quarta-feira, 10 de outubro de 2012

FIC - DECISÕES - CAPÍTULO 4



“NÃO IMPORTA SE A ESTAÇÃO DO ANO MUDA....
SE O SÉCULO VIRA, SE O MILÊNIO É OUTRO.
SE A IDADE AUMENTA....
CONSERVA A VONTADE DE VIVER,
NÃO SE CHEGA A PARTE ALGUMA SEM ELA."

Fernando Pessoa





Foi muito difícil. Apesar de saber que JJ estava ao par das boas notícias, ele podia ver a dor estampada em seus olhos quando ela abraçou Reid. Ele teve que sair de lá. Simplesmente não sabia o que fazer com toda aquela dor. Não conseguia olhar nos olhos deles sem dizer: “Me desculpem por isso!”
Então, ele apenas saiu. Após uns momentos, compartilhando a dor instalada na sala, JJ foi até ele.
Teve que ser rápido. E discreto. E ela quase sorriu. 


- Ela vai ficar bem.
- Eu sei.


Havia muitas coisas que ele queria perguntar agora, mas JJ não poderia responder. Disse a única coisa cabível, no momento.
- Fique com eles. Eu não sei bem como lidar com isto.

A agente loira voltou para a sala de espera, onde encontrou todos ainda em comoção. Os olhares vazios, a falta de reação, uma sensação de o que fazer agora e então, a primeira voz interrompeu os murmúrios e lamentos.


- Eu quero vê-la. Eu preciso me despedir. Eu não me despedi dela. Eu preciso....


Jenniffer precisou pensar rápido. Reid, assim como todos, haveriam de querer se despedir...


- Eu pedi.... que o caixão ficasse lacrado....
- Mas, por que? O que há de errado em manter o caixão aberto....
- Morgan, ela me disse. Em uma de nossas conversas, certa vez, ela me disse que achava horrível pensar na idéia de ficar exposta, o corpo morto, e todos à sua volta se lamentando, se isso acontecesse, quando acontecesse. Não era o seu desejo. Devemos respeitar....

JJ pensou se seria perdoada pela mentira deslavada que estava contando agora. Mas, levando-se em conta a mentira maior que era dizer que ela estava morta, talvez aquilo não fosse tão ruim assim. 

 


Ela estava ali para resolver os problemas, tapar os buracos e Hotch contava com ela. Deus, ela teria tanto o que explicar quando aquilo se esclarecesse, mas por hora, era o que deveria ser feito.

Pouco a pouco, todos foram tomando seu rumo, precisavam de um banho, algumas horas de sono, algo quente no estômago. A vida seguiria, por difícil que parecesse, a vida seguiria.
Rossi bateu nos ombros de Hotch e perguntou se ele precisava de alguma coisa.

- Não, está tudo bem. Vou verificar com o hospital os procedimentos para liberar o corpo, providenciar funerária, translado, estas coisas.
- Alguém precisa avisar a família. Você sabe onde encontra-los?

Ele não tinha pensado na família. Na mãe de Emily. Elas não eram próximas, até onde sabia, não se falavam há muito tempo, mas não podia deixar que soubesse de uma coisa daquelas através de boatos, fofocas ou uma nota no jornal. Não tinha idéia do que fazer.


- Não, mas vou verificar isto também.
- Você vai ficar bem? Se quiser, posso ficar. - A voz de Rossi era arrastada, cansada e desgostosa, mas ainda indicava preocupação com o amigo.

- Vou. Vá descansar. Se eu precisar de algo, te aviso.
- Sabe, não tem problema se você precisar de um tempo. Eu sei como ela era importante para você...
Aaron Hotchner sentiu uma pontada de culpa. Não havia como explicar à David que ele iria ficar bem.
- Vá, David, vá descansar. Eu vou ficar bem...

Quando todos saíram, ele caminhou, subiu alguns lances de escada e mostrou sua credencial na entrada do corredor do terceiro andar do prédio de paredes claras e frias para um guarda que fazia a segurança geral do edifício. Olhou para a placa indicativa e, na porta do CTI, em um lugar que lembrava uma grande área de distribuição, com salas enfileiradas dos dois lados, não teve dificuldades para encontrar uma enfermeira que lhe indicasse onde estava internada a paciente de nome Ruth Messing.



