domingo, 10 de março de 2013

FIC - ETERNO - CAPÍTULO 1



“ETERNO É TUDO AQUILO QUE DURA UMA FRAÇÃO DE SEGUNDO, MAS COM TAMANHA INTENSIDADE, QUE SE ETERNIZA,  E NENHUMA FORÇA JAMAIS O RESGATA ”.

Carlos Drummond de Andrade


Ele nunca a havia tocado tão intimamente. Tampouco sentido sua respiração tão próxima.  E, no entanto, parecia conhecê-la por uma eternidade. O toque em sua pele quando lhe tomou a mão para dançar  foi o mais próximo conceito de felicidade de que se lembrava há anos. Ele pediu licença a Dave, que a tinha nos braços e quando a tocou, abriu um sorriso indisfarçável em seu rosto. Ela, radiante, lhe devolveu o sorriso e isto o fez sentir-se mais confortável.

- Não pensei que você dançasse. Você está sempre me surpreendendo!

- Apostou contra mim nisto também?                                                                                                                  
- Ora veja, você ainda não me perdoou pelo Triatlon! – Seu sorriso era encantador.

- Não é muito confortável que uma amiga não confie que você seja capaz de realizar algo pelo qual treinou tanto...

- Touché! Você tem razão, eu deveria saber que você nunca entra em nada para perder.

 Ele queria responder, mas estava perdido entre todas as sensações que surgiam por tê-la em seus braços naquele instante.

- Eu tenho amigos muito dedicados mesmo. Não é incrível o Rossi conseguir organizar uma festa destas em tão pouco tempo? E tivemos sorte! A noite está linda!

Ele sorriu timidamente para ela, a mão pequena e macia entre seus dedos, aproximou seu rosto àquela pele de marfim muito clara, os cabelos negros quase roçando em seus lábios e não pensou muito ao responder.

- Você só torna a noite ainda mais linda!

Ela sorriu de volta  meio encabulada e corou, mas não parecia totalmente desconfortável com o elogio.

Todas as vezes, desde o princípio, quisera tocá-la. Da primeira vez, tantos anos atrás, havia sido apenas  a curiosidade.  Ele conhecera poucas mulheres, casara-se com a única namorada, ela era apenas uma novidade. Uma agradável e perigosa novidade. Ela era filha de uma embaixadora a quem prestava serviço e ele, um homem casado. Mas as poucas vezes em que esbarrara com ela, aqui e ali, foram suficientes para inquietar sua mente de homem fiel à esposa. Ela era como uma lufada de ar fresco a lhe tirar o bolor  arrefecido de sua vida constante e segura. Jovem, bonita, inteligente e perigosamente livre.  De várias maneiras, muito diferente da mulher por quem se apaixonara a alguns anos atrás. E, pela primeira vez, ele a deixou partir. Ignorou seus instintos e optou pelo que era mais seguro, a coisa certa a fazer. Sem uma tentativa, sem uma investida. Provavelmente, sem que ela mesma soubesse quem ele era ou o efeito que nele provocara.

Então, destino ou casualidade, passados tantos anos, quando o brilho de seus olhos era apenas uma vaga e agradável lembrança, ela voltou. Invadiu sua sala naquela manhã de quarta feira munida de uma caixa de pertences pessoais, muita determinação e um sorriso irresistível.  Ele amou vê-la ali na sua frente e todos aqueles velhos pensamentos retornaram. Mas havia tanto em jogo... Ela parecia vinda do nada, em um momento difícil para sua equipe. Além do mais, ele agora era pai. Precisava pensar e agir como tal. Não foi de surpreender, então, que resolvesse lidar com a situação tornando-se afastado, reticente e por vezes até indelicado. Suas dúvidas quanto a sua entrada na equipe sempre se sobrepunham aos seus sentimentos mais profundos. Sim, nos primeiros dias de convivência aquela mera curiosidade já se traduzia em sentimento. Quanto mais procurava obstinadamente tratá-la apenas como mais uma funcionária, mais prestava  atenção à sua presença. Não obstante tivesse que vê-la todos os dias, soube como manter-se distante das tentações. Era um luxo ao qual não podia se dar. Por todos os motivos do mundo.

Não demorou em aprender a separar as coisas de forma exemplar. Compartimentalizar. Anos depois a ouviu dizer a mesma palavra. Mas ele também era bom nisto. E seguiu em frente, ignorando os apelos de seu coração, não alimentando qualquer esperança ou desejo. No entanto, a prova contundente da fidelidade dela, refletida na preferência em demitir-se a delatá-lo, tornou-o ainda mais vulnerável aos seus encantos. Não ajudou também seu casamento estar indo a pique, nem sua esposa deixar sua casa levando com ela seu filho.

