sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Terra Distante




 




Interessante.... Não me lembro de tanta preocupação com o Ebola quando ele estava restrito aos países africanos.... 


"Naquele fim de mundo, onde não havia ninguém se importando com quantos africanos que morriam por dia, não havia telex, telégrafo, rádio ou sinal de telefone suficiente para dar importância ao fato. Naquela terra de ninguém onde a fome, o clima, a pobreza e as doenças já dizimavam indiscriminavelmente, a Aids era apenas mais um motivo para morrer...

Não que fizesse diferença para muitos, não que alterasse as estatísticas, não que envergonhasse a humanidade, naquela terra de ninguém, não há gente suficiente que se importe, não há vozes suficientes para se fazerem ouvidas, não há gestos possíveis, só a miséria e a morte que cercam o abandono do ser de cor escura e ter o destino mal traçado.....

Todas as manhãs olham-se os rostos que restam, os corpos que ainda se mantêm em pé, as almas que se permitem continuar seguindo em frente, a despeito das dificuldades.....

Todos os dias os corpos fracos caem no abandono de si próprio, na terra árida, na areia quente, e secam no próprio sangue, e gritam o grito calado, em desespero, em busca de uma ajuda que nunca virá....

Aids? Que Aids, que nada... Morrem de fome, de sede,  de miséria,
de abandono, de desespero e de solidão.
Morrem pedindo ajuda, morrem querendo apenas alguém que  
que saiba que existem, para além de uma doença que eles não podem entender.....

Querem morrer não tendo que matar aquele que não conhece,
outra alma perdida entre disparos,
pedindo socorro em silêncio
tanto quanto seu maior inimigo....

Na verdade,provável seja seu desejo de que fosse tudo diferente,
que não houvessem dores, medos, surpresas indesejadas.....
Que não houvessem temores, nem dores, sequer  fome ou sede,
que não houvesse vergonha oculta sob os prazeres....
Que não houvesse batalha para combater outro homem, outro igual.... talvez.....

Morte doída esta imposta
Que não escolhe quem abate,quem fica
que teme ser injusta, indistinto prazer,
de quem  nem sabe se o mata a fome ou o coito,
se o mata o outro ou a sede
se o mata o desejo de seguir em frente e ser apenas
a mão que mata e nem sente....... "


( Terra de Ninguém - DGRC - 1998 ) - Escrevi isto como parte de uma crônica há dezesseis anos atrás, em tempos de Aids, parece que nada mudou....



2 comentários:

  1. Que texto lindo, Dé. Que maravilha, que sensibilidade. Fiquei tocada. Parabéns, fantástico!

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  2. Pois é,este texto é bem antigo, mas me pareceu um momento muito adequado. E vc não vale, vc é minha fã! Bjo e obg por ler!!!!

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