sexta-feira, 12 de outubro de 2012

FIC - DECISÕES - CAPÍTULO 8 ( FINAL)




“Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.
Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-a.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar, segure-o!”

Fernando Pessoa




Ela sabia exatamente quais palavras ele iria proferir, eram quase as mesmas palavras que a atormentavam sempre que voltava ao passado em suas lembranças. Mas quando elas bateram em seus ouvidos, ditas num tom baixo, em um misto de perplexidade e decepção, soaram doloridas como a marca que carregava agora em seu corpo. Como dizer ao homem ao seu lado que ela provavelmente não era a mulher dos seus sonhos? Eles eram tão diferentes. Para ele tudo era preto ou branco. Para ela, na maioria das decisões de sua vida, tudo havia sido cinza. E para ser justa consigo mesma nem ela gostava muito, às vezes, da mulher que havia se tornado.




Ela sentou-se ao lado dele na cama, o lençol já não lhe cobria os seios, mas ela não se importou. Ele fez menção de repetir o mesmo movimento, mas ela o conteve com a mão firme sobre o seu peito, mantendo-o deitado. Arrastou seus dedos preguiçosa e pensativamente sobre cada cicatriz na tez morena, caminhando sobre elas caprichosamente, sentindo cada falha na pele, como se desejasse que elas lhe trouxessem coragem e inspiração. Levara tantos anos para consumar seus anseios e, agora, tudo chegara rápido demais. Preparara-se para o prazer que desejara ter e não para a amarga experiência de escancarar suas opções na vida, imaginara-se nua sob o corpo dele, mas não previra ter que desnudar também sua alma naquele primeiro encontro.

- Eu só me apaixonei uma vez em minha vida e não foi por ele, Aaron. – Ela respirou fundo e buscou forças para continuar. Sabia que aquilo era muito pouco a dizer para o homem que estava deitado ao seu lado. Ele tinha o direito de saber toda a verdade. Aos poucos, deixou suas mãos escorregarem para fora do corpo dele e as repousou sobre o lençol que lhe cobria as pernas.

– Mas...é bom se sentir amada. E, acredite, Ian me amava. Muito. Sempre tive dificuldade para lidar com sentimentos e ser amada nunca foi uma prioridade em minha vida. Ser aceita, sim. Começou muito cedo, quando eu não conseguia me encaixar em lugar nenhum, quando fazia qualquer coisa para contrariar uma mãe dominadora e um pai omisso, quando não vivia tempo suficiente em um mesmo lugar para criar laços, sequer amigos. Creia-me, estas pessoas que eu não consigo encarar e que choraram minha morte, são as mesmas que, pela primeira vez em vida minha vida, me fizeram sentir ser parte de alguma coisa. Eu nunca tive muito a perder. Eu era a pessoa certa para aquele trabalho. Trabalhar infiltrado nunca é simples, mas é menos pior se você não tiver alguém que te ama esperando você voltar um dia, são e salvo. Eu não tinha.



Sem laços, apenas colegas de trabalho para quem um bom dia e um boa noite era mais do que o suficiente, um sem número de pessoas de quem me recordava apenas em datas festivas e uma família tão preocupada com seus próprios problemas que apenas desistiu de discutir comigo minhas escolhas na vida. Nada a perder, Aaron. A ganhar, apenas a satisfação de saber que seria um trabalho difícil, mas que eu era competente o suficiente para realizá-lo de forma eficaz. Para mim soava como um desafio profissional e eu tinha as minhas ambições.

Ele a ouvia com tanta atenção que sequer reagia aos toques suaves da mão dela de novo passeando por seu corpo. Bebia cada palavra, como um remédio amargo necessário para a cura de suas dores. Queria crer que, fosse qual fosse a resposta, tal qual um antídoto, tudo se resolveria, tudo seria passado. Mas doía ouvi-la dizer que nunca tinha sido importante para ninguém.

