sábado, 2 de agosto de 2014

Planeta Dos Macacos – O Confronto




É bastante difícil de dizer isto de um  blockbuster de ficção científica atualmente, mas Planeta dos Macacos – O Confronto superou minhas expectativas. 


Digo isto com uma pequena pontada no meu coração. O Planeta dos Macacos original, filmado em 1968 é um filme que marcou minha vida. Eu o assisti ainda muito nova. Tenho que admitir que a imagem da Estátua da Liberdade na praia é uma das imagens que mais me marcou cinematograficamente falando. 


Talvez porque seja uma imagem contundente demais para ser ignorada e mesmo sendo apenas linguagem cinematográfica, choca ainda mais com o passar do tempo e torna-se a cada dia ainda mais crível. Há quase quarenta anos, quando a vi pela primeira vez, senti-me pequena diante da imensidão de concreto mal jogado na areia. Até hoje é um dos momentos mais significativos do cinema, pois é uma visão que contém toda uma estória cravada nela. A estátua jogada partida na praia resume enfim a destruição da Terra como nós a conhecemos, o descobrimento de que o personagem principal nunca de fato esteve em outro lugar que não seu planeta de origem, a incompetência do ser humano em preservar sua espécie. Existe tanta informação naquela tomada de nove segundos, tanta desesperança contida na figura do homem de joelhos ( Charlton Heston em grande atuação, no papel do astronauta George Taylor, que depois de  séculos hibernando em sua nave, descobre que voltou à Terra após sua total destruição), um dos grandes exemplos do bom uso da imagem como um signo na linguagem semiótica. Fantástico!
  

Mas, voltemos ao filme de 2014. Se o filme original nos mostra nosso planeta devastado e dominado por uma nova espécie, Planeta dos Macacos – O Confronto nos mostra porque chegamos lá. Claro que boa parte desta informação vem do primeiro filme da nova trilogia, dando algum senso lógico para que macacos tenham de fato se desenvolvido, para que tenham aprendido a falar, entre outras coisas.


César ( Andy Serkis – que aliás já passou da hora de ser indicado para todos os grandes prêmios, inclusive o Oscar, dada sua atuação impecável, mesmo que discutidos os recursos de captação de movimentos) agora é pai, passaram-se dez anos desde sua fuga do laboratório onde era cobaia, e ele, enfim, tornou-se o grande líder dos símios que o acompanharam na rebelião. Ocorre que César é um pacifista, por amor e respeito a tudo o que aprendeu com seu protetor, o cientista Will Rodman ( James Franco, no primeiro filme da trilogia – A Origem). Não que ele ame os humanos. Ele tem a exata dimensão de que o homem que o amou e protegeu é apenas uma parcela da raça humana. Ele sabe que não são todos iguais e que o homem pode ser muito cruel e destrutivo. Por este motivo, César organiza e mantém sua comunidade isolada do contato humano, no meio de uma floresta. Com uma subsistência que despreza comodidades como a luz elétrica, a água encanada ou qualquer outro luxo, através de um respeito que beira um regime ditatorial, ele mantém os seus unidos. 


Por outro lado, a raça humana dizimada, vítima do vírus criado em laboratório, que ficou conhecido como a doença dos símios, sobrevive em grupos, pequenos guetos de resistência aqui e ali, que esforçam-se para restabelecer os princípios mínimos necessários para recomeçarem. O grupo que conhecemos nos primeiros minutos de    película é liderado   por Dreyfus   ( personagem interpretado pelo sempre ótimo Gary Oldman), um homem que tenta recomeçar em meio ao caos proporcionado pelo desespero e a ignorância dos que sobreviveram.  O objetivo é avançar floresta adentro para reativar uma usina ali instalada e assim, voltarem a fazer uso da energia elétrica, tão necessária para o homem que acostumou-se a tê-la como fundamental ( e aqui surge a primeira grande diferença entre símios e seres humanos).


A expedição de recuperação da usina é liderada por Malcolm (  competente trabalho de     Jason Clarke), que tem por companhia sua namorada, a médica Ellie ( Keri Russell), seu filho Alexander ( Kodi Smit- McPhee), e os amigos Werner (Jocko Sims) e o encrenqueiro Carver ( Kirk Acevedo). Neste momento começam a surgir os primeiros problemas. Em busca da usina, o grupo invade o “espaço” do grupo de César. Além da surpresa óbvia em deparar-se com macacos que raciocinam e são capazes de falar, Malcolm precisa garantir o sucesso de sua missão. 


Aqui surge a primeira tentativa de boa convivência de ambos os lados. César em sua política  pacifista autoriza a exploração da usina com uma única condição: que todos entrassem na floresta desarmados ( o que, obviamente acaba não acontecendo ). Malcolm, também um pacifista, além do fato de necessitar da autorização, aceita um  acordo que irá descobrir posteriormente, não poder cumprir.


Daí em diante tudo o que se vê é uma bem elaborada metáfora para todo e qualquer conflito no qual o ser humano habitualmente está envolvido. Existem os que acreditam na convivência pacífica, existem os ambiciosos, sedentos de poder, que na primeira oportunidade passam uma rasteira no seu igual, acreditando na máxima da sobrevivência do mais forte, existem aqueles que seguem o fluxo, que viram suas velas para onde sopra o vento. Aqui o longa-metragem  passa a discutir a convivência pacífica versus o incontrolável ódio da discriminação. Serviria perfeitamente para enquadrar o atual  conflito Israel x Palestina, mas também poderia estar enfocando os grupos de supremacia branca discriminando negros e gays. 


