quinta-feira, 13 de março de 2014

TRUE DETECTIVE ( 8 episódios) Entre O Breu Da Noite E O Brilho Das Estrelas, Você Escolhe O Que Vai Te Guiar....


( Contém spoillers )

Foram apenas oito episódios. Mas suficientes para narrar um enredo de dois anti heróis que vão entrar para a estória, detetive Rust Cohle – Matthew Mc Conaughey e detetive Marty Hart – Woody Harrelson, diga-se de passagem, brilhantemente incorporados por seus interpretes.

Para quem esperava algo de sobrenatural, algo de fantástico ou algo com explicações mirabolantes, foi uma decepção. Talvez porque a própria vida já seja fantástica, sobrenatural ou mirabolante o suficiente. Não houve a necessidade de mais um componente externo e esdrúxulo. Quis o destino que se unissem por razões profissionais dois seres completamente diferentes em concepção e definição  ( Rust e Marty) para a resolução de um assassinato com ares exóticos, características ritualísticas, a rigor, com tudo o que há que mais pavoroso em uma execução. Nada como um bom momento como este para você conhecer o cara com quem você irá trabalhar pelos próximos meses, quiçá anos. Um deles, o detetive local ( Marty de Harrelson) todo família, religioso, acomodado nos trilhos do departamento de polícia, o detetive “quadrado”. O detetive transferido para auxiliá-lo no caso ( Rust de Matthew), amargo feito fel, a saber-se depois seus motivos( a perda de uma filha em circunstâncias mal explicadas). Um cara fascinante, desacreditado da vida, cuja teoria mais coerente é que o ser humano evoluiu por um erro genético, e que o melhor que ele poderia fazer seria caminhar para o suicídio, a fim de exterminar a espécie dignamente e deixar a evolução retomar seu rumo.



A série se passa em três épocas diferentes, quando acontece o primeiro crime ritualístico em que a dupla trabalha junto, em 2010 e na atualidade. Aos poucos eles vão seguindo pistas, caso a caso, para chegar ao grupo de assassinos pedófilos que estão perseguindo. O grande problema é que neste meio tempo eles realmente encontram um assassino e o caso é dado como encerrado. Não vou entrar em detalhes para quem quiser saborear a série antes de ter lido, mas mesmo com o caso encerrado, eles acabam tendo uma enorme briga que os separam e selam seus destinos ( Rust acaba virando atendente em um bar em troca de local para morar e mais tarde, Marty se afasta do departamento de polícia e vai trabalhar como investigador particular).  

Como uma boa série policial, encontraremos pelo caminho várias das dificuldades destes seres que lidam com a escuridão ( eu sei, eu adoro um herói detonado, são os melhores - não quero lançar spoilers em excesso), mas posso dizer que rendem ótimas cenas que justificam ou , no mínimo, explicam a conduta de cada um deles. Sempre imaginei que homens e mulheres que trabalham em  prol da justiça ( detetives, promotores, agentes, policiais, etc...) vivem em um mundo menos colorido do que nós, seres humanos normais. No que diz respeito a isso a série, de apenas oito episódios é absolutamente fiel. Os detetives sentem-se incomodados com a má resolução de um crime tanto quanto uma mãe sente-se incomodada com uma lição mal feita por seu filho.



Ao contrário do esperado, o brilho da série não se encontra no inusitado, mas na mais banal das situações, naquilo em que o ser humano anda se especializando: na maldade, pura e simples, naquilo que nos torna tão ralos quanto um pires, a busca do prazer no sofrimento alheio. Não há uma crença, uma seita, uma justificativa plausível, há apenas o mal, a escuridão, que tanto incomoda nossos anti heróis.  Há homens maus que se aproveitam da inocência da criança para exercer a pedofilia, há a religião usada às avessas, para justificar os atos obscenos, há o mundo exatamente como  ele é. E isto choca mais ( aos crentes ou não) que mil demônios alinhados em busca de vingança.



Os oito episódios da minissérie se esmeram em nos mostrar que o mal existe e está aqui, à nossa vista, a qualquer momento. Bem como as tentações ( caso do detetive Marty em suas escapadas sexuais), tudo na vida tem um preço. Por vezes alto, por vezes, passando despercebido, não fosse o desempenho extraordinário de nosso anti herói, em reviver todos os detalhes do caso e não se conformar com o resultado.  De qualquer forma, a melhor forma de defini-los é mais ou menos esta, quanto mais você revira seu lixo, mais se parece com ele, ou, quem sabe, conosco.



Em oito episódios eletrizantes, True Detective não deixa cair a peteca, levanta várias possibilidades e procura se encaixar na teoria mais banal possível. Por que o mal é banal. Porque o que assombra é o mal ser banal.  Não mete medo o sobrenatural, porque nada supera o medo do normal, ou aquilo que nunca deveria ser normal. Vivemos o dia a dia buscando luz onde há sombras, buscando lógica onde há dúvidas, buscando salvação onde há o medo mais corriqueiro. E True Detectives mantem-se fiel porque não busca o estranho, busca o lógico, aquilo com que convivemos dia a dia e negamos existir. Talvez fosse mais surpreendente se trouxesse uma alternativa sobrenatural, mas a verdade é que nada nos amedronta mais do que aquilo que sabermos existir e fingirmos ignorar. O que nos mete mais medo é o real. Todo o resto podemos explicar. O vizinho que goza com imagens de crianças na internet, a esposa com amantes de variadas idades, o idoso que paga por prazer, o jovem que renega sua opção sexual para enquadrar-se. Se aceitamos ser diferentes, nós nos aceitamos ser  normais. E sermos normais é o nosso diferencial. Não nos importa  comemorarmos sermos diferentes. Nos importa comemorarmos sermos normais ou não, não importa o que você escolha pensar.



