos ou todas estas coisas juntas. Não importa. Tem suas contas para pagar, o carro para deixar para lavar, o botão que caiu da camisa do uniforme de seu filho para pregar, as compras da semana, o relatório para seu chefe, aquele trabalho de escola sobre algoritmos e tantas outras várias coisas que ocupariam páginas diversas de texto por aqui. 

Tudo bem. Você não se importa em fazer todas estas coisas, apenas algumas ou várias outras, desde que naquele seu momento de paz, aquele em que você já pôs as crianças para dormir ( ou dependendo do caso você é que esperou seus pais dormirem),o marido já capotou em frente da televisão, seus pés estão finalmente erguidos sobre o pufe  e uma xícara de chá fumega ao seu lado e você consiga enfim assistir seu seriado favorito.

Não importa se você o segue pela tv ou se, dado o horário, se obriga a gravar e assistir depois, ou talvez você acompanhe sua série pelo computador, em tela menor que o habitual, mas certamente à frente dos mortais que dependem da grade televisiva. Certo mesmo é que nesta hora o mundo parece parar ao seu redor. São  em  geral, quarenta  e  dois  minutos dispensados a incluir você em outro mundo, cheio de casos policiais, vampiros, morto vivos ou em companhia das pessoas mais engraçadas do planeta.


Nada explica  porque simpatizamos mais com uns do que com outros personagens. Sejam vilões, mocinhas em apuros, delegados, médicos, advogados ou representantes da maldade  na terra, não há muita explicação lógica pelo apego. Claro que tendencialmente a simpatia recai na maioria dos casos sobre o cara boa pinta cheia de charme ou a moça inteligente que defende o mundo do mal, mas isto nunca é uma regra. Às vezes personagens com os quais não temos qualquer afinidade e que de modo algum representam nosso caráter nos atraem da mesma forma ou mais. 
 
Ok, mas isto é comum nos livros, personagens que invadem nossas vidas enquanto devoramos páginas e páginas de estórias diversas, por que então séries são tão boas ou melhores que a boa brochura? 



Para isto existe mais do que uma resposta. A primeira e mais óbvia é que livros, para ávidos leitores, tem uma curta duração, algumas pessoas ( tipo eu ) podem dobrar uma noite em busca do final da estória, mas dois ou três dias depois aquela emoção vai diminuindo, aqueles personagens  vão lentamente se retirando de minha mente e deixando espaço para o que vem a seguir ( claro, existem livros e personagens inesquecíveis, mas mesmo estes aos poucos vão deixando a emoção de lado para tornarem-se uma grata lembrança). Séries de televisão duram muito mais tempo. Se você tiver sorte e resolver acompanhar uma série fadada ao sucesso, poderá conviver quatro, cinco, dez, quatorze anos com aqueles personagens que, em última instância passam a fazer parte de sua vida. 

Você já se pegou conversando com uma amiga sobre uma série que você ama?  

“ – Deus, como puderam matar o Will? Será que a Alicia  não tem direito de ser feliz? Estou  arrasada com a morte dele...”
“ – Nossa,  nem me diga, chorei tanto. Só espero que ela não  volte para o mulherengo do marido, ela merece alguém que a faça feliz de verdade...”



Pode ser que os nomes sejam diferentes, mas com certeza fãs de séries já viveram, em alguma ocasião, uma conversa deste tipo. Em um certo momento nos pegamos tratando estes personagens como se fossem membros de nossa família, pessoas as quais conhecemos os gostos, os desejos, as frustrações.

Não é para menos. Eu costumo dizer que vivemos em busca das nossas realizações e, podemos atingi-las ou não, mas para todo o resto, existem as séries de tv. Através delas exercemos o sagrado direito de viver uma felicidade extra, de vibrarmos com uma conquista que por hora nos escapa, de punirmos o vilão do dia a dia que foge do alcance da justiça diária e real. Podemos amar o médico casado e fiel, lindo de morrer que ainda lembra-se de levar flores para a esposa, a advogada que além de competente, linda, fashion, ainda sonha em fazer geleia para o homem que ama, que por acaso é o presidente dos Estados Unidos. Naqueles quarenta e três minutos somos o longo braço da lei que puni o criminoso, mas sempre sobre o salto sete e meio de uma belíssima bota preta. Não vem muito ao caso se nosso dia foi ruim, porque naqueles quarenta e tantos minutos eu serei amiga do príncipe, da bruxa má e da chapeuzinho vermelho, talvez me anime o fato de saber que não sou somente eu que fico arrumando ordenada e compulsivamente os objetos na minha casa, porque afinal meu personagem predileto tem TOC e consegue ainda ser um grande cara. E sabe aquele vestido pregueado  que eu jurava estar fora de moda? A minha heroína está vestindo um quase igual e quer saber? Ela está linda, sua melhor amiga na série até elogiou.