- No box seis. Ou sete. Parece que ela deu entrada agora a pouco. Posso me informar melhor para o senhor....Pode me aguardar aqui, preciso fazer uma coisa, mas já volto para lhe ajudar... – A simpática moça de branco foi dizendo e se afastando enquanto equilibrava uma bandeja com alguns copos descartáveis e comprimidos distribuídos em três pequenos recipientes.

Sabia que não podia entrar. Sabia que não devia se aproximar. Mas precisava vê-la, apenas uma imagem, que lhe aquietasse o coração, algo mais que as afirmações de JJ. Vasculhou com o olhar cada vão de porta de forma longínqua. Olhou para a sua volta e percebeu que todos ali estavam preocupados com suas tarefas. Na verdade, sentia-se invisível aos olhos de quem ali trabalhava. Mais alguns passos e deteve-se em uma porta semi aberta, o corpo miúdo , um rosto conhecido. 

Ela parecia dormir. Devia estar sob efeito de sedativos. Seu semblante era terno e suave. O que o trouxe à realidade foi o esbarrão que tomou de um enfermeiro.

- Posso ajuda-lo?
- Estou procurando uma paciente....
- O senhor não deve ficar nesta área....Espere na recepção....
- Eu sei, eu estou procurando....
- Qual o nome?
- Esther.... alguma coisa....

O enfermeiro deteve-se nas fichas que estavam penduradas na pregadeira da área de atendimento.

- Não há nenhuma Esther aqui. Tem certeza que o nome é esse?
- Devo ter me enganado. Me desculpe.....

Quando deu de costas para o enfermeiro, deixou para trás centenas de palavras que gostaria de ter-lhe dito, deixou para trás a chance de dizer que a amava, deixou-a em segurança.....

*****************



Eram três e meia da madrugada, seu paletó estava debruçado sobre um banco ao seu lado. Ele ainda vestia a camisa branca, agora com as mangas displicentemente dobradas até a altura de seu cotovelo e sua gravata vermelha estava frouxa em seu pescoço. Todos haviam voltado para suas casas, mas ele não havia tomado o avião com eles. Estava ainda no bar do hotel, olhando para o copo de Johnnie Walker Red Label com algum gelo que derretia na mesa à sua frente. A despeito da pouca luz do bar, o efeito do álcool devia encher-lhe de sono, mas ele nunca estivera tão desperto. O que estava fazendo?? Havia tomado algumas decisões e esperava ter acertado. Simplesmente não podia mentir para a mãe de Emily. Então, estava decidido, preferia passar por idiota a passar por mentiroso. Tentara alguns canais propositalmente sem sucesso e garantira que assim seria. Poderia alegar que havia tentado encontrá-la, que havia deixado recados, embora, inequívocos, e sabia que jamais chegariam a ela. Seria mais fácil assim. Não conhecia Emily tão bem, mas teve a impressão de que esta seria a alternativa que ela teria preferido.

Emily. Que diabos, quando se descobrira apaixonado? Por que ele sempre tornava tudo tão difícil em sua vida? Sentia-se cansado.
Tomou outro gole da bebida, já meio que diluída no gelo derretido e decidiu que precisava fazer algo a respeito. Afinal ela iria sumir, talvez, quem sabe, para sempre, e ele nunca mais a veria. Teria perdido a oportunidade de dizer que a amava, que ela era a luz que o fazia enxergar na escuridão, teria perdido, pela segunda vez, a chance de ser feliz.

Abriu sua maleta sob o banco ao seu lado e a primeira coisa que viu, foi um arquivo, com a foto de Ian Doyle. Deus, se o pegasse vivo, bem, não seria a primeira vez. Sabia bem qual a sensação de matar com os próprios punhos. Não era agradável, mas se aplicava novamente.



Alcançou um bloco. Papel e caneta. Rabiscou uns desenhos estranhos no canto da página, mas na verdade, buscava palavras. Há muito tempo não escrevia nada de punho próprio para ninguém. Ele escreveu, riscou, começou de novo. Riscou e tentou de novo. Amassou diversas folhas.

-Emily....

