terça-feira, 4 de setembro de 2012

SER FELIZ JÁ FOI MAIS FÁCIL !!


É interessante observar as pessoas hoje em dia. Parece que todo mundo tem um drama preparado, pronto para ser apresentado ao mundo. Os jovens, principalmente. Tudo é tragédia ou tédio. Tudo é motivo para se descabelar. O sujeito compra o Iphone 2, já contando os dias para comprar um  Iphone 3, compra um DVD e já sabe que o terá que substituir por um Blu Ray, de preferência 3D, muito em breve. Não basta vestir-se bem, tem que vestir-se com as grifes do momento, e, claro, postar uma foto no Facebook atestando sua compra. Tudo parece hoje ser descartável. As músicas, os filmes, os eletrônicos, os empregos, os namorados, as amizades. O que me dá a impressão ( senão a certeza ) de que as pessoas hoje têm coisas demais e as aproveitam de menos.

Não sou a dona da verdade. Longe disto. Mas acompanho estarrecida a derrocada dos princípios básicos, das coisas que eram importantes de verdade.

Em minha época de menina ( vão-se vários anos então), tudo era fascínio. Nós esperávamos que o Coelho da Páscoa nos trouxesse um único ovo de chocolate para os três irmãos, mesmo que pequeno, porque ele teria se lembrado de nós. Não escolhíamos pela tv o ovo que queríamos ganhar porque ele tinha um relógio do Ben10 que mexe os ponteiros de verdade, tampouco o anel mágico da Barbie. No Natal, esperar pelo Papai Noel era um encanto. Mesmo que ele nos trouxesse um brinquedo qualquer, na verdade, às vezes o único que ganharíamos o ano inteiro. 

Verdade seja dita: meu pai trabalhava na Ford – Willys e a empresa dava aos funcionários um vale brinquedo de acordo com a faixa etária de seus filhos, e  era o dito cujo que iria nos distrair por, no mínimo, 365 dias( me lembro muito bem de uma mini maquininha de costura, de madeira, fiz muito vestido de boneca lá com a ajuda da mamãe!). Em nosso aniversário, sabíamos que iríamos ganhar presentes do vovô materno, paterno e do titio. Claro que todos eles iriam perguntar a nossas mães o que estávamos precisando, e mamãe diria a todos eles: meias três quartos para a escola, um pijama, uma conga ( espécie de tênis da minha época). Brinquedos, nem pensar ( no Natal, papai comprava um vale do antigo Mappin – já falida, mas era como uma lojas Riachuelo da vida, bem menos estilosa), o equivalente a cem reais para cada irmão e nos cabia escolher uma calça, blusa e sapato, além de roupa íntima dentro deste orçamento. Uma verdadeira missão impossível, porque era basicamente, o que você iria vestir durante o ano!


 Loja do Mappin na Pça Ramos de Azevedo em Sampa, já não existe mais!

Não me lembro de ter sido infeliz por causa de nada disto. Ao contrário. Uma conga nova para ir à escola era uma festa. Era sinônimo de aposentar a velha e batida conga azul e branca, já com um ano de uso, com aquele furinho pequeno do lado esquerdo ao lado do dedo mindinho do pé. Ou as meias escolares, que de tanto usar já não prendiam abaixo do joelho por mais que dez minutos antes de escorregar nos tornozelos.

Observo as crianças de hoje em dia e acho que éramos mais felizes. No nosso aniversário, na cozinha da casa simples onde morávamos, nossa mãe recebia nossos avós e tios com um bolo feito em casa e lanches feitos de carne louca ( uma espécie de lagarto cozido e refogado com muita cebola e temperos variados ou carne moída ), dentro do pão francês cortado cuidadosamente em diagonal, o que indicava que aqueles lanches eram muito especiais. Ah, e claro, haveria tubaína, o refrigerante da época. Tubaína na mesa era claramente sinônimo de festa. Só se tomava tubaína em casa nos aniversários, na Páscoa e no Natal. Nos outros dias do ano rolava a famosa limonada ( não a suíça, objeto do desejo nosso hoje em dia nas “padocas” da moda, mas aqueles três limões espremidos na água potável) ou o imbatível K-Suco, cujas cores produzidas por uma inimaginável quantidade de corante enchia nossos olhos mais do que agradava ao nosso paladar.

Anos depois, por vários motivos fui trabalhar com festas infantis. Há dezesseis anos, quando comecei, via ainda as crianças pasmas com um Mickey de quarenta centímetros em cima da mesa, ou apaixonadas pelo castelo imponente da Cinderela, cheio de luz, esbanjando fantasia por todos os lados, sem conseguir piscar, tamanho encanto. Eram bons tempos. Hoje, se o Mickey aparecer pessoalmente ou mesmo se a criança puder entrar dentro do castelo da Cinderela, ainda assim ela não se surpreenderá demais. Não é mais a mesma coisa. Vejo em meu trabalho mães se descabelando porque a Branca de Neve está virada mais para a direita do que para a esquerda, porque o salão do seu filho tem que ter mais balões do que o salão de festas do aniversário do filho da melhor amiga e crianças que na hora da festa, chegam à beira da mesa, observam tudo o que foi montado, dizem: - que maneiro! e viram as costas para sair correndo atrás do amiguinho, socando ele com algum balão linguiça em forma de espada.



