sexta-feira, 23 de setembro de 2011

VOAR, VOAR .....




Não sei explicar o que é voar para mim. A lógica e a ciência me dão todos os parâmetros necessários para que eu aproveite o vôo de forma tranquila e prazeirosa. Há, no entanto, um cadinho de mim, em qualquer canto do meu ser, que não se conforma com o fato de toneladas de ferro e seres humanos, entre outras coisas, estarem suspensos no ar, assim, pura e simplesmente. Não que eu teime em contestar o incontestável, mas há, neste momento uma espécie de relação de amor e ódio que se desenrola durante todo o tempo do vôo. Se por um lado minhas entranhas resmungam e se amofinam entre si, há por outro lado o fascínio do céu, daquelas formas de algodão, que todos os tons de branco que só a natureza é capaz de produzir, provocam.


Quem nunca vislumbrou a luz do sol por sobre aqueles flocos alvos e fluidos não sabe o que é chegar perto do paraíso ( privilégio para nem tantos assim, eu sei e lamento! Viajar de avião continua caro!). Com o estômago em frangalhos eu prometo a  mim mesma não desgrudar os olhos da janela pequena e insuficiente para a grandeza da missão ( sim, eu desafio meu pavor de voar, grudando-me sempre à poltrona da janela). Ora densas, ora quase fiapos, aquilo que dizem serem gases ou sei lá o quê, parecem  para mim parte do cenário de um brinquedo extravagante chamado de tantos nomes, ora banais, ora científicos. Para mim, apenas céu. Nuvens. Formas etéreas por onde, com sorte, entre elas, vislumbram-se campos, mares, prédios, pontes ou estádios de futebol. Nuvens são brinquedos. Que perdem a graça quando estão escuras em demasia, densas demais, tristes demais. É quando deixam de querer brincar conosco para fazer choacoalhar todo aquele monte de ferro no meio de um monte de nada sem fim. Quando perdem seu humor e espalham faíscas raivosas para nos fazer lembrar do quão poderosas podem ser, de que toda aquela beleza esconde também a soberania da natureza sobre a reles vontade humana.



Mesmo escuras e pesadas ainda assim me fascinam. Seus variados tons de cinza, embora me metam medo, também me mantém curiosa. Não foram poucas vezes nestes vinte e sete anos voando em que grudei-me aos braços frios da cadeira, rezando até para santos que nem conhecia, buscando acreditar que conseguiria chegar em paz ao meu destino, a despeito das nuvens carregadas e teimosamente furiosas.Quem vive o deleite dos flocos leves permeando a nave não deseja a turbulência perigosa de uma tempestade imperativa. Mas, tal qual tudo nesta vida, não se reconhece o sabor do mel sem antes ter-se  provado o fel. Voar é um pouco disto também. Um risco imenso ( por favor, não me venham com " é o transporte mais seguro...") para se alcançar o deleite da visão de algo perto, muito perto da perfeição. 





Voar para mim é assim, uma mistura de querer tocar as nuvens com a ponta dos dedos metida debaixo da poltrona, rezando e tentando me lembrar de todas as estatísticas favoráveis. 

Nem posso descrever então um vôo noturno. Decolar de Congonhas (SP) à noite é uma mistura de prazeres e sensações inenarráveis. Os imensos cordões de luz formados nas marginais e avenidas em horário de rush, são como a visão de uma imensa, gigantesca árvore de Natal iluminada, todas as cores, tamanhos, intensidades. E, à medida que se afasta da terra, aquelas luzes viram microlâmpadas perdidas no breu da noite, sinalizando com maior intensidade um monumento, um gigantesco letreiro, um arranha céus atrevido. Seguindo pelo mar, ainda à noite, é como brincar de batalha naval, onde pequenos barcos, iates e navios, pingam aqui e ali na solidão do tabuleiro enegrecido. 




Voar. É mais do que tudo para mim um tormento e um imenso prazer. Não posso explicar meu medo como não posso explicar meu encanto. Já viajei muito nesta vida. Viajei para passear, para ter meu filho na cidade onde nasci, para ser madrinha em casamentos, batizados, para rever amigos, viajei com lágrimas nos olhos para socorrer meu marido em uma UTI aérea, em prantos para enterrar meu pai, meus sogros, meu avô. Viajei para Natais, aniversários, formaturas, para comprar, para me divertir e para chorar as perdas irreparáveis da vida. Sempre, feliz ou triste, olhando pela janela pequena, as nuvens claras ou carregadas, buscando exlicações para elas como busco explicações para os fatos da vida. 

Um avião se sustenta no ar. Isto é um fato. O sol no horizonte, as nuvens etéreas, a escuridão sem fim e o reflexo de uma noite de lua cheia, isto não são fatos. São milagres da vida. Não importam quantas explicações científicas hajam para cada uma destas coisas, isto para mim são apenas motivos para me agarrar à poltrona ao lado da janela e, angustiantemente, brindar o fato de estar viva e poder presenciar, entranhas nas mãos, a beleza destes milagres.

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