sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Teatro de Fantoches e Outras Estórias...





Meu primeiro teatro de fantoches surgiu há uns vinte e tantos anos atrás, de uma caixa de geladeira cuidadosamente reforçada com fita adesiva e vários metros de juta e feltro costurados a mão para forrá-la. Era uma tentativa ainda que tosca, de incrementar a famosa hora da estória nas festas infantis. Sem muito dinheiro, mas cheia de disposição e ideias férteis na cabeça, metia-me em um espaço de setenta centímetros e passava meia hora abaixada ali dentro, mãos erguidas, manipulando bonecos, contando estórias, criando vozes para personagens de fábulas que encantavam adultos e crianças. Foi, como tudo o que eu criei em festas, um começo bem difícil. Não que as crianças não prestassem atenção quando eu contava as estórias sentada no chão com elas, despida de qualquer recurso extra, mas a ideia de apaixoná-los com os bonecos me cativou. 



Sem falsa modéstia, eu sempre contei estórias muito bem. Tive boa professora. Eram naquelas tardes de temporal em São Paulo, quando os    raios riscavam o   céu para todos os lados, que minha mãe saía-se melhor, contando infinitas vezes sobre os mesmos personagens, com o intuito de distrair, a mim  e a meus irmãos, daquilo que nos trazia medo. Eu gostava tanto das estórias que chegava a esperar ansiosa pela chuva do fim de tarde para ouvi-la novamente. Isto e mais alguns outros fatores ( a biblioteca municipal era meu refúgio para os momentos dramáticos da família ) me levaram a ser uma leitora voraz, um rato de biblioteca, que aos treze anos já havia lido de Graciliano Ramos à Madame Bovary, de Angélica de Madame Dupré ao Sherlock de Arthur Conan Doyle.

No entanto, nem todo leitor contumaz é um bom contador de estórias. Mas, então, eu virei mãe. E passei a dividir com meu filho o prazer de, inicialmente contar estórias e, mais tarde, ler livros com ele. Foram raras as noites em que eu não contasse ao menos, palavras dele, uma estória rapidinha. Naqueles dias em que eu estava caindo de cansada, com sono, louca por uma cama, uma estória rapidinha era a solução. Mas, não raro, o sono ia embora quando me empolgava, eu em contar, ele em ouvir, mais uma estória maluca que misturava personagens de ficção ou vida real.

Por isto, fazer o teatro de fantoches era um prazer. Tinha uma fábula, a do Ratinho e o Leão de La Fontaine, cujas palavras e vozes dos personagens quase saíam sozinhos da minha boca, tantas vezes que contei.


E, com o tempo, a caixa velha de papelão deu lugar a uma estrutura com canos de plástico e diversos encaixes, tecidos mais sofisticados e personagens maiores e mais bem elaborados. E eu continuava feliz em me espremer por quarenta, cinquenta minutos em um espaço pequeno e apertado, para brincar de contar estórias com as crianças da festa. Era quase um milagre eu me divertir tanto e ainda ser paga por isto. Vieram o microfone, a caixa de som, uma música para o fundo musical e aquelas horas eram, até bem pouco tempo, as melhores da festa.



Mas o tempo passou. Em um dia, durante uma estória, uma criança com não mais que cinco anos de idade  me perguntou porque a menina sozinha na floresta não usava o celular para chamar um táxi e outro sugeriu em outro dia que o leão não tivesse medo de dar ( sic) " umas porradas no ratinho para ele aprender". Não demorou muito tempo desde então, para que meu teatro tivesse que disputar espaço com outras coisas mais high tech, e, para adequar-me e não perder mercado rendi-me ao desfile de modas com direito a maquiagem e camarim, orientando minhas recreadoras a tentarem não maquiar as meninas como se fossem mini adultas. Hoje, nos cabides à disposição das convidadas, muita coisa com brilho, muito rosa choque, inúmeros boás de penas coloridas, chapéus e colares cheios de contas. Todas querem ser Gisele ou algo assim, então eu coloco "Tô Nem Aí" com a Luka cantando a plenos pulmões e elas adentram no tapete vermelho ( a Denilda jura que aquela passarela que eu estendo no chão é cereja ) consagrando este o melhor momento da festa, junto com os brigadeiros e as lembrancinhas, desbancando de vez meu velho e bom teatro. 



Quanto aos meninos, quando eles não estão se estapeando com bexigas de canudo em forma de espada, a recreadora tenta diverti-los com um jogo de futebol, até que o desfile acabe e eles possam todos juntos, voltar ao bom e velho Vivo ou Morto, brincadeira antiga, mas que ainda cativa as crianças de hoje em dia.




Às vezes sinto vontade de voltar com o teatro nas festas de salão, mas basta pensar que, em meio às crianças pequenas e atentas surgirá um pai que bebeu demais e irá avacalhar em alto e bom som com meu texto ( como já aconteceu mais de uma vez - os pais de hoje exageram na bebida em festas infantis de forma vergonhosa!) ou um moleque maior cuja missão será derrubar a estrutura do teatro no chão, só para provar aos pequenos que ele tinha razão e era uma "tia" falando lá dentro, que eu desconsidero a idéia. Nunca fui  uma profissional de teatro, apenas alguém que gosta de divertir crianças com  estórias e, se elas preferem se divertir de outra forma, tudo bem, eu preciso me adequar ou serei soterrada pelas outras inúmeras casas de festas que estão surgindo por aí.



Continuo fazendo o teatrinho nas festas em escolas, onde tenho um controle maior sobre quem assiste e conto com a ajuda das professoras para organizar a bagunça. Mas não demora a chegar o tempo em que o teatrinho será vencido pelo camarim e outras atividades mesmo nas escolas. Já tenho mães me perguntando se posso encaixar as duas coisas na festa e, se não, se posso fazer o desfile ao invés do teatro.



Pode ser que eu acabe deixando de fazer o teatro, mas uma coisa é certa. Em minhas festas ainda se toca para crianças, música de criança. O dia que eu tiver que tirar as melodias infantis para colocar funk, axé, pagode ou sei lá mais o quê para eles se divertirem, será o dia em que estarei pedindo minha aposentadoria. Já me indispus com cliente que tirou meu cd do aparelho para colocar uma pérola chamada funk do caveirão. Sem comentários. Minha única exceção fica por conta do momento do desfile, porque também seria sem noção fazê-las desfilar ao som do Pai Francisco. Aí até rola a tal da Luka - que as meninas amam, o Skank ou o Jota Quest. Mas só.



Quanto às estórias, me restam meus sobrinhos. A mais nova outro dia também me disse que o menino perdido devia usar um celular sempre que sai de casa. Sinais dos tempos. Um dia, talvez, eu tenha netos. E, talvez, para eles eu também possa contar estórias, sair rugindo como um leão zangado ou engrossando a voz para parecer um pirata conquistando os mares. Ou fazendo a voz enfraquecida e triste da Dona Baratinha que padece com a viuvez do Sr. João Ratão.



Enquanto isto, vou escrevendo......

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