 Mesa de festa em escola

 Simples assim. Porque estas crianças vão a pelo menos um aniversário por semana. São os amiguinhos da escola, do judô, do balé, da aula de música, os filhos dos amigos do futebol do papai, das amigas da yoga da mamãe, dos primos de segundo grau, dos meninos que moram no mesmo prédio e a mamãe convida, mesmo que não saiba nem o nome, porque vai ficar chato usar o salão de festas do prédio e não convidar. Tudo ficou muito complicado. E, ao mesmo tempo, muito comum. A menina que convidar 30 amiguinhas provavelmente irá ganhar 30 Barbies e não irá passar mais que três horas com cada uma delas antes que ela ganhe outra boneca do papai porque ele a levou ao shopping e, claro, ele não vai resistir comprar aquela nova, que ela vai pedir por duas horas chorando e vai deixar esquecida no armário para todo o sempre depois que a novidade passar. É muito, demais, de tudo. Até para quem não tem renda para isto. Mesmo que a Barbie seja de camelô e custe dois reais e noventa e nove centavos.



Por isto parece que nada tem mais o mesmo impacto de antes. Tive meu primeiro telefone fixo residencial com 16 anos. Conto isto para meu filho e ele faz uma cara de “como você sobreviveu sem telefone?”. Pois é, sobrevivi. Quando era urgente, haviam os orelhões. Quando era urgência urgentíssima tinha o telefone da vizinha rica da rua, que a gente pedia, constrangida, para avisar caso houvesse um recado. Para todo o resto, havia o taxi-sola. Sabe aquela coisa de bater a pé vários quilômetros para dar um recado a alguém? Pois é. Era assim. E o mundo tinha que estar acabando para o pai ou a mãe deixar a gente ir até a  algum lugar dar um recado para alguém. 



A festa na escola com abraço e lanche coletivo


Os tempos mudaram. Não acho que tenham sido para melhor. Vejo tanta gente descontente, reclamando, achando que a vida está sendo cruelmente injusta com elas. Vejo crianças em festas apalpando o pacote para saber se vão ganhar brinquedos com os quais nunca brincarão mais que três horas ou outras que vão à festa sem saber direito porque estão lá. Quando começo uma festa em escola tenho um mantra. Faço toda uma preleção, faço questão que aquelas crianças entendam o que estão fazendo ali, que além do presente tão esperado é importante que eles se abracem, que desejem  que seu amigo aniversariante tenha um ano com muita saúde e felicidade. Foi assim que surgiu a Hora do Abraço em minhas festas. É pouco, mas é legal quando você faz festa várias vezes na mesma sala de aula, da mesma escola e percebe que plantou uma semente que vingou. É muito bom quando você pergunta o que eles estão fazendo lá naquele momento e eles te dizem que estão lá porque é dia de dar um abraço no amigo aniversariante. Não é sempre mas, às vezes, eles se lembram que não é dia apenas de comer brigadeiro e ganhar lembrancinha (  cada vez mais sofisticada e longe de agradar às crianças – está mais para agradar à mãe das mesmas, onde o importante é que se dê algo caro e de preferência que supere a lembrancinha dos aniversários de todos os outros amiguinhos – afinal status é o que conta, dane-se se a criança vai aproveitar ou não – então, alguém pode me responder o que uma criança vai fazer com 10 garrafas squeeze, todas com fotos de amiguinhos de classe ao final do ano?)



Vamos brincar?




Eu tenho certeza que pareço amarga em meu texto, talvez porque ande mesmo amarga. Acho uma pena tantos recursos empregados para tão pouco aproveitamento. Acho triste a mãe que me contrata mais preocupada com a aparência do bolo do que com seu sabor, mais atenta ao formato do kibe do que com o que uso para produzi-lo, mais interessada no impacto do convite do que com a equipe que irá brincar com seus filhos por quatro horas. Não que eu não me preocupe em atender a todos os requisitos. O problema não é o que ofereço, que eu sei ser da melhor qualidade. O problema é perceber que hoje não sou competitiva se fizer festa apenas para a criança ser feliz. Isto parece ser o que menos importa. Menos que a aparência, menos que o status. Preciso vender ao meu cliente uma festa que encha os olhos dos adultos. E a criança que se dane. Aliás, ela acaba crescendo com seus valores invertidos, achando mesmo que o que conta é ter a festa mais memorável, mesmo que isto implique que ela não possa sentar no chão para brincar porque vai sujar o vestido, ou porque vai ficar horas tirando milhares de fotos em todos os recintos, com todas as poses, ao lado de todos os convidados, para o fotógrafo poder vender ao papai “aquele” álbum bem completo de duzentas e trinta fotos dos dois anos de sua primogênita.

