sexta-feira, 24 de agosto de 2012

FIC - PEDRAS NO CAMINHO - CAPÍTULO 3



“ UM ÚNICO RAIO DE SOL É SUFICIENTE PARA AFASTAR MUITAS SOMBRAS “


São Francisco de Assis


Aaron Hotchner entrou em seu escritório e uma senhora de meia idade uniformizada esvaziava seu cesto de lixo. Ela desculpou-se, recolheu um pano úmido de cima de uma prateleira e saiu sem dizer uma palavra. Era cedo. Muito cedo. Havia dormido bem as quatro primeiras horas da noite, mas então despertara com um novo pesadelo. Virou-se de um lado para o outro na cama, levantou-se, bebeu água, deitou-se novamente e após meia hora de luta contra os lençóis desistira. Achara melhor levantar-se e ir trabalhar. A cabeça lhe doía, resultado de horas mal dormidas e da bebida forte que ingerira na noite anterior de estômago quase vazio. Lembrou-se que o café do Bureau não era grande coisa e lamentou não ter parado em algum lugar para uma refeição decente. 


Pôs sua maleta sobre sua mesa e a abriu. Dela tirou vários papéis, dentre os quais aqueles que levara para casa na noite anterior sem utilidade alguma. Colocou-os por cima de uma pilha de pastas que repousavam num canto sobre sua mesa e tudo foi ao chão.

“Que ótimo!” – pensou – “ boa forma de começar meu dia! “

Recolheu tudo do chão de forma organizada, mas foi ao colocar tudo de volta ao local de origem que sentiu o primeiro grande choque do dia. Deparou-se com a cópia da foto de George Foyet colocada sob o vidro de sua mesa, num local cujos papéis sempre pendentes a escondiam estratégicamente. Ele a havia deixado lá porque sabia que ninguém a veria, mas ele sabia que ela estava lá. Estava lá para lembrar-lhe a todos os momentos o que deveria fazer. Estava lá para lembrar-lhe de que seguir com sua vida dependia disto.



Olhou fixamente a foto, e refletiu por uns momentos. Que espécie de criatura se tornara por desejar ardentemente que este assassino cruel voltasse a fazer uma vítima? Sabia que seria sua única chance de pegá-lo. E isso custaria uma ou mais vidas. E ainda assim ele esperava ansioso por um telefonema que lhe alertasse sobre esta morte. Seria possível tornar-se impiedoso assim e perdoar-se? Tinha receio de estar tornando-se tão cruel quantos aqueles a quem caçava. E não gostava nada do que estava se tornando.


Suspirou profundamente, tornou a cobrir a foto com todas aquelas pastas e papéis e escolheu um da pilha que formara. Havia trabalho a fazer. Tinha muitos relatórios e formulários a preencher e havia combinado com sua equipe que nos próximos tres dias o serviço de todos deveria ser colocado em ordem. Inclusive o dele. Embora a idéia de serviço burocrático não fosse ruim, levando-se em conta que, se não surgisse nenhuma emergência, teria ao menos três dias longe de jovens viúvas recém enlutadas, pais à beira do desespero durante uma entrevista após perderem seu filho de forma estúpida, delegados mal humorados descontentes com a intervenção do BAU, criminosos desafiando sua autoridade. De qualquer forma, embora os relatórios devessem ser feitos, lhe parecia uma boa opção para os próximos dias.


Ele havia autorizado seu pessoal a chegar mais tarde por conta do horário avançado em que haviam encerrado o caso da noite anterior. Então, entregou-se ao trabalho duro.
Trabalhou com afinco por algumas horas até perceber o burburinho de vozes de funcionários enchendo o salão. Um pouco mais tarde,uma batida em sua porta aberta lhe despertou de vez a atenção.