Ele amava sua esposa. Mas ela não era há muito tempo a mulher por quem se apaixonara. Tampouco ele o mesmo homem. O desgaste de uma relação onde era cobrado constantemente, por mais que se dedicasse, o atormentava. Ele tinha cometido muitos erros. Talvez não fosse mesmo um bom marido, talvez não estivesse presente tanto quanto deveria, mas o fato é que ela não lhe dava mais apoio. E embora tenham sido meses difíceis, chegou o momento em que teve que admitir para si próprio que lhe doía mais saber que tinha falhado no casamento do que propriamente a falta que sentia de sua esposa. Sentia falta de seu filho, sim. E da comodidade de chegar em casa e encontrar sempre alguém lhe esperando, de ter uma doce companhia para a sua volta ao lar depois de um caso. Sentia falta do barulho comum e rotineiro, das mesmas perguntas que ela fazia, de pegar seu menino no colo, sem ter que pedir permissão para isso. Com o passar do tempo, passou a sentir falta até das infinitas discussões sobre sua ausência em casa em detrimento de seu trabalho.

Sozinho em sua cama, era a voz de Emily que aos poucos lhe confortava na solidão, quando ele procurava se lembrar de como ela estava vestida ou de suas conversas com outros de seus funcionários. Pouco a pouco o que era uma vaga recordação diária passou a ser um alívio para seus dias atribulados e suas solitárias noites de amargura.

As coisas só pioraram quando Haley morreu. O peso da culpa, a necessidade em adaptar-se à nova condição de pai solteiro, as dificuldades em administrar seu trabalho após um baque tão violento, tudo isto devastou sua vida. E foi ela, com seu interesse e disposição em ajudá-lo que o confortou. Desde que fora agredido por Foyet e hospitalizado ela tinha lhe sido uma companhia fiel, o que, com o correr dos eventos só se intensificou. Ele tomou todas as precauções para não confundir sua solidariedade e amizade com algo mais, pois ela continuava sendo sua subordinada e sua retidão moral gritava a plenos pulmões para manter as coisas apenas neste nível. E agora isto. Ela estava em seus braços para uma dança. Apenas uma dança.

O seu perfume o inebriava. Ele aproximou ligeiramente o seu corpo ao corpo dela e institivamente procurou por Beth à sua volta. Ela estava dançando com Reid. Relaxou um pouco e procurou aproveitar o momento. Ele sentiu a mão dela subir e descer ligeiramente em suas costas por sobre seu paletó  e procurou usar de todo o seu controle para não fazer nada inapropriado.

Havia sido um erro. Ele soube desde o princípio. Um não. Dois. Dois erros. Deixá-la partir novamente e envolver-se com outra mulher. Quando ela foi ferida e quase morreu e ele decidiu afastá-la em seu exílio em Paris ele devia tê-la procurado. Ele deveria ter posto toda a sua integridade de lado e tê-la feito saber que ele a amava. E que ele estaria a vida toda ali para ela como ela estivera para ele e mais. Deveria ter, mesmo com discrição, para não comprometer toda a operação, dito alguma coisa, feito alguma coisa, deveria... deveria....    

Ele passou boa parte de sua existência desejando ter feito coisas que nunca fez. Ele tinha um péssimo timing para estas coisas. Ele pensava demais. Era responsável demais, comprometido demais. E, como sempre, no tempo errado. Era uma péssima hora para entregar-se ao prazer deslavado de dançar com Emily. Entre seus melhores amigos, na presença de seu filho e sua nova namorada. Péssima ideia.

Apertou ligeiramente a mão dele contra a sua.  A respiração calma dela o confortava. Ela estava novamente tendo maus dias? Ela tinha pedido um encontro? Um encontro. Ele quase não pôde acreditar quando ouviu as palavras. Ele era um idiota porque ela queria conversar e ele tinha se posto à disposição. Só isto. Ele havia iniciado isto. Provavelmente a única coisa certa que havia feito até então. Mas seu tolo coração estava em pulos com o que ela havia dito.

A música lenta embalava seus corpos e  seu arrependimento. Nada naquele momento perfeito poderia ser diferente. A proximidade com o seu corpo quente como nunca antes houvera acontecido ocultava dele, mesmo que por poucos minutos, a cruel realidade dos fatos. Mesmo que ele, em um momento de ousadia, resolvesse declarar-se e dizer a ela tudo o que de fato sentia já há tanto tempo, ainda havia outro grande problema. Que ele mesmo havia arrumado para si.