Toda a vez que saio para trabalhar ultimamente, saio desmotivada. Sei que poucas serão as vezes que poderei testemunhar aquele brilho real nos olhinhos deles, aquele encanto verdadeiro, que eu via com mais frequência tempos atrás. Não raro ouço algum deles dizendo ao outro: minha mãe disse que a minha festa vai ser melhor que a de todos os meus amigos! Sabe como é, estilo Facebook, tudo perfeito por fora.... Deixa para lá! 

Então me lembro daqueles aniversários em casa onde só estavam os nossos pais, avós, às vezes tios e a mamãe dizia: você pode convidar duas ou tres amiguinhas para vir aqui em casa. O que era um dilema do qual ela não tinha idéia, porque como convidar uma sem chamar a outra e na segunda feira todos olharem para você sabendo que a Connie ou a Ana Paula foram, mas a Márcia não? Pois era assim. Simples assim. Pão com carne louca, tubaína ( mais tarde veio a Gini, a Grapette), o famoso bolo de chocolate caseiro, presentes que não eram mágicos, mas que te faziam sorrir, um pouco de bagunça no quintal ( não muito, vocês não conheceram meu pai) e pronto. Sua festa já tinha terminado.

Estou apta a depor que nada destas coisas me tornaram inconformada com a vida, infeliz, desesperada para consumir hoje o que me privaram na infância. Ao contrário disto, aprendi a preservar, aquilo que antes era a roupa de domingo, hoje é a roupa de passeio e não tenho vergonha de dizer que uso roupa velha para cozinhar porque suja mesmo e estraga sem necessidade o que for novo, e que uso um sapato ou uma blusa até ela dar o que tem que dar, que uma camiseta começa como roupa de sair e termina como roupa de dormir. É assim comigo, meu marido e foi assim que criei meu filho.

Tenho pena desta nova geração. Nada lhes parece suficiente. Elas nunca sentirão a felicidade que eu senti quando compramos nosso apartamento, ou aquelas pequenas coisas, como uma churrasqueira de varanda. Elas nunca vibrarão com um up no computador da época dos dinossauros montado em peças, com muito sacrifício. Elas nunca saberão o gosto de trocar o sofá de vinte anos por um novo. Nunca como eu. Nunca como os da  minha geração. ( Aliás, quem disse que os  sofás – ou qualquer outro utensílio de hoje em dia – é feito para durar vinte anos?)

As crianças de hoje acham tudo descartável. E, que é obrigação da vida ( através dos pais, avós e outros), lhes ofertar o que há de melhor. E, por este motivo, entre outros, é que as coisas perdem um pouco a graça, é que a descoberta deixa de ser interessante, que nada lhes contenta, nada é bom o suficiente. Como a festa, que deve, segundo a mãe, ter mil e quinhentas bolas, porque a da melhor amiga teve mil. Ou o filme no cinema que não era nem tão original assim. E aqueles tênis, aquele que acendia luzinhas no solado no ano passado, nossa, quem disse que isso já foi moderno?

Certo, vou parar por aqui. Afinal, se em minhas festas eu puder lembrar por uns instantes que eles todos estão lá porque “ Hoje é dia de dar abraço!”, já voltarei feliz para casa. Se alguns lembrarem sozinhos, voltarei com certeza cantando, assobiando, super feliz.
Esta geração funciona assim: é fácil parecer feliz nos milissegundos que leva para se tirar uma foto, para o Facebook ou qualquer outra rede social. É ainda mais fácil acreditar na felicidade que aqueles milissegundos produziram. Difícil é equilibrar-se nas outras vinte e três horas, cinquenta e poucos minutos e alguns segundos que a foto não registra. Ninguém quer ser infeliz nas fotos. Ninguém quer ser infeliz no Orkut. Ou no Facebook. Ninguém quer parecer infeliz para os outros. 

Mas, acreditem, hoje em dia é muito mais difícil ser feliz para si mesmo!! Pena mesmo as pessoas complicarem tanto tudo!

Um comentário:

  1. Déborinha querida, seu texto é nada menos que perfeito! Expressa tudo que eu penso e que também vivi nos meus 2 anos e meio de trabalho em buffet infantil e que me recordo da minha infância.

    Não reli os comments sobre CM pq já os leio e dou minha opinião na comu, mas seu blog é excelente. Se precisar de ajuda para arrumar a formatação, conte comigo.

    Bjs mil!

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