sábado, 5 de julho de 2014

Por Que Tanto Ódio?



Sério, não consigo acreditar.

Você acorda e não precisa de mais que dez minutos para saber que a mulher morreu espancada porque algum irresponsável na internet disse que ela matava crianças. Depois descobre um pai, médico por formação, envolvido de alguma forma no assassinato de seu filho, executado por sua madrasta e uma amiga. Não bastasse isso, temos ainda a mulher que abandonou seu carro em uma avenida aqui de Vitória e foi arrastada por metros depois de se enfiar  pela janela, dentro do carro do cara que havia lhe dado uma fechada metros atrás. Tem também o caso daquela mulher que foi ao baile funk e achou que o seu bebê de onze meses poderia ficar ali dentro sem respirar, que tudo bem. Claro, depois de cinco horas o bebê morreu asfixiado. Tem o rapaz, formado em direito que achou que podia beber e dirigir, que naquela noite ele não mataria ninguém. Matou. Atropelou e matou. Um jovem de dezesseis anos. Cheio de estórias e esperanças. Faltou também falar daquele religioso, na casa dos sessenta, que estuprava menores dentro da própria igreja. Têm também as moças, aquelas moças naquele país distante, cujas vidas e privacidade estão sendo violados, pública e descaradamente.  E, claro, faltou falar de tantos outros casos, tantos outros medonhos casos. Sempre haverão outros casos. Sempre.  Daria uma novela. Um livro de mil páginas com todas as coisas escabrosas que têm feito parte do noticiário nacional e que, custamos a acreditar, serem  fruto de ações de seres humanos. Humanos. Será?


Obviamente tem as coisas “menores”, aquelas que acontecem no universo das cidades e não ganham as páginas primeiras das publicações: o rapaz que tomou um tiro do assaltante tentando defender a namorada, a moça que foi abandonada nua na rodovia depois de sequestro relâmpago, o professor que teve seu carro depredado porque se recusou a dar nota alta a aluno que não merecia, tantas outras coisas menores e tão maiores.....


Mas às vezes há algo ainda pior do que estas notícias agressivas, criminosas, que merecem punição. É o ódio embutido no ser humano dos tempos atuais, sem um motivo específico. Basta ler alguns comentários em artigos disponíveis na internet para descobrir que estamos vivendo a geração do ódio explícito. Odiar é a palavra do momento. Você encontra pessoas odiando o trânsito, as bicicletas, os guardas que elas supõem que nada fazem para ajudar, os caras que compram carros e deveriam andar de ônibus ( sim, tem esta categoria também, mas nunca atinge a classe daquele que escreve) e por fim o governo. Não precisa explicitar qual governo, municipal, estadual ou federal. Qualquer um serve. 


Tem aquele que odeia os cãezinhos na rua passeando com seus donos e donos que odeiam os pedestres que odeiam seus cãezinhos. Tem o cara que odeia as gordas nas ruas enfeando tudo e tem as magras lindas de morrer odiadas pelas gordas por não terem corpo igual. Não podemos esquecer os que ficam indignados porque “tem umas mães na pracinha que oferecem aos seus filhos um monte de comida cheia de corante e glúten” e umas mães que odeiam que lhe ensinem a serem  mães. Tem os que odeiam a Copa do Mundo no Brasil, tem gente que odeia quem odeia a Copa realizada nestas terras. E, de fato, tem o sujeito que odeia o que você faz, e você nem sabe disto.


Tem ódio para tudo. Para aquele que odeia e segue a cartilha e para aquele que apoia a reciclagem, mas joga o papel do Mc Donalds pela janela minutos antes de entrar na garagem. Os que odeiam a praia porque está muito suja, mas não pisam na areia há décadas. Os que acham os lanches muito caros, mas não experimentam levar o lanche de casa porque “dá muito trabalho”. Há, me esqueci, tem os que apoiam as cesarianas e acham que partos normais são coisas dos tempos antigos, mas nunca tiveram e provavelmente nunca terão filhos ( acho que porque odeiam bebes sujos de cocô).


