quarta-feira, 10 de outubro de 2012

FIC - DECISÕES - CAPÍTULO 3



” EXISTEM APENAS DOIS MODOS DE VIVER A VIDA: UM É COMO SE NADA FOSSE MILAGRE; O OUTRO É COMO SE TUDO FOSSE UM MILAGRE. EU ACREDITO NO ÚLTIMO!”

(Albert Einstein)




Ele tinha que manter-se concentrado. Precisava providenciar todas aquelas coisas acreditando que ela sobreviveria. A primeira coisa a fazer seria um contato com o responsável pelo Hospital onde ela estava sendo atendida. Para falar a verdade estava meio perdido. Quem fazia estas coisas era JJ. Desde que ela havia sido transferida todas estas formalidades estavam sendo divididas entre ele e Penélope Garcia. Mas naquele momento ele não podia contar com nenhuma das duas. Enquanto dirigia até o Hospital, entoava como um mantra o desejo de que ela sobrevivesse.

- Ela vai ficar bem! – Repetia e repetia a frase inúmeras vezes até que ela parecesse necessária ser ouvida para que pudesse respirar.
- Ela vai ficar bem! – Sentiu um arrepio. Era a mesma frase que repetia enquanto percorria o caminho de sua casa, no fatídico dia em que ouviu a única mulher que amara até então, morrer enquanto dirigia para salvá-la.

Precisava de um milagre. Ela estava tão ferida e parecia tão frágil. A imagem de Morgan ajoelhado ao lado dela não lhe saía da cabeça. Precisava acreditar em milagres. E ele não acreditava em milagres. Aquilo não estava acontecendo. Não de novo.

- Isto não vai se repetir. Ela vai ficar bem! – E enquanto dobrava esquinas e fazia ultrapassagens, pedia àquele a quem sempre recorria para que protegesse Emily e não permitisse que ela se fosse ainda.
Lembrou-se que, no afã de resolver aquela situação, havia deixado Rossi e toda a sua equipe para trás sem qualquer explicação. Bem, eles encontrariam uma outra forma de chegar ao hospital. As explicações ele deixaria para depois.
Quando encostou a SUV preta no estacionamento superior do Hospital Geral de Boston, seu telefone tocou.

- Ela deu entrada com vida, Hotch. Eles estão fazendo o possível. O estado é muito grave, mas estável. Mas meu acesso é limitado. 

Com um suspiro aliviado, agradeceu intimamente pela notícia não ser pior do que já era.

- Isto já é alguma coisa. Já estou aqui. Estou indo falar com o diretor geral. Pedir para que ela seja atendida sob sigilo.
- Você quer que eu me junte a você?
- Não, fique próxima dela. Me ponha ao par de toda informação. Algum médico te disse mais alguma coisa?
- Não, nada além de me mandarem aguardar.
- Ela te disse alguma coisa na ambulância?
- Não, a consciência dela parecia ir e voltar, não sei se ela me reconheceu.
- Certo, estou entrando, me ligue assim que souber de algo.
- Hotch!
- Fale....
- .....Estou com medo!
- Eu também, JJ, eu também...Eu...
- Como?
- ... não posso perdê-la!
Ele apenas completou a frase em pensamento.
- Reze, apenas reze.

Após uma hora e meia de negociação com a direção do Hospital e arranjos administrativos, ele juntara-se ao grupo na sala de espera. Seus companheiros não ousaram questionar onde ele estivera por tanto tempo e ele não deu-se ao trabalho de arranjar uma desculpa. Apenas sentou-se em uma poltrona e permaneceu calado em companhia de outros tantos silêncios.

Passaram-se nove longas horas com ela em cirurgia e sem qualquer informação adicional. Jenniffer Jareau ligava esporadicamente para ele apenas para dizer que ainda não havia nada a dizer. Vez por outra alguém mudava de posição, suspirava fundo, enxugava lágrimas furtivas. Ninguém tinha disposição para conversar. De forma velada, cada um à sua maneira, passava em revista os últimos acontecimentos, seus medos, seus temores. Assustava a possibilidade da perda de alguém tão querido, assustava mais como de repente a morte lhes parecera tão presente, tão próxima.

Faziam isto dezenas de vezes em um ano, presenciavam olhares incrédulos, vazios, a falta de palavras, o choro compulsivo, a negação. Sabiam o quanto a morte trazia dor aos que ficavam, àqueles a quem era comunicada a perda, mas novamente aquela dor ameaçava a eles próprios. Todos ali haviam, de uma forma ou de outra, perdido pessoas que amavam, que lhes eram caras, mas aquilo era diferente. Fora com Emily, mas poderia ter sido com qualquer um deles. Quantos naquele grupo poderiam dar-se ao luxo de deitar-se em suas camas certos de que não havia na noite escura qualquer alma desejosa de vingança, seres cuja existência seria dedicada a torturar e matar aqueles que o haviam capturado. Nunca haviam se sentido tão frágeis. Logo agora, quando eles achavam que as feridas que Foyet havia aberto em Hotch e sua equipe estavam cicatrizando.