- Olá! Chegou cedo!! Se não o tivesse visto ir embora com a Emily diria que dormiu aqui mesmo!
- Hey!
- Sabe que há um buxixo entre o pessoal da limpeza sobre não saberem bem a que horas limpar seu escritório? Você parece plantado nele!
- Rossi, há muito trabalho a fazer, só isso. Sabe aqueles dois casos de Miami em que nos requisitaram consultoria na semana passada e passamos o perfil? Pois é, eles achavam que haviam pego o assassino, mas surgiu uma nova vítima. Preciso rever o caso e se não for o suficiente para passar um perfil mais exato teremos que ir até lá.
- Bom .... Miami, sol, mulheres bonitas.....
- Um assassino implacável, David!
- Puxa, você sempre lembra do pior não é?
- Eu sempre lembro do que é real!
- Mulheres bonitas também são reais... E mesmo trabalhando podemos observá-las. Isso não é crime. E com tanto calor por lá, elas parecem sempre menos cobertas do que por aqui, não é?
- Deve ser, David, deve ser.
- Nossa, é bom você melhorar seu humor, só estou brincando com você! Ok, se precisar de mim estarei na minha sala trabalhando nos relatórios e pensando em mulheres bonitas.


Hotch esboçou um cumprimento e voltou a se concentrar em seu trabalho. Mas a falta de um café da manhã estava infernizando seu estômago. Fechou sua porta, desceu as escadas e cruzou com um Morgan bem humorado.
- Ei cara, bom dia! Já está indo embora? Por isso é bom ser chefe!
- Hey, volto em vinte minutos.
- Ok! Morgan murmurou novamente – é muito bom ser chefe! – e foi sentar-se em sua mesa, não sem antes brincar com as muletas de Reid transformando-as em espadas no ar e deixando o gênio do BAU incomodado com a brincadeira.


 
No elevador, Hotch cruzou com o seu segundo grande choque do dia.
- Bom dia Aaron!
- Bom dia Chefe Strauss...
- Ainda não recebi o relatório a respeito do caso de Commack, Long Island da semana passada. Um juiz estava envolvido, não é?
- Sim senhora. Estou colocando os relatórios em dia e lhe entregarei em breve. Estivemos muito sobrecarregados nos últimos dias.
- Eu soube como acabou o caso de vandalismo e assassinatos que vocês encerraram ontem. Foi tão ruim quanto pareceu?
- Foi sim, senhora.
- Mas, você sabe, os relatórios não podem sofrer atrasos demasiado longos, pois a supervisão está fazendo uma nova reavaliação orçamentária e.......
-Senhora, os relatórios estarão em sua mesa até o final da tarde de amanhã.


Atendendo às suas preces, o elevador parou no térreo e sua porta se abriu. Ele só queria sair de lá. Resmungou um cumprimento e a deixou para trás a passos largos e firmes. Quando atingiu a porta da rua tentou encher seus pulmões com todo o ar fresco que eles podiam armazenar. Ele sabia da pressão. Ele sabia das suas responsabilidades.Fazia parte do seu trabalho. Mas ele sabia também que o problema de Erin Strauss não era cobrar-lhe o trabalho que era de sua responsabilidade. Seu problema era outro. Ele podia sentir. Não era à toa que era bom no que fazia. Sabia que algo estava por estourar. E sabia que Erin Strauss estava por trás disto. Não era de hoje que tinham suas diferenças e ele sabia de sua ambição pela direção do FBI, mas ele já havia deixado claro a ela outras vezes que isso não seria um problema. Mas, para ela, tinha se tornado pessoal. Depois do ataque de Foyet, Hotch percebeu que seus problemas iam além de capturá-lo e trazer seu filho para perto de si novamente. Seu emprego também estava sendo ameaçado.


Durante o mês em que ficou afastado em recuperação, recebeu dela dois telefonemas tentando dissuadí-lo a voltar á chefia do Baú. Segundo ela seu julgamento estava comprometido e ele estava envolvido demais para capturar um assassino que o tinha nas mãos. Ele sabia que ela não estava de toda errada, mas não podia admitir que fosse afastado de suas funções, seria mais uma vitória de Foyet. Além disto, sabia que por melhor que fosse seu time, para ele, capturar George Foyet tinha se tornado pessoal. Às favas com a ética! Seguir com sua vida dependia disto. Ele resistiu a todas as suas investidas, fez todos os testes exigidos, físicos e psicológicos, procurou comportar-se da melhor forma que pode para não dar os motivos que ela procurava. Nem sempre se comportou da forma mais adequada, mas em nenhum momento sua capacidade de julgamento mostrou-se afetada. No entanto, ao invés de apoio, o que ela fazia era pressionar cada vez mais. Primeiro com comentários sobre não haver mais verbas para a contra espionagem responsável por sua segurança no caso de um novo ataque de Foyet , depois com cobranças quase diárias ,através de memorandos, de relatórios que ele sabia bem que tinha que entregar sem precisar que ninguém o cobrasse disto. Ele sabia que ela estava esperando um único passo em falso seu. Uma única oportunidade e ela o encostaria na parede de forma irreversível. Precisava se preparar para isso. Precisava pensar em alguma coisa. Tinha que ter uma carta na manga para o caso dela acuá-lo. Pois era só uma questão de tempo. Ele sabia.