- Então veio o Ian. Meu suposto envolvimento com ele era previsível e necessário para que pudesse criar confiança e todo o seu esquema fosse exposto e ele, por fim, preso. - Ele não se movia, então, recolheu suas mãos novamente. Ela desviou lentamente o olhar para a janela ao seu lado, por onde entravam as luzes que a noite abrigava. - Mas eu não esperava que justamente alguém como ele pudesse me dar tanta atenção, tanto carinho. Ele realmente se importava comigo. Do jeito dele, ele me amava. Ele queria que eu fosse a mãe de Declan. Ele teria me dado o mundo, se eu tivesse pedido. E eu gostava disto. Da sensação de...



Parou, horrorizada com o que estava prestes a dizer a ele. Pela segunda vez no mesmo dia ela desejou enfiar-se em um enorme buraco porque, novamente, ele não dizia nada. Sequer parecia respirar. Ela olhou para ele. Era impossível descrever o rosto sério que a fitava. Não que ela esperasse dele complacência ou compreensão imediata, mas de certa forma, embora em um quarto de hotel, embora despido, ele agora se parecia muito mais com o chefe do Departamento, com o qual ela estava acostumada a conviver diariamente.

- ... é horrível, eu sei. Eu sempre soube exatamente quem era Ian Doyle, todas as pessoas que matara, todas as que mandara matar. Sempre soube de toda a sua crueldade, dos seus crimes, sempre repudiei seus atos. E sempre tive certeza de que por mais que me amasse, não teria piedade de mim ao vingar-se, se por mim fosse traído. E, nunca, Aaron, NUNCA me esqueci que estava em uma missão. Em nem um momento me passou pela cabeça que as coisas pudessem ter um desfecho diferente. Eu sei o que parece, eu te disse uma vez, eu sempre tive um radar para caras ruins...Mas eu sei também....

- Você..... o amava?

Ele repetiu a pergunta quase como se tudo o que fôra dito não tivesse tido muita importância. Não que ele não tivesse absorvido toda a informação. Não que ele não tivesse compreendido seus motivos, nem que ele quisesse ser um canalha perfeito, tirando a fórceps, da mulher com quem fizera amor hora antes, uma informação tão íntima e pessoal. Mas não podia evitar. Certo ou errado. Sua régua moral não conhecia os números de um à nove em uma escala de zero à dez. Era zero... ou dez... às vezes doze.... Mas este era ele, e ele precisava saber... Ela ainda olhava de canto pela janela, mas ele podia ver, refletidas em prata, as lágrimas silenciosas que escorriam pelo rosto triste dela.



Ao contrário dele, que aprisionava todas as suas emoções, ela vertia toda uma gama de sentimentos em seu semblante. Ele queria abraçá-la, mas não conseguia se mover. Tentava entender como um homem como aquele pudera fazê-la sentir-se....tão bem. Ele e Doyle eram como água e vinho, diametralmente opostos. E precisava ter certeza de que ela não iria chorar a morte dele quando chegasse a hora. Parecia cruel, mas deixara de crer que a vida era apenas um amor e uma cabana há muitos anos atrás. Cedo ou tarde, o destino apresentava sua fatura e precisava estar certo de que estava disposto a pagar por ela.

Ela olhou para ele. Cinza. Toda a sua vida fôra pautada em cinza. Nem sempre preto, nem sempre branco. Cinza. Mas ela podia entendê-lo. Afinal, fôra por este homem que se apaixonara, há tantos anos atrás, quando do topo das escadas da entrada principal da casa da família, ela o avistara. O mesmo homem que respeitara a brilhante aliança que envergava e que, solenemente, ignorara seus apelos para ser observada. Qualquer outro homem teria cedido. Não ele. Ele sempre fôra o mesmo. Sempre fiel à suas convicções. Não a surpreendia hesitar em aceitar o cinza. Ele precisava de um sim ou de um não.

