segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Por Que Amamos Séries?



                          



Você tem dezesseis, trinta e dois, cinquenta ou setenta e quatro anos. Estuda, trabalha o dia inteiro, cuida com amor dos seus filhos ou todas estas coisas juntas. Não importa. Tem suas contas para pagar, o carro para deixar para lavar, o botão que caiu da camisa do uniforme de seu filho para pregar, as compras da semana, o relatório para seu chefe, aquele trabalho de escola sobre algoritmos e tantas outras várias coisas que ocupariam páginas diversas de texto por aqui. 

Tudo bem. Você não se importa em fazer todas estas coisas, apenas algumas ou várias outras, desde que naquele seu momento de paz, aquele em que você já pôs as crianças para dormir ( ou dependendo do caso você é que esperou seus pais dormirem),o marido já capotou em frente da televisão, seus pés estão finalmente erguidos sobre o pufe  e uma xícara de chá fumega ao seu lado e você consiga enfim assistir seu seriado favorito.

Não importa se você o segue pela tv ou se, dado o horário, se obriga a gravar e assistir depois, ou talvez você acompanhe sua série pelo computador, em tela menor que o habitual, mas certamente à frente dos mortais que dependem da grade televisiva. Certo mesmo é que nesta hora o mundo parece parar ao seu redor. São  em  geral, quarenta  e  dois  minutos dispensados a incluir você em outro mundo, cheio de casos policiais, vampiros, morto vivos ou em companhia das pessoas mais engraçadas do planeta.


Nada explica  porque simpatizamos mais com uns do que com outros personagens. Sejam vilões, mocinhas em apuros, delegados, médicos, advogados ou representantes da maldade  na terra, não há muita explicação lógica pelo apego. Claro que tendencialmente a simpatia recai na maioria dos casos sobre o cara boa pinta cheia de charme ou a moça inteligente que defende o mundo do mal, mas isto nunca é uma regra. Às vezes personagens com os quais não temos qualquer afinidade e que de modo algum representam nosso caráter nos atraem da mesma forma ou mais. 
 
Ok, mas isto é comum nos livros, personagens que invadem nossas vidas enquanto devoramos páginas e páginas de estórias diversas, por que então séries são tão boas ou melhores que a boa brochura? 



Para isto existe mais do que uma resposta. A primeira e mais óbvia é que livros, para ávidos leitores, tem uma curta duração, algumas pessoas ( tipo eu ) podem dobrar uma noite em busca do final da estória, mas dois ou três dias depois aquela emoção vai diminuindo, aqueles personagens  vão lentamente se retirando de minha mente e deixando espaço para o que vem a seguir ( claro, existem livros e personagens inesquecíveis, mas mesmo estes aos poucos vão deixando a emoção de lado para tornarem-se uma grata lembrança). Séries de televisão duram muito mais tempo. Se você tiver sorte e resolver acompanhar uma série fadada ao sucesso, poderá conviver quatro, cinco, dez, quatorze anos com aqueles personagens que, em última instância passam a fazer parte de sua vida. 

Você já se pegou conversando com uma amiga sobre uma série que você ama?  

“ – Deus, como puderam matar o Will? Será que a Alicia  não tem direito de ser feliz? Estou  arrasada com a morte dele...”
“ – Nossa,  nem me diga, chorei tanto. Só espero que ela não  volte para o mulherengo do marido, ela merece alguém que a faça feliz de verdade...”



Pode ser que os nomes sejam diferentes, mas com certeza fãs de séries já viveram, em alguma ocasião, uma conversa deste tipo. Em um certo momento nos pegamos tratando estes personagens como se fossem membros de nossa família, pessoas as quais conhecemos os gostos, os desejos, as frustrações.

Não é para menos. Eu costumo dizer que vivemos em busca das nossas realizações e, podemos atingi-las ou não, mas para todo o resto, existem as séries de tv. Através delas exercemos o sagrado direito de viver uma felicidade extra, de vibrarmos com uma conquista que por hora nos escapa, de punirmos o vilão do dia a dia que foge do alcance da justiça diária e real. Podemos amar o médico casado e fiel, lindo de morrer que ainda lembra-se de levar flores para a esposa, a advogada que além de competente, linda, fashion, ainda sonha em fazer geleia para o homem que ama, que por acaso é o presidente dos Estados Unidos. Naqueles quarenta e três minutos somos o longo braço da lei que puni o criminoso, mas sempre sobre o salto sete e meio de uma belíssima bota preta. Não vem muito ao caso se nosso dia foi ruim, porque naqueles quarenta e tantos minutos eu serei amiga do príncipe, da bruxa má e da chapeuzinho vermelho, talvez me anime o fato de saber que não sou somente eu que fico arrumando ordenada e compulsivamente os objetos na minha casa, porque afinal meu personagem predileto tem TOC e consegue ainda ser um grande cara. E sabe aquele vestido pregueado  que eu jurava estar fora de moda? A minha heroína está vestindo um quase igual e quer saber? Ela está linda, sua melhor amiga na série até elogiou.



Claro, nem todas as séries são assim tão fáceis de se buscar identificação. Quem assiste e ama Walking Dead, True Blood, Fringe, The Originals ou Agents Of Shield, o que busca em comum, o que espera ver, o que espera encontrar que o satisfaça? Simples: todas as séries tem uma plataforma comum, uma espécie de receita, onde, independente do bolo servido, a satisfação seja a mesma. Você troca o coco pelo morango, o doce de leite pelo chocolate, mas o prazer é o mesmo. Todas as séries tem aquele mocinho lindo que você adoraria que fosse seu namorado, uma mocinha despachada, super na moda, com um peso em geral muito abaixo do seu, que deveria ser você se o mundo fosse justo, um amigo fiel e carinhoso que nunca trai sua confiança, ao contrário daquela víbora, aquela  a quem  você pensou que  poderia confiar seus segredos e quebrou a cara. Tem o cara te faz rir porque afinal sua vida precisa atualmente de umas boas risadas e há o vilão, aquele que esconde nossos mais obscuros segredos, aquelas porradas que você quis dar sabe Deus em quem, aquela vontade de poder de vez em quando sair da linha, não ser tão certinha, mas que você nem cogita, pois pode fazer você terminar seu dia em uma delegacia de polícia nada virtual.