Ela não disse mais nada e ele também se calou. Foi como se o silêncio entre eles conspirasse para que aqueles minutos fossem perfeitos. Eternos. Recusou-se a acreditar que a qualquer momento a dança acabaria e ele voltaria à realidade. Tentou manter na memória do breve momento seu calor, seu perfume, sua voz, o pequeno e delicioso corpo moldado em seus braços e não ousou, em momento algum, olhar-lhe nos olhos. Quando Derek Morgan aproximou-se para tirá-la dele foi como se sentisse sua vida indo embora com ela. De forma alegre e educada ela agradeceu-lhe a dança e lentamente soltou-lhe a mão, como se também não quisesse partir. 


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Devia ter dito algo engraçado, pois David Rossi estava rindo. Ela não saberia repetir suas palavras, pois no momento o que ela conseguia ver era o amor de sua vida dançando com outra mulher. Isso, para não mencionar o fato de que a moça era bonita, simpática e segura de si. Era muito estranho vê-lo assim, com outra em seus braços. Ela não sabia dizer ao certo se eles estavam felizes. Mas a irritava ver que aquele sorriso nunca abandonava o rosto dela.

Era para ser ela. Não outra qualquer. Ela. Mas, agora não fazia mais diferença. Ela já havia tomado sua decisão. Todo o resto era passado. Quando o convite chegou, achou absurdo. Deixar sua equipe para trás. Sua vida. O seu amor de todo o sempre. Mas bastaram algumas horas e umas poucas reflexões para acreditar que aquilo era um presente. Uma chance de recomeçar. De curar suas feridas e reescrever sua história. Tudo agora se encaixava. A distância lhe faria bem. Um novo desafio profissional. Quem sabe um dia, um outro amor.... Amanhã, amanhã iriam conversar. E ela iria lhe dizer que estava partindo. Com toda a certeza ele lhe diria que ela faria muita falta por lá, mas que uma mudança lhe faria bem. Ele, como um bom amigo apoiaria sua decisão e ela deixaria sua vida sem que ele soubesse que um dia fizera de fato parte dela. Desde sempre ela o amara. Nem conseguia se lembrar ao certo quando se deu conta disto. E a vida foi se encarregando de aproximá-los sem de fato uni-los. Há muito tempo aceitara que ele sempre seria apenas seu chefe, mas só lhe fizera mal acalentar um sonho impossível. Porque desde aquele dia no parque todas as suas fantasias caíram de vez por terra. Uma coisa era desejar, outra era encarar  os fatos. Quando ele apresentou Beth a todos eles naquele dia ao final da prova tudo atingiu um outro patamar. O Aaron Hotchner por quem ela se apaixonara era homem de uma mulher só e não trocava de namorada como quem troca de roupa. Vê-los juntos a trouxe de volta à inegável realidade dos fatos. Aquilo nunca iria acontecer. Não do jeito que ela desejava. Não do jeito que devia ser.

- ..... damos valor ao que perdemos. Olhe só para ela. Morgan está ali para apoiá-la, mas é visível a decepção em seus olhos, não acha?

Emily não tinha a menor ideia sobre o que Rossi estava falando.

- Está tudo bem com você?

- Sim, claro que está. 

- Não que seja da minha conta, mas talvez Penélope não seja a única que esteja se dando conta de algumas coisas esta noite. Seja como for, minha cara, tenha em mente somente uma coisa: nada termina de fato enquanto você não entrega os pontos.

Ela sorriu quase aliviada. Não que tivesse entendido o que David Rossi acabara de dizer. Mas não pode negar para si mesma que sentiu-se melhor  ao ver que Hotch estava agora dançando com Penélope. O que dizem mesmo sobre...  o que os olhos não veem, o coração não sente?  Na falta de coisa melhor para dizer ao seu par  naquele instante, resolveu calar-se . O problema é que David Rossi era ótimo em interpretar silêncios. E, ainda pior, era especialista em dizer em claro e bom som aquilo que a maioria das pessoas apenas ousava pensar.

- Às vezes Emily, nossos maiores pesadelos só se tornam pesadelos porque não queremos correr atrás dos nossos sonhos. Você é uma mulher corajosa, seja lá o que estiver passando nessa sua cabecinha, lembre-se sempre: siga sempre seu coração.

Só então ela percebeu sobre o que David Rossi estava falando. Aquilo era bastante constrangedor e ela percebeu o quão óbvia ela deveria estar parecendo naquele momento.

- Você tem razão David, está na hora de correr atrás de alguns sonhos. É por isto que vou seguir meus instintos. Está na hora de tomar algumas decisões que eu deveria ter tomado há algum tempo atrás.

- Você passou por muita coisa, Emily. Pese tudo com muita calma. Ouça o que seu coração diz.