Com os olhos cheios d’água, ela buscou os olhos dele e perguntou-se brevemente em que momento insano de sua miserável vida achara que pudesse merecer o amor e o respeito de um homem como Aaron Hotchner. Embora ele estivesse a apenas a um toque dos seus dedos, ela sentiu um imenso abismo entre eles. Haveria como ser diferente? Ele sempre seria o homem que nada punha a perder, ela sempre seria a mulher disposta a tudo arriscar. Mas, afinal ele estava ali. Ele a havia procurado. Ela insistiu em buscar seus olhos perdidos e, de alguma forma, ele entendeu e atendeu a seu apelo e buscou pelos olhos dela também. E, em um silêncio ensurdecedor, ambos se agarraram, como em tábuas de salvação, à chance de serem felizes a despeito do passado, a despeito de serem tão diferentes.



Por alguns momentos, eles refizeram seus passos, viveram suas dores, aceitaram seus destinos.

Ela precisava responder. E ele precisava acreditar.

- Não, Aaron, eu não o amava. Nunca o amei. Mas estaria mentindo se lhe dissesse que não cruzei a linha, que não desfrutei de seus carinhos, de sua companhia, do cuidado que tinha comigo. Eu nunca esqueci que estava trabalhando. Nunca esqueci que ele seria preso. Ou morto. O que não quer dizer que eu não tenha desfrutado. Que não tenha misturado negócios com prazer...Eu vou entender se você não puder aceitar isto... ou se você me julgar insensata....

Não podia julgá-la. Não devia. Não faria. Ele ergueu seu corpo na cama. Sentou-se de frente para ela, o travesseiro em seu colo caiu, mas ele manteve seus olhos nos olhos dela. Tomou-lhe as mãos dela entre as suas. Sua voz era baixa, calma, mas determinada.

- Você sabe que vou encontrá-lo. Você sabe o que irá acontecer.... Você poderá lidar com isto?

- Eu sei que só estarei em total segurança quando ele morrer, mas você não tem que fazer isto....

- Eu vou fazer o que for preciso! Tenha certeza, eu vou encontrá-lo! Eu vou... - Ele queria dizer as palavras, mas elas pareciam fortes demais para o momento. Tentou conter-se. Ele deveria encontrá-lo porque a volta dela dependia disto e não porque odiava o fato de que um dia ele a tinha tocado, ele havia lhe dado prazer. Ciúmes. Não era um sentimento com o qual ele estava particularmente familiarizado. Não sentiu-se assim nem quando suspeitou de que Haley o traía. Seu relacionamento com Haley, passados os anos, era cheio de culpa, sentimento do qual ela fazia questão de lembrar-lhe em tempo integral e nada tinha a ver com o que sentia por Emily. Tentou manter-se focado nela.

- Você ... - Ele tentou refazer as palavras dela, sem muito sucesso. – Você não o amava. Eu posso entender... - Resmungou em um tom baixo, quase inaudível - Mas você disse que se apaixonou...



- Uma única vez em minha vida. – Ela passou a mão pelo rosto recolhendo com determinação as lágrimas que escorriam. A sinceridade estampada em seu semblante. – Em uma tarde de terça feira, na primavera, você vestia um terno cinza escuro risca de giz e uma gravata vermelha e branca. Eu estava empoleirada na varanda da casa, em férias e você só fazia dar ordens aos outros sete ou oito homens que o acompanhavam. Minha mãe sequer deu-se ao trabalho de nos apresentar. Você passou por mim e me cumprimentou educadamente, perguntou meu nome e se desculpou pelo barulho inconveniente que sua equipe estava provocando. E seguiu com seu trabalho. Você era o homem mais bonito que eu já havia conhecido. Sua voz cheia de determinação e sua postura cheia de responsabilidade me fizeram desejar você, ali mesmo, mas você me ignorou solenemente. Observei você trabalhando por horas a fio. As câmeras, as guaritas, as orientações de segurança, os alarmes..... Te devorei com meus olhos. Mas você se comportou como um cavalheiro. Ali me apaixonei por você. Ali tive a certeza de que jamais te esqueceria. Mesmo que nunca mais o visse. Você nem deve se lembrar, mas...

