sexta-feira, 24 de agosto de 2012

FIC - PEDRAS NO CAMINHO - CAPÍTULO 9



 

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.” 

Fernando Pessoa




Aaron Hotchner andava impaciente. Haviam já se passado alguns dias da sua conversa com Rossi no restaurante, mas tudo o que havia sido dito não lhe saía da cabeça. Ia e voltava do trabalho sempre pensando que aquele seria o dia em que teria notícias de Foyet, de que haveria uma pista, de que haveriam novidades sobre o caso. Mas não havia. Havia muito trabalho sim, mas nada que o levasse ao seu algoz. Hotchner era uma alma torturada vagando ora por entre as mesas do bureau, ora, por entre os móveis de seu apartamento. Nada lhe trazia um pouco de paz. Claro, estar entre seus colegas durante o expediente sempre distraía um pouco sua atenção. 

Às vezes divertia-se com alguma piada de Rossi, com as esquisitices de Garcia ou surpreendia-se com a inocência de Reid, mas era tudo superficial. Seu único alento era estar próximo de Emily. Em alguns momentos era apenas um olhar, às vezes ela passava por ele e perguntava se estava tudo bem, ao que ele sempre respondia positivamente. Em algumas ocasiões sentia uma enorme vontade de dizer: - Não, não está, podemos conversar? – mas achava aquilo tão inapropriado, tão descabido, que desconsiderava a alternativa antes mesmo dela virar uma opção. Mas gostava da idéia de tê-la por perto. E mesmo que ela nem imaginasse, ele a tinha em seus pensamentos em tempo integral.



Há algum tempo passou a considerar a possibilidade de imaginar sexo com Emily Prentiss. Nas noites mais cruéis, em que sua cama ficava pequena demais para tanto desespero, apegava-se à imagem desta mulher para seu conforto e seu prazer. Nas primeiras vezes foi muito difícil. Fora um homem pouco dado a grandes aventuras amorosas. Apaixonara-se jovem, se casara e fora fiel a uma única mulher por toda a vida até então. 

Não era comum, pois então, que tivesse pensamentos com alguém com nome e endereço conhecidos. Ela havia sido sua subordinada! Claro que tinha lá suas inspirações, mas elas eram sempre figuras anônimas, padrões de revistas das quais se tornara íntimo depois de seu divórcio. Nada que se comparasse a alguém com quem ele cruzava diariamente, que sentasse ao seu lado frequentemente e com quem discutisse motivações psicótico homicidas. Era uma coisa totalmente nova em sua vida. Imaginar sexo com Emily Prentiss. Imaginar se afundar em seu corpo quente até que tanto prazer lhe trouxesse alívio e o fizesse esquecer a dor de suas feridas. Tocar-se, até não poder mais sentir retido o grito e pronunciar o nome preso em sua garganta como quem implora por sua vida. Buscar entre as curvas de seu corpo o repouso merecido de alguém que não se sentia descansado havia muito tempo. Era cruel perder-se nestas divagações e pela manhã tratá-la como alguém a quem devia apenas respeito profissional. Era algo inusitado para o qual ele positivamente ainda não estava preparado, mas que também não podia evitar. 



Quando pela manhã foi comunicado de sua viagem para alguma cidade onde alguém estava dizimando famílias inteiras, pensou em seu filho. Sentia saudades e na verdade odiava crimes que envolviam crianças. Não podia haver nada mais odioso do que lidar com crimes contra crianças. Tudo o que via em sua profissão era de fato muito ruim, mas assassinos que dizimavam a inocência em sua mais pura essência eram os piores. Na grande maioria das vezes as crianças nem entendiam o que lhes ia acontecer. Não havia nada mais brutal do que ceifar uma jovem vida. Estes eram os casos que normalmente lhe despertavam mais motivação para o trabalho. E neste momento específico de sua vida estes casos lhe tornavam mais intenso, mais dedicado, se isso fosse possível.


Quando Morgan lhe pediu que visitasse Karl Arnold, um assassino que havia agido de forma similar no passado e podia estar recebendo correspondência de um imitador na penitenciária, de imediato solicitou que Emily fosse junto. Queria acreditar que a havia chamado porque ela pudesse lhe ser mais útil do que os demais agentes, mas no fundo, sabia que sua companhia lhe ajudaria a atravessar mais aquele difícil momento em seu dia. Já seria ruim o suficiente encarar Karl Arnold novamente, um sujeito asqueroso que obtinha prazer em dizimar famílias inteiras com toques de sadismo e barbárie sexual, e, claro, o miserável não deixaria escapar o fato de ele agora não usar mais sua aliança. A aliança era o troféu mais importante de Karl. Para ele também tinha um significado especial. Sempre acreditara no valor da família, na fidelidade e na dedicação a um relacionamento que, apenas por própria culpa, já não existia mais. A companhia de Emily certamente tornaria o episódio menos doloroso, além do fato dela ser uma excelente profissional e contribuir, com certeza, para a evolução dos esclarecimentos necessários para a resolução do caso atual.