O filme é brilhante em seu óbvio argumento: o ser humano possui uma capacidade única para destruir seu semelhante, sem nunca lembrar-se que independente do credo, cor, raça, opção sexual, time de futebol ou partido político, iremos todos ter o mesmo fim, em uma caixa de madeira, inteiros debaixo de sete palmos ou em pó, adubando algum jardim ou alimentando alguns peixes.

A inversão de papéis apesar de ser incômoda, é totalmente crível, pois afinal, a raça de símios geneticamente evoluídos, faz senão defender e preservar sua espécie, coisa que nos pegamos fazendo todos os dias. Tanto mais tentem a paz, símio ou homem, mais sentem-se distantes desta possibilidade, porque o orgulho e o poder cegam e a compreensão de nossa existência é para poucos. É triste, mas totalmente verdadeiro. 


Matt Reeves, o diretor, constrói um filme com diversas camadas como um espelho reverso. César será pai novamente, e o filho mais velho é a síntese da oposição, da quebra de padrões, sem ter embasamento para isto. Como tantos jovens que vemos hoje em dia, que seguem o fluxo sem entender bem o porquê, Alex está buscando fazer o que é certo em sua opinião. E quando Koda sacrifica seu filho, que tem dúvidas justas sobre os métodos de seu pai, ele representa tudo aquilo que repudiamos em nossa sociedade atual, a corrupção, a ambição desmedida, o poder a qualquer preço. A discussão justiça x perdão permeia todo o filme, bem como a toda hora nos perguntamos quando terá sido o suficiente para os dois países hoje em conflito, em detrimento da morte de tantos inocentes.


Com uma maquiagem e efeitos especiais que certamente serão indicados ao Oscar, uma edição ágil, com muitos planos gerais, em close-up e planos de detalhe, além de uma trilha sonora pontual, Reeves constrói um filme incômodo, cheio de questionamentos e pesares. Cada personagem com captação de câmera acrescenta história aos currículos dos realizadores .


Os “macacos” são muito assustadores na medida exata entre a dor e a piedade, como se, pudéssemos classificá-los sem comprometimento. Em nenhum momento temos aquela sensação incômoda de boneco computadorizado ou fantasia mal elaborada. Tanto eles parecem reais que o close fechado no olhar de Cesar no início do filme e ao final me deram mais medo do que a maioria dos filmes de terror que tenho visto ultimamente. Da mesma forma o filho recém-nascido de César tem os movimentos suaves de um bebê e comovem no colo de sua mãe após o parto. 


Outro recurso bem utilizado é o som. Grandioso quando necessário, faz-se ausente em alguns momentos fundamentais, como por exemplo, o momento em que os homens veem a luz voltar a funcionar sem saber que seriam dizimados pelos símios impiedosamente poucos instantes depois.


Provavelmente o momento mais doloroso do filme seja o diálogo final entre Malcolm e César. Quando o humano diz que pensou que juntos pudessem obter a paz ( tendo a certeza de que isto nunca vai acontecer) ele acaba com todas as nossas esperanças na humanidade. Porque Cesar - o pacifista e toda a sua turma, somos nós de alguma forma. E entre eles ou nós sempre haverão vários  Kodas , dispostos a sacrificar até seu próprio sangue gananciosamente em busca de poder, seja em forma de dinheiro, violência, intimidação ou simplesmente maldade. O filme sombrio não deixa uma mensagem positiva. Ao contrário, como eu, Cesar e Malcolm estão cansados de esperar pela paz que nunca vem. E provavelmente nunca virá.


E para onde segue a trilogia depois de Planeta dos Macacos – O Confronto?  Em minha opinião, pela lógica, virá o domínio do mundo pelos macacos, atingindo o mesmo ponto onde foi concebido o filme original. Claro que, dada a concepção do primeiro filme, explicando a origem dos macacos desenvolvidos, fica difícil crer que o ser humano não saiba o que está acontecendo, como visto na película de 1968. Neste ponto, prefiro que não haja surpresa ou impacto  apenas para tentar igualar o choque do filme inicial. Até porque nada superará aquele final. É bobagem tentar algo como o filme dirigido por Tim Burton em 2001 onde ao final surge um macaco sentado na cadeira de Abraham Lincoln na entrada do Lincoln Memorial, um marco americano. Com o vírus símio criado em laboratório no início desta trilogia também aparentemente descarta-se a possibilidade do mundo ter se extinguido em função de guerra nuclear, como sugerido no filme original ( assunto que carregava um significado especial dada a situação do mundo naquela época: a qualquer momento esperava-se que alguém apertasse o famoso botão vermelho).  Fica claro, portanto que os roteiristas deverão caminhar por outras planícies para chegar à escravidão do ser humano. 

De qualquer forma, o grande  mérito de O Planeta do Macacos – O Confronto está em ser mais atual e representativo do que todos os outros filmes do tema. Além de grande diversão, o filme é a metáfora perfeita para tudo o que vivemos desde que nos entendemos por gente. Grande filme. Não perca!



Até a próxima!




 





4 comentários:

  1. Muito bom o texto !
    Espero conseguir ver o filme logo, fiquei com mais vontade ainda depois de ler!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, querido, fiquei feliz com seu comentário! Você não imagina como fico contente em saber que o texto te deixou com mais vontade de de ver o filme. Te conhecendo como te conheço você vai adorar! Obrigada por comentar! Bjo!

      Excluir
  2. Magnificamente bem escrito. Realmente, a gente fica com mais vontade de ver o filme dps do texto da Débora.
    Sempre gostei dos filmes dos macacos e esse parece que supera os outros.
    Bjs Débora.

    ResponderExcluir
  3. Obrigada pelo comentário! É muito bom escrever para pessoas que se interessam como você! Veja sim, o filme é ótimo! Tenho certeza que você vai gostar. quando você assistir, me conte se você gostou, ok? Super bjo!

    ResponderExcluir