Ele sentiu-se quente, excitado, porque não dizer, mais seguro de si. Ela havia realmente prestado a atenção nele. E era bom, de repente, deixarem de falar de Doyle para falarem deles próprios.

- Eu me lembro de tudo. Eu lembro de ter passado a noite em claro, lembro de não entender porque alguém com quem eu tinha trocado meia dúzia de palavras me tirava o sono e me fazia sentir mal, deitado ao lado da minha esposa. Eu me lembro de tudo. Mas eu não poderia.....

- Eu sei, você era casado e amava sua esposa. Isto só me fez admirar você ainda mais. O que não me impediu de passar muito tempo sonhando com você....

- Sonhos decentes? - Ele lhe deu um sorriso acanhado.

- Alguns.... Outros nem tanto....

- Me fale destes não tão decentes.....

Ele serpenteou suas mãos em torno da cintura dela e a puxou para cima de si, visivelmente mais relaxado.



- Ah!.... você não quer saber dos meus sonhos profanos com você...

- Deus, você tinha sonhos profanos comigo? Não sei se posso lidar com isto. – Ele a puxou para mais perto, seus lábios quase se tocando. – Emily, isto está além de uma noite.... Eu não ....

- Não precisa me dizer. Eu sei. Você não é homem de uma noite.

- Uau, isso soou péssimo! Me sinto como uma colegial...

- Vai soar melhor se eu lhe disser que eu também não sou mulher de uma noite?

- Ajuda. – Ele sorriu timidamente para ela, mas as covinhas que ela tanto amava
estavam lá. – Eu não posso imaginar o que você passou.... você não merecia isto...Deus, eu te amo tanto! - Ele a beijou apaixonadamente. E em um instante, em um suave virar de corpos, ele já estava sobre ela.

- Eu tenho que te dizer que ter um caso comigo não será tão emocionante quanto....

- Não ouse terminar esta frase agente Hotchner! Você não imagina como isto pode ser perigoso!

- Bem, eu não sou exatamente um cara cheio de emoções, embora um final de semana com Jack possa ser bastante desafiador! Você não sabe o que é estar na cama em um domingo às seis e meia da manhã e tê-lo pulando em volta de você pedindo para levá-lo ao zoológico, ao McDonald’s e por fim, assistir pela centésima nona vez Procurando Nemo....

- Não me importa o quanto você possa querer me assustar, Aaron. Domingos bem cedo no zoológico me parecem perfeitos....Adoro um Big Mac e Nemo e Dory me fazem voltar a ser criança. Então, talvez, um dia....

Ele a beijou novamente. Envolveu suas mãos nos cabelos escuros da mulher que amava e tentou acreditar na verdade que todas aquelas promessas representavam. Certamente as coisas não seriam tão fáceis como ele fazia por hora parecer.



Haveria uma longa caminhada até que eles pudessem estar juntos novamente. Haveria Doyle. Haveria a equipe. Haveria Strauss. Haveria de se justificar um funeral de alguém que nunca havia morrido. Haveria de responder por suas atitudes, por suas decisões. Tantas coisas que ele queria simplesmente nunca mais ter que sair de cima dela, de dentro dela. Afundar-se no calor do seu corpo era a única coisa real, todo o resto era mera suposição.

Quando ele a penetrou pela segunda vez, ela só queria acreditar que havia sido o suficiente, que ele a havia compreendido. Que, com o tempo, eles poderiam superar todas aquelas coisas. Ela queria crer que teria uma segunda chance de ser feliz e que não teria magoado ainda mais o homem que amava.