Durante o caminho para a penitenciária, revisaram o caso de Arnold exaustivamente já que ela na época não fazia ainda parte do seu time. Procurou concentrar-se nos fatos, embora, em alguns momentos, fosse muito difícil não imaginar que poderia estar fazendo com Emily naquele momento, sozinhos no carro, coisas muito mais interessantes do que chafurdar-se na lama que era a vida de Karl Arnold.


Logo ao chegarem percebeu o quão difícil para Emily seria aquela visita. Atravessar aquele corredor cheio de pervertidos e malucos de toda a espécie já era muito difícil para ele que era homem, que diria para uma mulher bonita como ela. Quando ouviu Karl pronunciar seu nome, sentiu um embrulhar no estômago. Ele sabia que Emily era forte, mas Karl Arnold iria levar ao extremo aquela experiência.
Foram horas de provação, reviver aqueles momentos passados, pela boca daquele cretino.Ele saboreava cada palavra dita, cada evento lembrado. Queria ver fotos, se gabava pelos seus feitos e fustigava os agentes de forma primorosa. Chegaram a conclusões que levaram à captura da assassina, mas foi muito doloroso assistir a agente
enojar-se com tudo aquilo. E havia mais. Karl Arnold parecia não satisfeito em somente reviver seus crimes, mas parecia tripudiar Hotchner. Havia mais. O suspeito que havia feito contato com Arnold na penitenciária nada tinha a ver com os crimes que investigavam naquele momento, tinha a ver com ele. Parecia pessoal. Hotch começou a ter maus pressentimentos, sua mente começou a trabalhar rapidamente, tentou rever fatos, unir palavras, coisas ditas por Arnold que pareciam desconexas, mas que começavam a fazer sentido.



Ele vasculhou os papéis de Karl, suas anotações num caderno velho, até que encontrou por entre as páginas, uma folha dobrada que confirmou suas suspeitas mais insanas. Ele havia sido levado até Karl Arnold por obra e arte daquele que tornara sua vida um inferno na terra. Visto o símbolo rabiscado por sobre sua foto num recorte de jornal não precisou do nome pronunciado pela agente Prentiss para sentir uma pontada profunda em seu peito. O ar lhe faltava. Saiu transtornado daquela cela, deixando para trás um prisioneiro satisfeito em ver os efeitos que todo o plano provocara.


Emily tentava acompanhá-lo, mas Hotch tinha o passo pesado e acelerado, como alguém determinado a cometer uma loucura. Precisou correr para alcançá-lo. Chamou por seu nome duas, três vezes, mas era como se ela não estivesse em seu encalço. Ele parecia estar em outro mundo. Um mundo de dor, onde o limiar da loucura parecia colocá-lo à prova.

No estacionamento, ele esmurrou a porta do carro por várias vezes. Ela não sabia o que fazer. Então ela o tocou. Segurou-o pelo braço que ainda estava em movimento e que quase a tirara do chão e gritou seu primeiro nome:

- Aaron! Por Deus, sou eu, Emily! Me ouça! Tente se acalmar! Eu estou aqui! Olha para mim!

A força daquela voz ecoando seu nome, aos poucos foi fazendo-o recobrar o juízo. E não estava pensando com clareza quando a puxou para perto de si e a abraçou. Dias depois ainda não conseguiria dizer como não havia quebrado sua mão naquela hora, mas saberia dizer com certeza que o momento daquele abraço havia sido a coisa mais reconfortante que tivera nos últimos meses.


Pareceu durar uma eternidade, mas de fato, durou poucos instantes. Assim que pôde ordenar seus pensamentos afastou-se dolorosamente de Emily, sabendo que havia dado um passo que não teria volta. Tentou recompor-se, e pediu desculpas a ela. E antes que ela pudesse responder, voltou pelo mesmo caminho que havia feito para recuperar sua arma que ainda estava sob a guarda da administração da penitenciária.
 

Emily o seguiu em silêncio. Após recuperarem seus pertences, voltaram para o carro e ela tentou tirar a chave da mão de Hotch.


- Você não pode dirigir assim. Deixe-me levar o carro.
- Não, eu já estou bem. Me descontrolei, mas já estou bem. 

