quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Grande Embuste

Raramente falo sobre política em blogs. Política, religião e futebol são coisas que aprendi desde pequena a não discutir, apenas respeitar, cada qual com sua opinião. Não acho que isto seja omissão da minha parte, no entanto, fujo daqueles lenga lengas intermináveis sobre a minha opinião ser mais significativa que a sua. Há anos deixei de tentar catequizar as pessoas. Se em uma conversa perguntam minha opinião sobre política eu deixo claro o que penso, mas não vou ficar tentando converter cristãos em muçulmanos. Isto ficou para trás, junto com os movimentos ativistas da época de faculdade, das passeatas pelas greves, dos protestos, entre outras coisas, que parecem ter acontecido há mil anos passados. Há muito tempo atrás descobri o óbvio: fazer é sempre melhor que falar. Faço o que acho importante e o que minha consciência me manda fazer.

Porém, hoje me surpreendi com um comentário de uma pessoa que julgava ser alguém que me conhecesse melhor. Alguém, que, porque sempre me ouve falar de amenidades, de música, de filho, de cinema ou receitas caseiras, me questionou sobre eu nunca compartilhar "nada interessante" no facebook. Tome-se por interessante aqueles quadrinhos que falam com indignação sobre a situação política do país, sobre o racismo,  homofobia, sobre matratar bichinhos ou sobre qualquer outra coisa que exija indignação. Ou sobre como cuidar melhor do planeta, entre outras coisas. Com quase cinquenta anos bem vividos, eu não deveria mais ter que me explicar sobre nada para ninguém, que não fosse talvez, o homem com quem divido a cama há vinte e cinco anos ou o filho a quem deixo por herança meus exemplos, mas tal comentário, vindo de quem veio, me incomodou profundamente.

No entanto, conhecendo a figura, melhor do que ela a mim, sem falsa modéstia, sabia que perderia meu tempo desfiando o meu rosário a um ateu. Pensei em explicar a tal criatura que eu leio mais sobre política, economia, e notícias em geral em um dia do que ela lê em um mês. Pensei em dizer a ela que acompanho de perto notícias sobre os vereadores, deputados, prefeitos, governadores e presidentes em quem já voltei com mais eficácia do que ela sabe dizer o nome do último vereador em quem votou na última eleição e que exercito meu protesto nas urnas e não em uma rede social. Pensei em comentar que reciclo meu lixo com mais responsabilidade do que ela, que apenas posta notas sobre como isto é feito nos países de primeiro mundo, mas não se dá ao trabalho de enfiar o lixo no carro e levá-lo até o depositário mais próximo de nossas residências, como eu faço semanalmente. Me atrevi a pensar que talvez, apenas talvez, eu faça mais pelo trânsito da minha cidade sendo gentil, dando passagem, não fechando cruzamentos, respeitando os ciclistas, do que ela, que, a despeito de postar constantemente notinhas sobre cidadania no trânsito, pára em fila dupla na porta do edifício onde moramos sem a menor consideração, apenas para que a filha dela não caminhe cinquenta metros a pé até onde seu carro estaria melhor estacionado. Também me ocorreu que, provavelmente, a despeito de todas a postagens sobre o respeito à diversidade, ela não tenha, como eu tenho, tantos amigos gays e lésbicas fazendo parte do seu dia a dia, e que ela jamais saberá, como eu sei, como é importante apenas respeitar a decisão das pessoas, coisa que me orgulho em fazer, sem qualquer alarde. Por fim, mesmo sem nunca ter postado ou compartilhado nada sobre o quanto o racismo é horroroso ou opiniões sobre  as cotas nas universidades serem ou não necessárias para reparar danos passados, como ela o faz com frequência, ela nunca terá, como eu tenho, tantas amigas e amigos negros, pessoas com quem eu posso contar no meu dia a dia, pessoas que são para mim minha verdadeira família, e que eu respeito porque são ótimos seres humanos e não porque são negros, brancos, azuis ou verdes.

Depois de rápidos e polidos comentários peguei o meu carro e no trajeto fui pensando no assunto. Onde moramos ela é conhecida por suas novenas, sua constante presença na igreja do bairro, entre outras coisas. Mas, não sei se onde ela vai rezar, seu "Deus", seja ele qual  for, perdoa a forma como a vejo tratando os porteiros do prédio, sempre arrogante e constantemente implicando com eles por bobagens. Ou se, por efeito espelho, ela se dá conta que, sua filha destrata, como ela própria, os mesmos funcionários, no melhor estilo " você sabe com quem está falando?". Não acho que meu "Deus" me escute menos porque converso com ele em qualquer lugar, no carro, no trabalho, na cozinha ou no banheiro. Não acho que ela mereça sequer que eu perca meu tempo pensando nela, porque o que ela prega impiedosa e furiosamente nas redes sociais, eu faço, quanto a ela, eu não tenho tanta certeza. Eu não acho que clicar em imagens na internet faça mais pela sociedade do que eu faço em silêncio, em sintonia com minha consciência. 

Uma coisa é uma saudável discussão entre pessoas interessadas em um assunto, debatendo, trocando informações, opiniões sobre quaisquer que sejam os temas, coisa que acrescenta de fato, outra é sair "compartilhando" - palavra que virou moda graças ao Facebook, mas que a maioria das pessoas sequer sabe bem o que significa -  só porque é bonitinho e todos compartilham também. Não uso uma rede social para que as pessoas me achem legal ( talvez por isto tenha algo em torno de "sessenta amigos" no Facebook ou no twitter e não dois mil e duzentos seguidores). Meus amigos de verdade têm que me achar legal porque de fato me conhecem e sabem como eu sou, o que faço, o que penso. Se eu precisar postar quadrinhos simpáticos e ideológicos nestas redes para eles me conhecerem melhor, é melhor eles nem me conhecerem. E nem eu a eles. 