As lágrimas escorriam silenciosas pela face de Penélope e enquanto o braço vigoroso de Derek a amparava, ela não podia deixar de pensar nos inúmeros recados que havia deixado, espalhados por todos os seus números de telefone. Não tinha certeza se ela ouvira qualquer um deles, mas agora gostaria de pensar que sim. Sua menina, em seus momentos mais difíceis precisava saber que sua família não a abandonaria. Não queria pensar que ela poderia ter enfrentado tudo aquilo achando que estaria sozinha. Vieram-lhe à mente os momentos em que ela própria fora baleada e a horrível sensação de abandono, aqueles infinitos instantes em que você acredita que, por mais que pudesse gritar muito, muito alto, ninguém no mundo poderia ouví-la. E que maldade seria se sua última imagem fosse a de seu algoz. Aquele homem horrível que tanto a tinha maltratado. Às vezes, quando os pensamentos se tornavam muito dolorosos, suas lágrimas vinham acompanhadas de uns poucos soluços e um chiado curto, que logo procurava controlar quando sentia a mão grande, mas incrivelmente suave, do jovem negro em seu rosto a amparar o líquido que escapava de seus olhos.

A maturidade e a experiência não traziam conforto a um Rossi visivelmente abatido, mais do que fosse provável esperar. Todos estes anos não haviam lhe preparado o suficiente para a perda de uma vida de forma tão estúpida. Por mais óbvio que fosse o perfil de Emily, era difícil crer que ela se pusera em risco para poupá-los. Não que fosse difícil prever tal comportamento. Difícil era aceitá-lo. Passou em revista os momentos de pura alegria da agente morena e cheia de vida, que arejava o ambiente de trabalho com seus comentários inusitados e suas brincadeiras às vezes fora de hora. Lembrou-se do quão desconcertada ele a deixou, junto com seus amigos, quando os pegou traçando seu perfil a partir de uma sala semi pintada e um quadro de alto valor, entre seus pertences de recém chegado. Recordou da dolorosa conversa sobre o aborto da amiga, das horas difíceis que foram aquelas durante um caso tão pessoal. Foi inevitável também dirigir um olhar ao seu amigo, um misto de piedade e lamento, por saber o que ela significava para ele. O jeito sisudo e quase arrogante dele escondia um pedido de socorro pungente, uma urgência em ser feliz, que ele não sabia como lidar, visto que dizer que a amava era coisa impensável para o chefe da unidade. Quanto desperdício! Se houvesse alguma espécie de justiça divina, aquela não deveria ser a hora de sua amiga. 

Percebeu a menina que estava decidido a treinar sentada ao seu lado, olhar assustado, mais pelo inesperado da situação do que pelo vínculo com a agente Emily Prentiss. De certa forma sentiu alívio, pois ali não haveria sofrimento real, ela não fazia parte ainda daquela grande família.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo toque discreto do celular de Aaron Hotchner.
- JJ? – A voz de Rossi ecoou mais forte do que ele gostaria.
Ele olhou o visor e fez um sinal negativo com a cabeça.
- Não, do escritório. Com licença.
Em seguida levantou-se e dirigiu-se ao corredor lateral, que dava acesso à saída.

Seu coração pareceu parar de bater naquele instante. Sabia o que o aguardava do outro lado da linha, um recomeço ou o fim de tudo. Se tivesse opção, talvez não tivesse atendido. Não sabia se poderia se sustentar sobre as próprias pernas se a tivesse perdido.

- A cirurgia acabou. Ela está estável. Os danos foram contidos e ela deverá ter uma boa recuperação. O médico disse que as próximas quarenta e oito horas serão decisivas, mas ele não acredita que ela tenha dificuldades. 

Todas aquelas palavras foram ditas entre lágrimas e soluços vindos de uma amiga emocionada e aliviada. Todas aquelas palavras foram ouvidas sem que ele movesse um único músculo do rosto. Embora sentisse suas pernas moles e seu estômago em frangalhos e sua única vontade neste momento fosse a de soluçar como JJ fazia do outro lado da linha, ele tinha que se manter focado. De seu comportamento dependia a credibilidade de tudo o que viria a seguir. Ele nunca se sentira mais feliz na vida do que com que o ouvira agora, mas para ele, tudo aquilo estava apenas começando.