Claro, nem todas as séries são assim tão fáceis de se buscar identificação. Quem assiste e ama Walking Dead, True Blood, Fringe, The Originals ou Agents Of Shield, o que busca em comum, o que espera ver, o que espera encontrar que o satisfaça? Simples: todas as séries tem uma plataforma comum, uma espécie de receita, onde, independente do bolo servido, a satisfação seja a mesma. Você troca o coco pelo morango, o doce de leite pelo chocolate, mas o prazer é o mesmo. Todas as séries tem aquele mocinho lindo que você adoraria que fosse seu namorado, uma mocinha despachada, super na moda, com um peso em geral muito abaixo do seu, que deveria ser você se o mundo fosse justo, um amigo fiel e carinhoso que nunca trai sua confiança, ao contrário daquela víbora, aquela  a quem  você pensou que  poderia confiar seus segredos e quebrou a cara. Tem o cara te faz rir porque afinal sua vida precisa atualmente de umas boas risadas e há o vilão, aquele que esconde nossos mais obscuros segredos, aquelas porradas que você quis dar sabe Deus em quem, aquela vontade de poder de vez em quando sair da linha, não ser tão certinha, mas que você nem cogita, pois pode fazer você terminar seu dia em uma delegacia de polícia nada virtual.



Amamos séries não porque nossa vida não é suficientemente boa, mas porque ela pode ser infinitamente melhor se derramarmos  nossas expectativas e frustrações nos ombros de alguém que pode sorrir ou chorar sem dar explicações a ninguém. 
 
É bom termos notícias do Hotch, da Meredith, do Governador, do House, da Mellie. Elas surgem com certa facilidade, em um privilégio que a vida não nos oferece chamado spoiler. Podemos até influir em seus destinos, assinando petições, pedindo para a Emily voltar. Podemos inclusive fazer maratonas, de três, quatro ou sete horas, para sabermos de uma vez o que o destino reserva para nossos mais íntimos amigos, se eles irão ter sucesso ou se iremos de novo sofrer pelos caminhos percorridos por eles. E por mais irreal que pareça, podemos reescrever a estória deles através das fanfics, aquelas palavras incrustradas no papel de forma a mudar o rumo da estória que passa na tv.




O fato é que, aquele que é fisgado uma vez pelo apelo de uma série de televisão nunca mais volta a ser o mesmo. O bom show televisivo usa a batida fórmula igual desde sempre para, vestida com outros panos, capturar nossos desejos, nossas expectativas, e, por fim, preencher aquele vazio que temos quando não brincamos com mais ninguém. Não se trata de mascarar  a realidade. Trata-se de dar cor, de enfeitá-la com adereços que o dia a dia despreza, de adorná-la com um pouco de fantasia, de dar a ela o perfume e o brilho que merecem.  Trata-se de buscar aquele algo mais que perdemos  no decorrer de nossa caminhada, de  trazer, por um momento ou uma hora, um alento, agregado ao chá quente, ao cafuné que nos faz nosso namorado, um deleite que recebemos no silêncio que habita nossa residência, e de que nos lembraremos amanhã, quando o dia for mais difícil de encarar do que gostaríamos que fosse.

Sei que nada disto explica porque amamos séries de tv. Há muitos anos atrás existiam as novelas, que aliás ainda existem e se fazem presentes, mas nada se compara a trazer ao nosso convívio por anos a fio, aquele personagem de série que quase sempre nos assusta ante a possibilidade de ser cancelada, mas que, salva no último instante, nos revigora e nos faz comemorar sua futura presença. 



As mulheres que amamos nas séries são perfeitas e completas para que possamos respeitar nossas limitações e os homens são inatingíveis para que possamos conviver com parceiros não tão completos, nem tão desejáveis, mas que nos fazem felizes ainda assim. Os vilões são cruéis porque eles têm que representar tudo o que mais odiamos e, de certa forma, pagarem por aquilo que não conseguimos cobrar de nossa sociedade. 