Fizeram amor tão intensamente, como se tivessem sempre pertencido um ao outro. Aquele momento mágico em que todos os problemas, as diferenças, as crenças e decisões ficam trancados em um compartimento, enterrado a sete palmos, longe de tudo o que não fosse a perfeição. O instante transcendental onde ao se chegar ao clímax, têm-se a certeza de ser ter conhecido o paraíso. Quando suas respirações já não eram tão intensas, quando seus corpos se tornaram preguiçosos, ela deitou-se sobre o seu peito dele e, já meio sonolenta, lhe disse, em tom de brincadeira:

- Minha boa amiga JJ me disse que Elizabeth Prentiss o chamou de idiota...

- Em alto e bom som....

- Teria adorado ver isto! Você lhe disse?

- Não precisei. Foi um momento difícil, mas acho que ela compreendeu. Acho que todas as mães sentem estas coisas...

- Talvez. Ainda bem que ela não lhe criou maiores problemas. Quando tudo acabar, talvez eu possa lhe contar que eu sempre fui apaixonada pelo homem que ela chamou de idiota. Gostaria de poder ver a cara dela...



- E dizer a ela o quê? Que ela tinha razão? Ela vai dizer que você perdeu de vez o juízo... – Ele correu do rosto dela um cacho de cabelos desalinhados para trás, e lhe aconchegou nos braços. E adorou ouvir a risada entre bocejos que ela lhe dera. – Durma um pouco, Emily, durma. Tente descansar.

- Quando você tem que voltar?

- Em algumas horas....

- Por que eu acho que você não vai estar mais aqui quando eu acordar?

Ele não respondeu. Apenas ficou a lhe fazer afagos sem fim, tentando aprisionar o tempo, que lhe escorria pelos dedos, impiedoso. A última coisa que ouviu dela foi um apelo:

- Por favor, tenha cuidado! Não posso perder você! Sempre foi só você... Eu não posso te perder....

Quando ela pegou no sono, ele levantou-se e cobriu o corpo dela carinhosamente. Tomou um banho demorado, tentando refazer em seu pensamento todos os momentos daquela noite. Passar-se-iam ainda muitas outras noites antes que eles pudessem reviver tudo aquilo novamente. Ele simplesmente não queria perder todos aqueles acontecimentos de sua mente. As palavras, o calor do seu corpo, o brilho dos seus olhos, o sabor dos seus beijos. O seu primeiro nome dito quase em uma prece no momento do gozo. Havia tanto a percorrer ainda até tê-la de volta, mas ele nunca se sentira tão vivo, tão certo do que queria.

Vestiu-se e conferiu o horário da passagem. Começava a amanhecer. Caminhou até a janela. A luz da torre Eiffel, agora empalidecida pelos primeiros raios de sol, tardaria a sumir de sua mente. Toneladas de ferro fundido que foram testemunha das melhores horas de sua vida em anos....Desviou seu olhar para o corpo adormecido na cama permeada pelos tons de verde do tecido que a cobria. Ela era tão linda. Não sabia se a podia compreender completamente. Talvez fosse melhor nem tentar. Se não pudesse aceitar, talvez não a merecesse. Ele apenas precisava libertá-la. Ele tinha muito a fazer. 

Conferiu o laço da gravata corretamente disposto em torno do colarinho. Estava na hora. Abriu a pasta que trouxera e puxou para fora o bloco que sempre o acompanhava. A caneta tirou do bolso interno do paletó. Sentou-se à mesa aparadora e rabiscou umas palavras. Pensou muito antes de escrever. As duas ou três folhas que dispensou, voltou a jogar amassadas dentro da própria pasta. Em cima da mesa de cabeceira, apenas a folha definitiva, o recado que queria que ela lesse. Aproximou-se dela e beijou-lhe a fronte, suavemente, para que não acordasse. Não poderia lhe dizer adeus. Não poderia dizer-lhe nada naquele momento ou não iria embora. Já na porta, virou-se ainda mais uma vez. Como se pudesse reter para sempre a imagem da mulher que mudaria sua vida, ele podia jurar que ela estava acordada. Melhor assim. Não havia nada a dizer. Ele apenas tinha que lhe devolver a vida que ela perdera. Não havia nada a dizer. Ele apenas tinha que fazer acontecer. Como, era problema dele.....