O ódio está na moda. Odiar faz parte do repertório do ser humano moderno. O ser humano descobriu que odiar faz bem à sua saúde, mesmo que acabe com a saúde alheia. Vejam, não estou falando do sujeito que acorda e dá de cara com tantas notícias ruins ao mesmo tempo no jornal, como as citadas acima. Estou falando do cara que odeia indiscriminadamente tudo o que lhe incomoda, só porque lhe incomoda.


Os protestos então são ótimos. Tinha cerca de duzentas e trinta pessoas em um protesto fechando a Avenida Paulista na semana passada. A imprensa disse que estavam protestando contra a Copa, mas dava para ver, pelas fotos, cartazes contra o comunismo ( ? ), contra os salários baixos e contra o Mais Médicos. Ok. Eu respeito. Mas, duzentas e trinta pessoas fecharem a Avenida Paulista para um protesto com diversas pautas e nenhuma me parecer justa com quem dirige, inclusive com o sujeito que está na ambulância e precisa de socorro urgente    ( eu já passei por esta situação, creiam-me você quer pegar teu ente querido e carregá-lo nas costas até o hospital), me parece meio exagero. Mas, pode ficar tranquilo, também tem aquele que odiou o protesto porque chegou muito atrasado para a reunião das quatorze horas. 


E, claro, o ódio está na moda. De preferência, aquele que eu posso disseminar através de uma rede social, só para não perder o bonde da história. Afinal, odiar é fashion, é up, é tudo de bom.


Sempre existiu o ódio. Claro, a humanidade não mudou o seu modo de reagir a coisas que não dizem respeito a seus interesses. O ódio é um sentimento como outro qualquer, como o amor, a simpatia, a bondade, a afeição, o repúdio e a indignação. O ódio é o mesmo de sempre. Será? Ou terá mudado apenas a sua mais nova forma de disseminação – a internet?


Parece-me, do alto dos meus vários anos vividos ( não são poucos) que a internet vem alimentando uma nova espécie de cultura: a cultura do ódio de sofá. Não quero com isto dizer que as razões deste ou daquele ser que escreve na internet são ou não justificadas. Algumas são. Outras fazem parte de um rosário desfiado por “Marias Vão Com As Outras”, que seguem a moda do momento e nem entendem sobre o que estão discutindo. Nem vou dizer o que penso de jovens de quinze, dezesseis, dezoito anos, defendendo a ditadura sem sequer conhecer direito seus dados históricos. Aliás, hoje eles só podem expor sua opinião porque não vivemos uma ditadura. Se vivêssemos, eles poderiam ser presos só por tentar opinar. 


E assim como vejo as coisas, respeito quem concorda com o rodízio de placas, quem acha que tem que ter feriado em dia de jogo do Brasil, quem é homossexual, quem acha que o país está afundando nas mãos da nossa presidenta, quem usa tatuagens, aquele que quer que todos larguem seus carros para andar de metrô ou quem adora novelas da Globo.  Parece incrível, mas respeito todos estes seres, ainda que não concorde com boa parte deles. Mas eu não consigo respeitar o ódio disseminado pelo manifestante de sofá. Aquele que segue in, que reclama do alto do conforto do seu canapé confortável revestido de seda, que fala sem sentir na pele as consequências de seu manifesto. 


Querem saber o que eu odeio? Odeio o cara que posta no Facebook por um planeta mais limpo e joga seu copo de refrigerante pela janela do carro, o sujeito que diz que reciclar é necessário, mas nunca lavou uma embalagem de leite na vida para jogar na lixeira que fica a duas quadras de sua casa ( eu ou meu marido levamos nosso lixo reciclável a uma lixeira da prefeitura duas vezes por semana), o sujeito que reclama da saúde no seu município mas, usa seu plano caríssimo para ser atendido.  Não entendo o cara que reclama do pedágio se ele tem passe livre de estudante, ou nem se preocupa em saber que, sem o pedágio aquela ponte ou rodovia irá minguar como tantas outras obras sem cuidado por aí. 