Obviamente, ver séries nem sempre tem que ter um significado representativo. Podemos assisti-las apenas pelo prazer de conviver com Jack, Olivia, Morgan, Rossi, JJ ou Mellie. Mas certamente é um hábito que normalmente se enraíza e que, tendo a sorte de amarmos a série certa, nos fará convidar ao nosso dia a dia todas estas criaturas nascidas de uma mente fecunda, que estarão vivas em nossos sonhos, em nossos desejos, em uma rotina que se confunde com horas reais, que quase não conseguimos distinguir. 

Séries são feitas com lápis de cores que não existem no dia a dia. Se resolvemos nossos problemas em preto e branco, shows de tv fazem uso de caixas de lápis coloridos com trinta, quarenta tons diferentes, matizando nossas decisões, tingindo alegrias e tristezas com generosas pinceladas de tons que a vida desconhece. 

Portanto, na próxima vez que você se encantar por uma série, permita-se deixar levar pela fantasia, pelo absurdo que é torcer pelo bandido, pelo encanto que faz viver um mocinho que nunca existirá de verdade, pela mulher que você, por mais que tente nunca será por completo, mas que sem pedir licença, adornará seus dias. Permita-se sem culpa viver todas as mais loucas aventuras, que você em sua vida jamais conhecerá, permita-se transgredir e sonhar. 



É provável, que em algum momento, você se reconheça e se liberte, você ouse ir contra a corrente, você se permita ser a protagonista desta estória, mesmo que apenas por uns poucos quarenta e tantos minutos.  E não tenha vergonha de viver a vida alheia, criada em palavras para não ser nada mais que um texto em sua mente. Não se vive sem prazer, venha ele do lugar que vier. Com sorte, seu prazer poderá durar oito ou dez temporadas.....

Por que amamos séries de tv? Ora, porque elas são o alento que buscamos em dias difíceis e noites intermináveis, são a realização dos sonhos mais obscuros, são a cereja do bolo que não queremos dividir com mais ninguém. Séries, aquelas duradouras, dão vida à personagens que ocupam nossas salas de estar, deitam-se em nossas camas, fazem amor conosco, despudoradamente. E na manhã seguinte, seguem em frente, sem cobranças, sem tormentos. Não importa. Seguiremos em frente, realizando aquilo que se espera de nós, e, quando tudo estiver mais difícil, sempre nos lembraremos da mocinha, do herói, do vilão punido. 

E, vida que segue.......

sábado, 2 de agosto de 2014

Planeta Dos Macacos – O Confronto




É bastante difícil de dizer isto de um  blockbuster de ficção científica atualmente, mas Planeta dos Macacos – O Confronto superou minhas expectativas. 


Digo isto com uma pequena pontada no meu coração. O Planeta dos Macacos original, filmado em 1968 é um filme que marcou minha vida. Eu o assisti ainda muito nova. Tenho que admitir que a imagem da Estátua da Liberdade na praia é uma das imagens que mais me marcou cinematograficamente falando. 


Talvez porque seja uma imagem contundente demais para ser ignorada e mesmo sendo apenas linguagem cinematográfica, choca ainda mais com o passar do tempo e torna-se a cada dia ainda mais crível. Há quase quarenta anos, quando a vi pela primeira vez, senti-me pequena diante da imensidão de concreto mal jogado na areia. Até hoje é um dos momentos mais significativos do cinema, pois é uma visão que contém toda uma estória cravada nela. A estátua jogada partida na praia resume enfim a destruição da Terra como nós a conhecemos, o descobrimento de que o personagem principal nunca de fato esteve em outro lugar que não seu planeta de origem, a incompetência do ser humano em preservar sua espécie. Existe tanta informação naquela tomada de nove segundos, tanta desesperança contida na figura do homem de joelhos ( Charlton Heston em grande atuação, no papel do astronauta George Taylor, que depois de  séculos hibernando em sua nave, descobre que voltou à Terra após sua total destruição), um dos grandes exemplos do bom uso da imagem como um signo na linguagem semiótica. Fantástico!
  

Mas, voltemos ao filme de 2014. Se o filme original nos mostra nosso planeta devastado e dominado por uma nova espécie, Planeta dos Macacos – O Confronto nos mostra porque chegamos lá. Claro que boa parte desta informação vem do primeiro filme da nova trilogia, dando algum senso lógico para que macacos tenham de fato se desenvolvido, para que tenham aprendido a falar, entre outras coisas.