Ela esperou que ele batesse a porta. Ela não podia dizer nada a ele, simplesmente não podia dizer adeus. Sequer podia pedir que ele lhe devolvesse a liberdade. Não havia o que dizer. Ela se fez de rogada e ele partiu. Ela levantou-se, buscou pelo papel que ele deixara e sorveu todas as palavras do curto bilhete.

“ Volto para te buscar. Tenha paciência. Se cuide. Tenha muito cuidado! Te amo!
Aaron”

Ela se perguntou o que havia feito para merecer tamanha condescendência. O homem que amara por toda a vida estava disposto a lutar por ela. Isto era ainda muito mais do que ela esperava dele e sentiu uma ponta de culpa. Ela foi até a janela. A torre ao fundo já lhe era familiar. Paris não lhe traria mais más lembranças. Ao contrário. Paris era a terra onde havia sido feliz plenamente por uma noite. Onde havia amado mais que durante toda a sua existência. Onde havia sido possuída pelo único homem por quem valera a pena esperar.

Ele pedira paciência. Ela teria. De fato, a única coisa que a podia manter lúcida agora, era o que sentia por ele. Envolvera-se com alguns tipos bastante ruins. Fôra amada por Doyle, mas queria terminar seus dias amando e sendo amada pelo único homem que teve real importância em sua vida. Mas, temia por sua segurança. Não podia permitir que ele fizesse aquilo sozinho.

Depois de um bom banho e de arrumar-se, Emily deixou o apartamento de número 6 do Hotel Rive Gauche. Deixou o local, mas levou consigo as lembranças da melhor noite de sua vida. Ela não sabia quanto tempo seria até que pudesse ser Emily novamente. Ela não sabia sequer se teria um dia sua vida de volta. Sabia ao certo apenas, que haveria de dormir muitas noites, embalada pelas palavras, cuidadosamente escritas em um papel pelo homem por quem daria sua vida. Sabia agora que havia um motivo a mais para ir atrás de seu algoz. Precisava pensar. Mas sabia que para ter sua vida de volta, deveria estar disposta a enfrentar todos os seus fantasmas. Assumiria todas as conseqüências de sua difícil decisão. E toda vez que o fardo lhe pesasse demais, lembraria destas palavras:

“ Volto para te buscar. Tenha paciência. Se cuide. Tenha muito cuidado! Te amo!
Aaron”

Ruth Messing sentiu uma lufada de ar fresco da manhã e seu corpo estremeceu. Vislumbrou o colorido das flores na calçada, atravessou a rua, sumiu no vai e vem dos pedestres que seguiam seu rumo diário e, em poucos minutos, ela era apenas mais alguém na multidão. Levava com ela o cheiro dele, o brilho dos seus olhos, o toque de sua mão e a certeza de que, como Emily ou como Ruth, nunca mais seria a mesma pessoa.

E seu dia estava só começando.....

Um comentário:

  1. Olha... Acho que merecia um epílogo. Serio mesmo. Esse final em aberto deixou uma sensação estranha. Queria saber como segue depois disso, como se encontram e o que ela aprontou, porque visivelmente ela os aprontar.
    Gostei dessa reconciliação e como ela foi sincera com ele. Imagino ela aparecendo foi nada a procura dele com pistas de Doyle. Acho que se Ian suspeita-se dela com Hotch, certeza que teria ido atrás dele. Porque sempre achei que o Ian seguida gostando dela.
    Ótima Fic...
    Você pretende voltar a escrever?
    Beijinhos

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