Não creio que a próxima temporada de True  Detective possa ser melhor que a primeira. A inocência que rege a temporada anterior deve se extinguir às explicações subsequentes, e talvez se possa salvar alguma coisa não antes mencionada. Não há motivos, além da maldade e da tendência à pedofilia que não se explique além do óbvio, no entanto. A menos que eles partam para um novo caso, em um novo local, com novos agentes.



Entre tantas coisas que poderia dizer sobre a série ( optei por não dizer demais para não estragar o prazer de quem ainda não a assistiu), talvez a mais significativa seja aquela que define aquele que assiste o mal: você vai encarar um copo com pouco refrigerante ou o copo quase cheio daquele refrigerante que você ama consumir? Qual seu ponto de vista? Nós temos salvação?



É claro que a série nos deixa um vácuo para analisarmos de acordo com nosso gosto, mas de qualquer forma, há um reforço no sentido de acreditarmos na humanidade. Hust questionando   seus próprios sonhos nos enche de esperança enquanto tentamos esquecer suas referências contra a existência. Tudo nos encaminha para acreditarmos no copo cheio, mas a crença é sua, o desejo é seu. Meu desejo está bem resolvido, sabe bem o que quer, sabe que lado do copo irá escolher. Talvez um dia isto se explique. No momento, só sou aquilo que não queria terminar assim.........Talvez o perdão, talvez a aceitação, sabe-se lá, com que nome surja, Não podemos perdoar aquilo que não entendemos, não podemos perdoar aquilo que não aceitamos, mas podemos perdoar aquilo que vem a nós através do amor.....Que o amor possa perdoar todas as nossas intenções.....

O mais interessante é a troca de pontos de vista que surge ao final da série, no que diz respeito a nossos anti heróis. Eles passam os oito episódios fundamentalmente discordando, de forma absurda, pois afinal, aquele que crê ( em algo, não vem ao caso o que) é aquele que trai a esposa, não valoriza a família unida que tem, busca a perversão no corpo de uma mulher sempre mais jovem e mais pura. Por outro lado, aquele cuja vida de sua filha foi tolhida de forma abrupta, estúpida e inesperada, é aquele que desacredita, aquele que acha que a humanidade é apenas um erro cromossômico, que não deveria ter desenvolvido inteligência própria. Em vias de regra, ele deveria ser o cara a apegar-se a alguma coisa, fosse ela o que fosse, religião, seita, profecia, visto que deveria acreditar que haveria um lugar onde ele voltaria a rever sua filha.  Parece que a experiência no labirinto o leva a isto. Paradoxalmente, eles invertem seus pontos de vista e Rust passa a achar que existe um motivo para estar vivo, enquanto Mart acha que tanta maldade acaba com qualquer chance de absolvição “ a escuridão parece estar vencendo...”



No fundo, é a mera análise de dois seres que se consomem frente ao absurdo da existência humana, que se extinguem frente ao mal que sabem existir, que se esgotam de tanto tentar, tentar, acertar, acertar. Como apreciação destes dois seres ditos da justiça, a série, embora curta, cumpre seu dever, rachando figuras consistentes e simbólicas, do bem e do mal que os cerca. Enquanto a filha de Marty brinca ingenuamente com seus bonequinhos onde uma mulher machucada é cercada por outros bonecos machos, sem uma explicação adequada, em um mundo de total faz de conta, outras mulheres em um outro mundo, lutam ( ou não) por um pouco de dignidade, por respeito ou mesmo para não sentirem dor. Interessante, porque quando Mart surra os dois rapazes que estavam transando com sua filha, é como uma auto punição, pois o que de diferente ele faz com as moças que pega para transar nos bares ou prostibulo?



Sim, havia um crime, haviam criminosos, alguns foram capturados, outros, nas palavras de Mart, sempre existirão por aí, mas a estória a ser contada não é essa.  A estória a ser contada é apenas a de dois anti heróis, cheios de defeitos e desventuras, em busca de si mesmos, quiçá, em busca de redenção. Quanto aos criminosos, sempre haverão outros, estes e muitos outros, que irão assombrar a nossa existência.



Que venha uma segunda temporada ainda mais criativa!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Um comentário:

  1. Déb querida, vi a série em 3 dias (5 episódios domingo, 2 na segunda e o último ontem) e estou estarrecida com a qualidade da temporada. Confesso que decidi assistir pq, além dos váááááários elogios, a série era protagonizada pelo lindo Matthew McConaughey mas isso logo caiu por terra pq o enredo me pegou de tal jeito, os conflitos dos personagens, o anti-heroísmo de cada um a sua forma foi me conduzindo por uma trilha que eu não queria que acabasse.

    Sua review está perfeita, concordo com cada vírgula que vc, maravilhosamente, descreveu. O que nos assusta é o comum, o normal, a banalidade com que a vida humana (e principalmente neste caso, a de crianças) é tomada e tirada. Talvez por isso nós gostemos tanto de Criminal Minds, porque é o rotineiro que nos afronta e nos tira do nosso status quo, é a normalidade, o cotidiano que nos questiona e nos faz estarrecer.

    Parabéns pela review, ADOREI! Não sei se verei a segunda temporada (parece que só o Matthew não volta, o ator que faz o Marty voltará com outra história, outro parceiro e outro crime) mas essa primeira valeu cada episódio.

    Bjs

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