Andou cerca de trezentos metros na calçada oposta até alcançar o café onde ele normalmente abastecia-se de capuccinos, refrigerantes diet e tortas sem muito gosto de nada.
Desde que fora morar no apartamento, quando separou-se, sentia falta de refeições caseiras, de algo que não fosse congelado, empacotado ou vendido em máquinas movidas à moedas. Já comia fora o suficiente por conta das constantes viagens, refeições no avião, hotéis, bares, o que estivesse mais à mão e coubesse no apertado orçamento do departamento. Não que Haley fosse uma especialista em culinária, mas a opção eram sandwiches , pizzas e saladas que vinham prontas em caixinhas, nada tão acolhedor assim para um estômago acostumado a comer mal .



Entrou no café distraído, mas em três segundos seu olhar identificou a figura de um mulher de costas no caixa pagando uma conta. Caminhou em direção a ela e parou.
Ficou apenas observando-a. E quando percebeu que estava perto demais e pensou em retroceder já era tarde. Ela virou-se e, surpresa em encontrá-lo, quase lhe entornou no paletó o copo grande de café que carregava junto ao peito. 


- Hotch, puxa, você me assustou! Vocês já estão me procurando? Porque ontem fomos dormir muito tarde e você disse.... E eu já estava subindo, já estou quase chegando..... Puxa você podia ter me telefonado.... Aconteceu alguma coisa?


O rosto dele era todo confusão. Queria explicar que era só uma coincidência, mas ela estava tão surpresa e derramou toda a espécie de justificativa pra cima dele que o deixou sem reação. Além do que, Prentiss estava especialmente bonita esta manhã. O cabelo estava solto e lhe emuldarava um rosto bastante iluminado. Estava de saia, coisa que normalmente só usava quando sabia que só faria trabalho interno.

- Aconteceu que eu estou com fome. Só isso!
- Puxa! - Ela pareceu genuinamente surpresa - Ok! Você não precisa de mais nada?
- Preciso comer.
- Quer companhia? Ela olhou fixamente em seus olhos. Hotch parecia perdido.
- Não, não, eu estou bem e volto o mais rápido que puder. Tente colocar seus relatórios em dia. 


E ao desviar-se dela levou junto uma cadeira, esbarrou em um menino e deixou para trás uma Prentiss certa de que havia embaraçado seu chefe.

Quando chegou ao balcão, sentou-se, fez o pedido e esperou, pensando no efeito que o encontro com Prentiss havia lhe causado. Ficou surpreso pela lembrança. A lembrança daquele olhar intenso enquanto lhe perguntava se não precisava de companhia.
Precisava manter o foco. Lembrou-se do dia terrível que teria pela frente. Das suas obrigações e do quão pouco havia descansado. Não podia perder o foco. Precisava de algo que lhe motivasse, que lhe lembrasse de vez em quando que a vida era mais do que George Foyet, Erin Strauss e toda a podridão do mundo. Claro, havia Jack. Mas Jack estava longe. Enquanto partia com o garfo outro pedaço de torta, lembrou-se da voz que havia embalado seus sonhos na noite anterior. A voz que lhe parecera música aos ouvidos e achou que podia ter encontrado um bom motivo. O olhar intenso de Emily Prentiss.

Um comentário:

  1. Huhuhuhuhu
    Super discreto senhor Hotchner... Ninguém notou você perder o rumo... Só o mundo todo. Kkkkkkk
    Gostei, gosto desse impacto.
    A Strauss no começo era insuportável, e quando passei a gostar dela, morreu. u.u coitada.
    Já vi que vai narrar o Morgan de chefe. To gostando.
    Quero Hotchniss.
    Vamos seguindo. Bjos

    ResponderExcluir