Para sua surpresa, ainda dançando com David, percebeu que seu par havia parado de se mover. E por um breve momento congelou ao perceber que Aaron Hotchner estava lhe tirando para dançar.

- Me desculpe, David, você me permite?

Prontamente Rossi afastou-se dela e entregou-a ao chefe da unidade.

- Claro, claro. Aproveitem bem a dança.

Seu corpo todo tremia, mas ela não podia deixá-lo perceber. Naquele instante parecia que todos os seus desejos mais profundos estavam sendo realizados. A mão que tomou a sua era quente, firme, mas, de alguma forma, também suave. Foi difícil conter sua alegria e ela sorriu, indisfarçavelmente. Ela precisava dizer alguma coisa rapidamente e o que lhe ocorreu foi um comentário sobre ele gostar de dançar. Procurou ser o mais casual possível. Eles trocaram algumas palavras e ele não perdeu a oportunidade de lhe devolver a brincadeira sobre o Triatlon. Claro que ela devia estar imaginando coisas, mas ele parecia claramente feliz e confortável dançando com ela. Longe da habitual postura distante e formal, ele parecia genuinamente... contente....

Ele era tudo o que sempre sonhara. E a vida toda esperara por aquele  momento. E ele estava acontecendo. Nada mais perigoso que isto. Precisava não esquecer-se que ele estava apenas sendo gentil e educado. Nada além disto. Ele estava namorando agora e isto, no rígido vocabulário dele significava compromisso. Ele jamais teria apresentado Beth a todos se não tivesse certeza do que queria. E a moça parecia estar fazendo dele uma pessoa melhor. Afinal, ela nunca o vira tão à vontade.

Então, ele disse aquilo. Ele havia dito mesmo o que ela ouvira? Ele dissera que ela só tornava a noite ainda mais linda? Não era possível que ele lhe tivesse dito isso. Ou talvez fosse. Talvez fosse o jeito dele de tentar ser gentil. Ela podia jurar que ele havia aproximado o corpo ao seu neste momento e não deixou de notar o leve aperto que ele deu em sua mão.

Poderia passar a eternidade abrigada entre aqueles braços. Poderia morrer naquele instante com a respiração dele lhe resvalando os seus cabelos, o som  daquelas palavras eternizadas em sua memória. Ela percebeu como ele acomodou o rosto de barba bem feita quase colado ao seu, o silêncio carregado de paz naquele instante. E deixou-se levar pelo momento perfeito. Tão perfeito que deveria ser eterno.

Quando Morgan aproximou-se do casal ela pressentiu o pior. Como dizer que ela não queria ser tirada dos braços do homem que amava e que todo minuto a mais ali seria apenas como tentar adiar o inevitável? Tudo o que pôde fazer foi agradecer gentilmente pela dança e vê-lo se afastar, levando junto dele os melhores momentos dela em anos.

Não demorou e lá estava ele, dançando com Beth, fazendo-a sentir-se traída pelo pior dos sentimentos, o ciúme, o vazio incondicional que alcança a alma de quem sofre das dores de amor. A moça havia mesmo feito dele um homem melhor. Ele parecia mais humano, mais sensível. Ele havia lhe feito um elogio. Bem, um elogio estranho. Se ela não soubesse de sua atual condição de homem comprometido, teria lhe soado quase como uma cantada.

Sentiu-se tentada a acreditar que havia algo mais naqueles minutos perfeitos da sua dança. Mas, o que importava agora? Olhou para seus amigos e pensou como seria seguir sem eles. Sem a alegria de JJ, sem as brincadeiras de Penélope ou as perturbações diárias de Derek Morgan. Como faria longe das monótonas explicações de Reid sobre assuntos estranhos ou a fina ironia apenas percebida no tom de voz de Rossi. Como seriam seus dias sem os olhares furtivos para a janela no andar de cima, de onde monitorava discretamente o homem que deveria ter sido seu. Às vezes  achava que nunca havia voltado de verdade. Mas, naquele instante parecia mais que nunca havia partido. E, talvez, apenas talvez, as coisas devessem continuar apenas como estavam....como se pudessem por magia, tornarem-se eternas.....

3 comentários:

  1. AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI DEUS ASSIM VOCÊ ME MATA CARA! E EU ACHANDO QUE JÁ TINHA SUPERADO! TIPO ASSIM, CHOREI!

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  2. Perfeitooooo!!!!!
    Sdd de ler uma boa fic H/P

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  3. Que triste... Foi lindo, mas tão triste. Sua escolha de conversa encaixou completamente. E me doeu ler isso.
    Serio... Cadê o final alternativo?
    Onde Beth ser afoga na piscina? Kkk
    Beijinhos

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