César ( Andy Serkis – que aliás já passou da hora de ser indicado para todos os grandes prêmios, inclusive o Oscar, dada sua atuação impecável, mesmo que discutidos os recursos de captação de movimentos) agora é pai, passaram-se dez anos desde sua fuga do laboratório onde era cobaia, e ele, enfim, tornou-se o grande líder dos símios que o acompanharam na rebelião. Ocorre que César é um pacifista, por amor e respeito a tudo o que aprendeu com seu protetor, o cientista Will Rodman ( James Franco, no primeiro filme da trilogia – A Origem). Não que ele ame os humanos. Ele tem a exata dimensão de que o homem que o amou e protegeu é apenas uma parcela da raça humana. Ele sabe que não são todos iguais e que o homem pode ser muito cruel e destrutivo. Por este motivo, César organiza e mantém sua comunidade isolada do contato humano, no meio de uma floresta. Com uma subsistência que despreza comodidades como a luz elétrica, a água encanada ou qualquer outro luxo, através de um respeito que beira um regime ditatorial, ele mantém os seus unidos. 


Por outro lado, a raça humana dizimada, vítima do vírus criado em laboratório, que ficou conhecido como a doença dos símios, sobrevive em grupos, pequenos guetos de resistência aqui e ali, que esforçam-se para restabelecer os princípios mínimos necessários para recomeçarem. O grupo que conhecemos nos primeiros minutos de    película é liderado   por Dreyfus   ( personagem interpretado pelo sempre ótimo Gary Oldman), um homem que tenta recomeçar em meio ao caos proporcionado pelo desespero e a ignorância dos que sobreviveram.  O objetivo é avançar floresta adentro para reativar uma usina ali instalada e assim, voltarem a fazer uso da energia elétrica, tão necessária para o homem que acostumou-se a tê-la como fundamental ( e aqui surge a primeira grande diferença entre símios e seres humanos).


A expedição de recuperação da usina é liderada por Malcolm (  competente trabalho de     Jason Clarke), que tem por companhia sua namorada, a médica Ellie ( Keri Russell), seu filho Alexander ( Kodi Smit- McPhee), e os amigos Werner (Jocko Sims) e o encrenqueiro Carver ( Kirk Acevedo). Neste momento começam a surgir os primeiros problemas. Em busca da usina, o grupo invade o “espaço” do grupo de César. Além da surpresa óbvia em deparar-se com macacos que raciocinam e são capazes de falar, Malcolm precisa garantir o sucesso de sua missão. 


Aqui surge a primeira tentativa de boa convivência de ambos os lados. César em sua política  pacifista autoriza a exploração da usina com uma única condição: que todos entrassem na floresta desarmados ( o que, obviamente acaba não acontecendo ). Malcolm, também um pacifista, além do fato de necessitar da autorização, aceita um  acordo que irá descobrir posteriormente, não poder cumprir.


Daí em diante tudo o que se vê é uma bem elaborada metáfora para todo e qualquer conflito no qual o ser humano habitualmente está envolvido. Existem os que acreditam na convivência pacífica, existem os ambiciosos, sedentos de poder, que na primeira oportunidade passam uma rasteira no seu igual, acreditando na máxima da sobrevivência do mais forte, existem aqueles que seguem o fluxo, que viram suas velas para onde sopra o vento. Aqui o longa-metragem  passa a discutir a convivência pacífica versus o incontrolável ódio da discriminação. Serviria perfeitamente para enquadrar o atual  conflito Israel x Palestina, mas também poderia estar enfocando os grupos de supremacia branca discriminando negros e gays. 


O filme é brilhante em seu óbvio argumento: o ser humano possui uma capacidade única para destruir seu semelhante, sem nunca lembrar-se que independente do credo, cor, raça, opção sexual, time de futebol ou partido político, iremos todos ter o mesmo fim, em uma caixa de madeira, inteiros debaixo de sete palmos ou em pó, adubando algum jardim ou alimentando alguns peixes.

A inversão de papéis apesar de ser incômoda, é totalmente crível, pois afinal, a raça de símios geneticamente evoluídos, faz senão defender e preservar sua espécie, coisa que nos pegamos fazendo todos os dias. Tanto mais tentem a paz, símio ou homem, mais sentem-se distantes desta possibilidade, porque o orgulho e o poder cegam e a compreensão de nossa existência é para poucos. É triste, mas totalmente verdadeiro. 


