Não
entendo como alguém pode passar por outra pessoa que lhe diz que
está com fome e ignorar um pedido de ajuda. Não dou dinheiro a
pedintes, mas não consigo negar um pedaço de pão. É comum em
minha vida negar esmolas, mas acabar alimentando alguém. Não se
deveria ignorar a fome.
Foi
com este mote que iniciei-me em inúmeras discussões com amigos, na
verdade, pessoas que eu achava conhecer muito bem, mas que ao final
da discussão descobri serem pessoas que eu jamais deveria ter
conhecido.
Parece
radical julgar pessoas pelo tipo de esmola que dão ( ou não),
afinal não sou nenhum tipo de entidade superior para sair julgando
pessoas. Mas, existe algo que me irrita profundamente: a certeza de
estar sempre certo. Há muito tempo me reconheci um ser em constante
estado de evolução. Aprender com o próximo, sair da bolha,
conhecer além daquilo que se vive. Todas estas coisas fazem de você
um ser mais aberto para reconhecer vivências que não são as suas,
mas que poderiam ser. Aprendi a respeitar aquilo que não posso
controlar. Como as marés no oceano ou furacões ou quaisquer outros
fenômenos naturais. Quem disse que não posso acabar passando fome
nas ruas? Que não posso acabar sem ter onde morar?
É
só refletir por alguns minutos e imaginar meu apartamento indo por
terra por um fenômeno natural qualquer. É só pensar que tudo o que
tenho hoje é efêmero, e que por qualquer capricho tudo poderia ser
consumido por chamas, por movimentos de placas tectônicas ou
qualquer coisa assim.
Minha
geração fixou como meta ter um carro. Um domicílio. Uma casa
confortável, um lugar para chamar de seu, cheio de coisas legais,
TV, som, uma churrasqueira maneira. Pois bem, foi o que conquistei
na vida. Uma residência, própria, confortável, adequada a quem
quer ter segurança para o resto de suas vidas. Mas, o conceito de
segurança mudou nos últimos anos. Para além de ter criado um filho
com as melhores possibilidades, minha geração não se preocupou
muito com o que seria o amanhã. Uma boa casa, um carro, um filho com
o melhor que a educação pode proporcionar. E só. E a
aposentadoria. Sim, a famigerada aposentadoria. Aquela remuneração
que nos traria alguma segurança quando não pudéssemos mais
trabalhar.
Então,
vou contar para vocês... a aposentadoria não dá para nada.. nem
pensem em contar com ela no final de suas vidas… A idade traz a
necessidade de medicações que não ficam mais baratas enquanto
você envelhece. Se os ossos estão com pouca vitamina D ou você não
toma sol suficiente, problema seu. Se a vista já não enxerga como
deveria, o governo não tem nada a ver com isto, e por aí vai. E,
agradeça se no percurso você não tiver um câncer ou outra doença
que demande muito de outros além de sua boa vontade.
Parece
um retrato cruel e é. De alguém que trabalhou a vida inteira, que
se dedicou, que se doou, e ao final precisará escolher entre ir no
final do mês ao aniversário da amiga no Outback ou comprar aquele
remédio que dizem ser fundamental para quem tem osteoporose.
Parece coisa escrita por alguém querendo fazer graça, mas não é.
É bem deste tipo. Nem todo mundo conseguiu guardar algum dinheiro
enquanto estava sobrevivendo.
E
então, sou julgada por alimentar com um pão com manteiga aquele que
diz ter fome. Me chamam de tola, cega, idiota e comunista. Só peço
que não me falte quem me dê um pão se um dia as coisas mudarem…..
Minha geração parece não compreender a necessidade das gerações
atuais e não compreende mesmo. Porque eu ainda olho para os lados.
Ainda me comove cruzar com uma criança na rua pedindo por comida.
Lembro do que abrimos mão para meu filho não estar na mesma
situação. E agradeço por ter sido privilegiada ao ponto de
podermos ter dado a ele além de alimento, educação, cultura e
aportes para que ele se tornasse o adulto que se tornou.
É
triste descobrir que você passou a vida lutando por justiça social
e encontrou-se com pessoas queridas te chamando de comunista ( sem
nem ao certo saber o que isto significa). Humberto Eco disse que a
internet deu voz a uma legião de imbecis, que antes apenas bebiam
uma taça de vinho e esbravejavam sem ter grande valia sentados em
bancos de bar. Hoje, pessoas que acham que te conhecem te massacram
porque você supostamente não corresponde a aquilo que deveria ser a
expectativa delas.
É
um retrato cruel? Claro que é. Daqueles que pouca gente tem coragem
de assumir. A vida não é vista aqui pelos filtros coloridos que o
Instagram oferece. No dia a dia não dá para disfarçar sua falta de
vontade de ajudar o próximo, sua preocupação maior consigo do que
com aquele que vai dormir em sua calçada. A vida não é um uma rede
social, com certeza não é. Não dá para fazer média com ela e
sair bonito na foto, se não puder colocar a cabeça no travesseiro
certo de que fez a sua parte. Você, e só você vai ter que optar.
Não importa qual sua opção, mas vai ter que dormir com ela em sua
consciência.
Pessoalmente
eu prefiro dormir bem. Achar que fiz alguma coisa, por menor que
seja. Nenhum gesto meu vai resolver os problemas do mundo, mas
qualquer coisa que eu faça sem vaidade, para ajudar alguém, acho
que está valendo. Vou alimentar alguém que me peça um pão,
comprar presentes para o Natal de uma criança que mandou cartinha
para papai noel dos correios, achar emprego para um ex funcionário
do edifício onde moro, doar roupas que não uso para alguém que
precisa, direcionar o óleo usado para uma comunidade que faz disto
sabão e vive disto para sustentar suas famílias. É uma gota no
oceano. Mas, imagine se cada um em sua casa fizesse só metade do que
eu me proponho….
Ah,
e se quiser me chamar de comunista por causa disto, dane-se! Não sou
eu quem vai perder tempo ensinando história para você. Nem vou te
dizer que acredito na lei do retorno, porque você não vale isto.
Sei que, sorreteiro, você vai ler o que eu escrevi aqui e pensar que
eu sou uma grande decepção. Problema é seu. Já passei da idade de
querer agradar a todos. Se agradar a mim mesma antes de dormir, já
me dou por satisfeita.
O
mundo não foi feito para a gente agradar ninguém, a menos que você
possa dormir com um sorriso nos lábios……...e hoje vou dormir
gargalhando…..
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