O que ele dizia, ele mesmo parecia não acreditar. Era como um pesadelo daqueles em que você quer despertar e não consegue. Ele pôs a chave na ignição, mas não ligou o carro. E falou, sem olhar para ela.


- Emily, me desculpe, não fui adequado, eu perdi a cabeça. Tudo o que está acontencendo.... estou muito envolvido emocionalmente. Me desculpe, não vai mais acontecer.
-Não, tudo bem. Você não fez nada! Este homem está levando você à loucura e acho que se fosse comigo eu já teria perdido a razão à muito tempo.
-Foi bom,..... você estar por perto.......
-Eu sei. Foi bom estar perto....
-Eu quero matá-lo! Eu sei que é errado, mas quero matá-lo! Ou estar morto, porque viver assim é o mesmo que não estar vivo.

Aquelas palavras atingiram Emily com brutalidade. 

-Não, você não pode querer isso. Você está vivo. Pessoas dependem de você. Pessoas lhe querem bem!
-Quem depende de mim? Meu filho e a mãe dele estariam vivendo melhor se eu estivesse morto. Levam uma vida de privação porque eu não fui capaz de protegê-los e estariam livres para viver suas vidas se eu me fosse. Eu não consigo me olhar no espelho, Emily. Ponho a vida de minha equipe em risco todos os dias apenas por os estar acompanhando. Para quem eu sou útil vivo?



Aquelas palavras bateram em Emily com a força de uma marreta. Ela queria tomá-lo para si, queria poder confortá-lo, mas sabia o quão inapropriado aquilo parecia naquele momento. Não podia prever como ele reagiria. Decidiu esperar. E veio o silêncio. Por alguns minutos foi como se lessem os pensamentos um do outro sem que palavras fossem ditas. Porém, quando se entreolharam havia fogo em seus olhos. Havia desejo. Um desejo ardente, desesperado. Não havia nada de meigo ou carinhoso naqueles olhares. Eram olhares de necessidade, de urgência. Eles sabiam o que queriam. Sabiam que era errado. Sabiam que isto mudaria suas vidas. Mas já haviam decidido. Era uma questão de tempo.
Emily, sempre tão cheia de palavras, naquele momento, mal podendo respirar, apenas conseguiu murmurar : - Apenas nos leve daqui!

Ele ligou o carro e partiram em direção ao grupo, que os esperava no hangar. Já no avião, Hotch sentou-se distante de todos e coube a Emily descrever aos seus colegas o que tinha acontecido. Claro que todos compreenderam porque ele estava daquele jeito. Morgan fez menção de levantar-se para conversar com ele, mas Rossi o impediu.

- Não é inteligente falar com ele agora. Ele precisa por suas idéias em ordem. Precisa de tempo para dissipar sua agonia. Deixe-o em paz por ora.



Emily agradeceu emudecida pela decisão de Rossi. Sabia que naquele momento tudo que ele precisava era ficar sozinho. Bastava ela, ter sido tão dissimulada, para tentar não transparecer tudo o que se passara entre eles alguns minutos atrás. Era muita coisa para absorver. Sentia-se aflita por ele, mas sentia-se feliz, por saber que aquele desejo não era só dela, que eles partilhavam aquilo.

Aaron Hotcnher tinha seus olhos fechados e seus pensamentos voltados para os acontecimentos das últimas horas.Sabia que enlouquecê-lo era o objetivo de George Foyet. Pressentia que dali para frente as coisas só poderiam ficar piores. Então focou-se nos olhos de Emily Prentiss. Olhos cheios de desejo que pareciam ter vida própria. Os olhos de Emily. O sorriso de Emily. O corpo de Emily. Tudo que ele precisava para se manter vivo de novo. Ela o iria ajudar a reinventar-se, se não fosse por ele, que fosse por seu filho, pela mãe de seu filho. Ou, por ela. E lembrou-se das palavras de Lao Tse: “ser profundamente amado por alguém nos dá força; amar alguém profundamente nos dá coragem”.

Ao desembarcarem, já tarde da noite, cada membro do time seguiu para suas residências. Todos só queriam ir para casa. Todos. Menos Aaron Hotchner. Ele sabia bem para onde deveria ir agora.

Um comentário:

  1. Uau... Que intenso.
    Sinceramente, como eles seguraram o beijo eu não sei. Só sei que se querem como nunca. O Fox não presta. Como provocou. Mas, isso também foi útil. Devo agradecer, vou mandar uma garrafa de vinho envenenada para ele de presente. Hihihihi

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