Matt Reeves, o diretor, constrói um filme com diversas camadas como um espelho reverso. César será pai novamente, e o filho mais velho é a síntese da oposição, da quebra de padrões, sem ter embasamento para isto. Como tantos jovens que vemos hoje em dia, que seguem o fluxo sem entender bem o porquê, Alex está buscando fazer o que é certo em sua opinião. E quando Koda sacrifica seu filho, que tem dúvidas justas sobre os métodos de seu pai, ele representa tudo aquilo que repudiamos em nossa sociedade atual, a corrupção, a ambição desmedida, o poder a qualquer preço. A discussão justiça x perdão permeia todo o filme, bem como a toda hora nos perguntamos quando terá sido o suficiente para os dois países hoje em conflito, em detrimento da morte de tantos inocentes.


Com uma maquiagem e efeitos especiais que certamente serão indicados ao Oscar, uma edição ágil, com muitos planos gerais, em close-up e planos de detalhe, além de uma trilha sonora pontual, Reeves constrói um filme incômodo, cheio de questionamentos e pesares. Cada personagem com captação de câmera acrescenta história aos currículos dos realizadores .


Os “macacos” são muito assustadores na medida exata entre a dor e a piedade, como se, pudéssemos classificá-los sem comprometimento. Em nenhum momento temos aquela sensação incômoda de boneco computadorizado ou fantasia mal elaborada. Tanto eles parecem reais que o close fechado no olhar de Cesar no início do filme e ao final me deram mais medo do que a maioria dos filmes de terror que tenho visto ultimamente. Da mesma forma o filho recém-nascido de César tem os movimentos suaves de um bebê e comovem no colo de sua mãe após o parto. 


Outro recurso bem utilizado é o som. Grandioso quando necessário, faz-se ausente em alguns momentos fundamentais, como por exemplo, o momento em que os homens veem a luz voltar a funcionar sem saber que seriam dizimados pelos símios impiedosamente poucos instantes depois.


Provavelmente o momento mais doloroso do filme seja o diálogo final entre Malcolm e César. Quando o humano diz que pensou que juntos pudessem obter a paz ( tendo a certeza de que isto nunca vai acontecer) ele acaba com todas as nossas esperanças na humanidade. Porque Cesar - o pacifista e toda a sua turma, somos nós de alguma forma. E entre eles ou nós sempre haverão vários  Kodas , dispostos a sacrificar até seu próprio sangue gananciosamente em busca de poder, seja em forma de dinheiro, violência, intimidação ou simplesmente maldade. O filme sombrio não deixa uma mensagem positiva. Ao contrário, como eu, Cesar e Malcolm estão cansados de esperar pela paz que nunca vem. E provavelmente nunca virá.


E para onde segue a trilogia depois de Planeta dos Macacos – O Confronto?  Em minha opinião, pela lógica, virá o domínio do mundo pelos macacos, atingindo o mesmo ponto onde foi concebido o filme original. Claro que, dada a concepção do primeiro filme, explicando a origem dos macacos desenvolvidos, fica difícil crer que o ser humano não saiba o que está acontecendo, como visto na película de 1968. Neste ponto, prefiro que não haja surpresa ou impacto  apenas para tentar igualar o choque do filme inicial. Até porque nada superará aquele final. É bobagem tentar algo como o filme dirigido por Tim Burton em 2001 onde ao final surge um macaco sentado na cadeira de Abraham Lincoln na entrada do Lincoln Memorial, um marco americano. Com o vírus símio criado em laboratório no início desta trilogia também aparentemente descarta-se a possibilidade do mundo ter se extinguido em função de guerra nuclear, como sugerido no filme original ( assunto que carregava um significado especial dada a situação do mundo naquela época: a qualquer momento esperava-se que alguém apertasse o famoso botão vermelho).  Fica claro, portanto que os roteiristas deverão caminhar por outras planícies para chegar à escravidão do ser humano. 

De qualquer forma, o grande  mérito de O Planeta do Macacos – O Confronto está em ser mais atual e representativo do que todos os outros filmes do tema. Além de grande diversão, o filme é a metáfora perfeita para tudo o que vivemos desde que nos entendemos por gente. Grande filme. Não perca!



Até a próxima!