O uso de ferramentas na internet perdeu a finalidade, na opinião modesta desta revoltada usuária. Ainda me divirto em grupos fechados, onde trocamos opiniões, informações e  brincadeiras específicas sobre determinado assunto, mas não estou preocupada em aparecer bem na fita. Todo mundo é feliz em uma fotografia que leva oito segundos para ser batida. Ninguém quer em um porta retrato a foto da sua infelicidade. Mas o facebook extrapola todos os precedentes. Lá todo mundo é feliz, todo mundo é politicamente correto, todo mundo luta por um mundo melhor. Todos conhecem magicamente a solução para todos os males que afligem a humanidade, que vão da resposta para o aquecimento global até decidir quantos filhos sua melhor amiga deve ter para ser feliz. Me parece uma vida plástica, meio de faz de conta, meio desesperada em busca de reconhecimento para se ser aceito. Às vezes, espiando por lá, me sinto no meio do filme dos Smurffs, sem os bonequinhos azuis e quase chego a ouvir o lá, lá, lá lá lá lá... lá, lá, lá, lá, lá....

Em um mundo de mentirinha todos são colaboradores, compartilhando apoio sentados confortavelmente em seus sofás ou em mesas de escritório. Leva tres segundos para você compartilhar um destes quadrinhos que diz que se você reciclar seu lixo o mundo será bem melhor, mas leva dez minutos para pegar uma tesoura, abrir quatro embalagens tetrapac de leite, lavá-las adequadamente com detergente, e colocá-las em um saco de lixo, onde, depois de alguns dias, eu levarei meia hora para levar este mesmo saco de lixo reciclável cheio para meu carro, pegarei algum trânsito e finalmente estarei  depositando-o em local apropriado, algumas quadras além de minha residência. E é assim para as latas de atum, litros de óleo e por aí vai. Visto desta forma, passa a ser bem mais difícil ser ecologicamente correto, o que, na minha opinião, leva a maioria das pessoas a optar pelo clique em curtir do Facebook. 

Este é só um mero exemplo, existem inúmeras outras comparações que poderiam ser feitas neste meu desabafo, mas logo me lembro que minha vizinha, referência neste meu comentário, nem merece outras considerações. Prefiro, da minha maneira, fazer as coisas que considero certas sem precisar fazer anúncio disto. Talvez nem todos me achem legal. A maioria talvez acredite, como a minha vizinha, que sou omissa, obtusa, alienada. Tudo bem. Eu preciso me achar legal. Na minha idade não preciso provar mais nada a ninguém. Eu preciso acreditar que estou fazendo o que é certo, não os outros. 
Antes eu me preocupava. Agora não. Eu cozinho para os meus amigos e amigas porque isto me dá prazer, não para ser popular. Eu faço agrado às pessoas que são importantes por que eu acho que elas valem à pena e elas nem precisam saber disto. Eu paro no farol antes de fechar um cruzamento, não só porque é lei, mas porque acho que é meu dever colaborar por um trânsito melhor. Se eu faço uma doação, não preciso fazer um anúncio no jornal. Se me preocupo com meu filho, não espero ser eleita a "mãe do ano".E por aí vai...

Quanto à minha vizinha ( sei lá se um dia ela vai ler isto e vestir a carapuça), tanto quantos aos amigos com quem vou "compartilhar" estas linhas, só posso pedir desculpas. Sou de uma época em que compartilhar tinha outra conotação. O tempo me ensinou a ouvir mais e falar menos. E só falar quando sentir necessidade. Hoje eu senti. Pelo bem ou pelo mal, precisava dizer que sou mais do que um "curtir" no Facebook. Sou mais do que aquela mulher perfeita, que compartilha coisas que beiram ao irreal, senão ao insensato. Sou cheia de boas intenções, mas não me queiram a mal, não há mais espaço no inferno para gente cheia de boas intenções. Sou daquelas que acham que de boas intenções o inferno está cheio. É preciso mais. Mais que um clique no "curtir", mais que "compartilhar" uma frase legal, mais que ser o sujeito "gente boa". É preciso ação. Atitude. E isto, sinto muito, não se faz clicando em nada. 

Tudo bem, amiga vizinha, ou talvez, agora o texto divulgado, amigo leitor. Eu vou continuar fazendo de conta que não uso o Facebook por falta de tempo e você vai continuar me julgando alienada. Mas, não espere de mim nas redes aqueles quadrinhos e mensagens politicamente corretas. Eu continuo sendo sacana e crítica, muito além das frases feitas. Se você quiser discutir algum assunto comigo, estou à disposição, mas faça isto através de palavras próprias, não se esconda atrás de citações históricas ou de efeito, isto é bonitinho na tv, na vida real a estória é outra.

E, para quem perdeu seu tempo lendo tudo isto e acha que não valeu à pena, fique tranquilo. Vou interpretar a falta de comentários sobre meu texto como um fato da vida. Será só mais uma vez em que eu fiz algo que não agradou à maioria! 

Meu mais sincero bom dia a todos! 

 

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