Meu protesto vai para o cara que ama odiar. Por coincidência, esta semana tivemos dois casos assim, tipo “odeio a copa do mundo”. Primeiro a imprensa odiou o capitão da equipe chorando. Depois, uma sujeita escreveu em um twitter que o jogador que tirou nosso principal artilheiro da copa do mundo deve ser morto antes mesmo de deixar o pais. O que dizer diante de tal declaração? Não basta, a seguir os padrões do campeonato, o artilheiro “pé de cabra” receber uma punição de “n” disputas sem jogar, o sujeito tem que ser morto!!!!! Assassinato do ser por outro sentado em um sofá!


O problema do ódio de hoje em dia é que ele perdeu a razão de existir. Do meu ponto de vista, confortável em um sofá de três lugares, posso odiar tudo o que não me agrada sem contribuir em nada para que tal situação se corrija. Do meu aconchegante  acento odeio tudo o que merece meu mau humor e, dane-se minha contribuição, já faço muito em odiar, consertar fica para outro otário qualquer. Vivemos o momento do “copia e cola”, da falta de reflexão, do “alguém tem que pagar por isto!”, nem bem me interessa quem.

Acho que estou velha demais para acender vela para mau defunto. A geração da informação instantânea, do face, do whatsap, via de regra, paga para não refletir, pensar já é querer demais. O compartilhamento imediato lesa o raciocínio, rouba do sujeito a experiência do “sentir na própria pele”, fala por todos e por ninguém. Principalmente por ninguém. Porque afinal, falar por ninguém não requer responsabilidade, e sabe, talvez aquele cara tenha razão, mas não vou ter tempo para ler seus argumentos. As redes sociais estão aí para isto, para julgar, eles julgaram, nem tenho porque questionar. É a geração da reação de sofá, ou melhor, da indignação de sofá. 


Fico buscando argumentos, mas percebo ser em vão, afinal, está tudo implícito, basta odiar a geração que tudo odeia e está tudo certo. Mas, em tempo, descubro que não me encaixo a tal definição. Ansiosa por explicações, justificativas e razões de ser, percebo-me arcaica na tentativa de argumentar. E, se não odeio, ao contrário, admiro ou refuto, sinto-me incomodada com a sensação de gato fora do balaio. 


Tenho medo do que estas pessoas pensam, afinal, nem sei se elas pensam. Cada quadradinho colorido com uma nova frase de efeito ganha contornos de razão e não custa a definir o próximo modismo, o próximo pretexto. Chego a pensar que nasci na época errada, afinal, quanto tempo eu teria economizado se não estivesse lendo, me informando, acumulando experiência, e, por fim, formando opinião. Na época da informação pronta para viagem e da opinião a granel, talvez me tivesse sobrado tempo para tantas outras coisas, como criar mais opiniões, todas cegas e sem propósito, afinal, se cem pessoas pensam assim, melhor compartilhar porque a maioria sempre tem razão. Nem vou perder tempo analisando, todos estão compartilhando, devem estar cheios de motivos para isto.


Sabem todas aquelas horas que perdemos, meu marido, meu filho e eu, na janta, à noite, entre um prato e outro, discutindo assunto nem tão relevante, talvez política, quiçá economia, ou mesmo as mudanças climáticas, a existência de um Deus ou porque os filmes do Wolverine são tão inferiores em relação aos filmes da saga XMan? Pura perda de tempo. Talvez melhor fosse se entre uma garfada e outra checássemos obsessivamente nossos telefones em busca da notícia mais fresca, do vídeo que está bombando, aquele do cachorrinho correndo atrás do próprio rabo. Calados, em nossos próprios cegos mundos, em busca do que há de mais fresco, da fácil condenação do otário do momento, do riso frouxo e do repugnante hábito de julgar a caminhada alheia sem calçar seus rotos sapatos.


Desculpem, não consigo viver esta realidade. Me perdoem se pareço cheia de ódio. Mas todos hão de entender. Afinal, odiar sentado à frente do computador está na moda. E não me poupo de estar na moda também...... Me odeiem, tanto faz, não se poupem de me odiar se estas tolas linhas ganharem o ódio gratuito de alguém....

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