- O médico vai assinar o atestado de óbito e transferí-la para a unidade de terapia intensiva já com o novo nome, seguindo sua recomendação. Só dois enfermeiros e o anestesista, além do próprio médico vão saber o que aconteceu. E eles já foram instruídos pelo diretor do hospital a assinar o acordo de confidenciabilidade. Não sei que pauzinhos você mexeu, mas já chegou aqui uma agente que vai se passar por enfermeira e ficará com ela até que ela tenha alta. 

Aos poucos, ele foi processando toda a informação. Parecia um filme de enredo ruim cuja exibição ele gostaria de interromper.

- Ela deve acordar da anestesia a qualquer momento. Vou esperar para conversar com ela. Feito isto, deveremos dizer a eles......
De forma inconsciente ele olhou pelo vidro e fitou seus amigos. Aquilo seria difícil....
- Hotch, não há mesmo outra opção? Bem, sabe, isto irá destruí-los....

Ele sabia....

Quando olhou para Reid, que não conseguira articular qualquer palavra desde que chegara àquela sala, ou Garcia cujas lágrimas não paravam de escorrer pelo rosto, sentiu uma vontade desesperada de mudar de idéia.

- Não há outra forma, JJ. Faça o que tem que fazer. Nós não estamos em posição de escolher...
- Você tem razão. A segurança dela está em primeiro lugar.
- A deles também. Lembre-a disto.
Ele olhou novamente pelo vidro da divisória. Refletiu um instante se deveria ou não dizer mais alguma coisa.
- Diga também a ela... que eu sinto muito. Diga que nós vamos pegar o desgraçado e que ela vai voltar a ter uma vida normal.

Houve um silêncio mútuo. Ela não ousou perguntar por aquilo que parecia evidente ele querer dizer.

- Hotch...
- Diga também que ela não vai estar sozinha... Que quando for seguro, faremos contato. Que vamos providenciar o necessário para que ela fique confortável. E...
- Sim?
- Só JJ. Você sabe tudo o que deve dizer. Eu fico te aguardando junto ao grupo. E... JJ... Obrigado! Eu sei que para você isto também não será fácil. Mas tenha em mente que será o melhor para ela.

E ele desligou, cheio de outras coisas em mente para dizer à Emily Prentiss. Desligou sem ter a certeza de que todas essas coisas seriam ditas um dia. Desligou arrependido por ter esperado tanto, por ter tido receio de arriscar, por ter sido tão covarde. Por ter, como sempre, colocado a razão à frente da emoção. Gostaria muito de crer que um dia, todas aquelas palavras presas em sua garganta seriam ditas a ela, que deixaria de lado o que os outros iriam pensar, o que iriam dizer, o seu trabalho e a sua culpa e iria arriscar-se com a agente morena de sorriso largo e olhos de pérola negra de quem ele nunca se esquecera mesmo depois de tantos anos. Olhos que o miraram do topo de uma escada há tanto tempo atrás que ele quase não se lembrava ter sido nesta vida. Olhos que buscavam uma reciprocidade que ele não podia oferecer, que tentavam uma chance que ele não podia dar. Olhos que o fizeram sentir-se culpado por pensar neles tão intensamente, tendo ao seu lado na cama a mulher com quem se casara e com quem tinha responsabilidades.

Responsabilidade. Era o que se esperava dele. Ele precisava manter-se focado e voltar para seus amigos. Logo uma notícia iria atingí-los de frente e ele precisava estar por perto. Ele assistiria calado ao sofrimento que iria se abater sobre o time, iria presenciar a dor alastrar-se e nada poderia fazer para amenizar aquele sentimento de qualquer um deles. Esse seria o seu papel. Como sempre. O de manter-se com os pés no chão enquanto tudo ocorria à sua volta. Enquanto seus amigos esmurravam portas, cobriam-se de lágrimas ou lamentavam-se da forma naturalmente esperada, era sempre ele que mantinha o rosto impassível, o tom de voz equilibrado, o raciocínio coerente. Era ele quem engolia as lágrimas, abafava os gritos e que, muitas vezes por isso, era julgado insensível. Foram poucas as ocasiões em que deixara a emoção interferir em seus julgamentos e suas atitudes. Agora não seria uma delas. Ele estaria ali para eles, mas sabia o quanto aquilo seria difícil.
Respirou fundo, voltou para a saleta onde os outros se encontravam e sentou-se. Agradeceu em silêncio pelo milagre em que ele não acreditava. Ou talvez agora acreditasse.

Então, só restava esperar.

Um comentário:

  1. Gente... Que triste... Quase chorei. Foi tão triste esse momento na série, lendo agora os sentimentos, só piorou. Coitado.
    Mas ele deveria ter dito pra JJ ajudar ela que nela. Não acho que deveria mandar outra pessoa dizer que ele a amava, mas sim dar a entender.
    Então, ela também ficou enraizada nele... Desde o passado. Achei mesmo suspeito ela lembrar que ele sempre evitava olhar pra ela. Suspeito.
    Lindo.

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