Amamos séries não porque nossa vida não é suficientemente boa, mas porque ela pode ser infinitamente melhor se derramarmos  nossas expectativas e frustrações nos ombros de alguém que pode sorrir ou chorar sem dar explicações a ninguém. 
 
É bom termos notícias do Hotch, da Meredith, do Governador, do House, da Mellie. Elas surgem com certa facilidade, em um privilégio que a vida não nos oferece chamado spoiler. Podemos até influir em seus destinos, assinando petições, pedindo para a Emily voltar. Podemos inclusive fazer maratonas, de três, quatro ou sete horas, para sabermos de uma vez o que o destino reserva para nossos mais íntimos amigos, se eles irão ter sucesso ou se iremos de novo sofrer pelos caminhos percorridos por eles. E por mais irreal que pareça, podemos reescrever a estória deles através das fanfics, aquelas palavras incrustradas no papel de forma a mudar o rumo da estória que passa na tv.




O fato é que, aquele que é fisgado uma vez pelo apelo de uma série de televisão nunca mais volta a ser o mesmo. O bom show televisivo usa a batida fórmula igual desde sempre para, vestida com outros panos, capturar nossos desejos, nossas expectativas, e, por fim, preencher aquele vazio que temos quando não brincamos com mais ninguém. Não se trata de mascarar  a realidade. Trata-se de dar cor, de enfeitá-la com adereços que o dia a dia despreza, de adorná-la com um pouco de fantasia, de dar a ela o perfume e o brilho que merecem.  Trata-se de buscar aquele algo mais que perdemos  no decorrer de nossa caminhada, de  trazer, por um momento ou uma hora, um alento, agregado ao chá quente, ao cafuné que nos faz nosso namorado, um deleite que recebemos no silêncio que habita nossa residência, e de que nos lembraremos amanhã, quando o dia for mais difícil de encarar do que gostaríamos que fosse.

Sei que nada disto explica porque amamos séries de tv. Há muitos anos atrás existiam as novelas, que aliás ainda existem e se fazem presentes, mas nada se compara a trazer ao nosso convívio por anos a fio, aquele personagem de série que quase sempre nos assusta ante a possibilidade de ser cancelada, mas que, salva no último instante, nos revigora e nos faz comemorar sua futura presença. 



As mulheres que amamos nas séries são perfeitas e completas para que possamos respeitar nossas limitações e os homens são inatingíveis para que possamos conviver com parceiros não tão completos, nem tão desejáveis, mas que nos fazem felizes ainda assim. Os vilões são cruéis porque eles têm que representar tudo o que mais odiamos e, de certa forma, pagarem por aquilo que não conseguimos cobrar de nossa sociedade. 

Obviamente, ver séries nem sempre tem que ter um significado representativo. Podemos assisti-las apenas pelo prazer de conviver com Jack, Olivia, Morgan, Rossi, JJ ou Mellie. Mas certamente é um hábito que normalmente se enraíza e que, tendo a sorte de amarmos a série certa, nos fará convidar ao nosso dia a dia todas estas criaturas nascidas de uma mente fecunda, que estarão vivas em nossos sonhos, em nossos desejos, em uma rotina que se confunde com horas reais, que quase não conseguimos distinguir. 

Séries são feitas com lápis de cores que não existem no dia a dia. Se resolvemos nossos problemas em preto e branco, shows de tv fazem uso de caixas de lápis coloridos com trinta, quarenta tons diferentes, matizando nossas decisões, tingindo alegrias e tristezas com generosas pinceladas de tons que a vida desconhece. 

Portanto, na próxima vez que você se encantar por uma série, permita-se deixar levar pela fantasia, pelo absurdo que é torcer pelo bandido, pelo encanto que faz viver um mocinho que nunca existirá de verdade, pela mulher que você, por mais que tente nunca será por completo, mas que sem pedir licença, adornará seus dias. Permita-se sem culpa viver todas as mais loucas aventuras, que você em sua vida jamais conhecerá, permita-se transgredir e sonhar. 



É provável, que em algum momento, você se reconheça e se liberte, você ouse ir contra a corrente, você se permita ser a protagonista desta estória, mesmo que apenas por uns poucos quarenta e tantos minutos.  E não tenha vergonha de viver a vida alheia, criada em palavras para não ser nada mais que um texto em sua mente. Não se vive sem prazer, venha ele do lugar que vier. Com sorte, seu prazer poderá durar oito ou dez temporadas.....

Por que amamos séries de tv? Ora, porque elas são o alento que buscamos em dias difíceis e noites intermináveis, são a realização dos sonhos mais obscuros, são a cereja do bolo que não queremos dividir com mais ninguém. Séries, aquelas duradouras, dão vida à personagens que ocupam nossas salas de estar, deitam-se em nossas camas, fazem amor conosco, despudoradamente. E na manhã seguinte, seguem em frente, sem cobranças, sem tormentos. Não importa. Seguiremos em frente, realizando aquilo que se espera de nós, e, quando tudo estiver mais difícil, sempre nos lembraremos da mocinha, do herói, do vilão punido. 

E, vida que segue.......

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