*****************


Ela não aceitava isso....
A amiga foi falando, mas era difícil aceitar tudo aquilo. Como assim, parecer morta? Estar morta? Deixar de ser Emily Prentiss... Ruth Messing???? Não, isto estava tudo errado. JJ falava e ela sentia dor. Ela tentava acompanhar, JJ dizia que isto seria o melhor....Odiava Ian Doyle.... 

Quando JJ se despediu, ela não queria que a amiga se fosse. 

- Aguarde, eu farei contato..... Não tente falar comigo.... Eu te procuro.... Seu nome agora é Ruth.....Obedeça a enfermeira Kelly Olson.... Ela é uma agente.... Ela sabe o que fazer.... Emily, não podemos discutir isso.... Eles também precisam ficar em segurança....É o melhor a fazer.....Pense nos outros, Reid, Penélope, Derek..... Nós sabemos o que estamos fazendo..... Hotch....
- O que tem Hotch?
- Ele tem tudo sob controle.....
- Ele sabe?
- Somente ele.... e eu....
- E os outros?
- Emily, isto está sendo difícil..... Para todos.... Tente entender....
- Eu sei! Doyle iria atrás deles....
- Pois é, nós vamos pegá-lo, Hotch disse....
- Como ele está?
- Sofrendo por você....
- Eu não quero que ele sofra....
- Bem, acho que isto está fora do seu controle.....
- Eu não quero....
- Emily, ele sofre porque te ama, não ache que isto não o afeta.....
- Ele, o quê?



- Emily, olhe, o que eu vou dizer é estranho, mas acho que ele sofreu mais por você do que todos que acharam que você havia morrido.....Não conheço Hotch tanto assim, mas ele está apaixonado por você e não preciso ser profiler para adivinhar isso. Talvez ele morra sem admitir, mas o fato é que ele precisou tomar uma série de decisões a respeito disto e acho que ele está tentando fazer o seu melhor....Faça o que ele te pede.... Aceite, é o melhor.... Eu juro, farei contato. Você não ficará sozinha.... Eu prometo. Mas agora eu tenho que ir.... Acredite em mim, eu ficarei em contato....

Era um pesadelo. Ela, Emily Prentiss, estava morta. Agora seria Ruth. Ruth Messing. Precisava acreditar no que sua amiga dizia. Precisava crer que não estaria sozinha, que JJ logo faria contato, que Hotch encontraria Ian Doyle. Que as coisas voltariam a ser como antes. Bem, nada voltaria a ser como antes. Ela tinha feito algumas opções em dado momento de sua vida e sabia os riscos que isto implicava. Sentia-se cheia de dor e cheia de raiva. Estava agradecida por ter sobrevivido, mas tinha a certeza de que viver como Ruth Messing seria doloroso. Estaria abrindo mão de seu trabalho, de seus amigos queridos, do homem que amava. Mas agora era tarde para lamentar. Gostaria de ter a certeza de que aquilo seria rápido e passageiro, mas na verdade, nem podia afirmar que não seria permanente. Existem vitórias que têm o sabor de derrotas. Aquele parecia ser um momento assim.


Após o enterro, Hotch pediu a JJ que reunisse a equipe, uma vez antes dela partir em definitivo. Queria certificar-se que teria o apoio de sua amiga para conversar com seus amigos e levar adiante aquela farsa.
Foi em um restaurante calmo e quase sem movimento que todos eles encontraram-se para dividir sua dor e compartilhar sua tristeza.

- Não vi a mãe de Emily no enterro. Você não teve notícias dela? – A voz de Rossi era contida e abafada, de quem não dormia direito há algum tempo.



- Deixei inúmeros recados, nenhum deve ter chegado à ela a tempo. Parece que ela está em algum país da Europa, em algum trabalho, não consegui uma informação confiável. Não podíamos ficar à espera de um contato seu....
- Bem, isto é triste... Levando-se em consideração que seus pais eram sua única família....
- Não, Penélope, nós éramos a sua família..... E não pudemos impedir tudo o que aconteceu....Não consigo aceitar isto...


A voz de Morgan estava dois tons abaixo do normal e não havia traço de revolta ou agitação, apenas uma infinita amargura.
Hotch sabia o que devia dizer, apenas não sabia por onde começar. Ele olhou para cada um de seus colegas, todos visivelmente abatidos com o fato e sentiu-se péssimo por não poder ajuda-los em quase nada naquele momento. Cabia a ele o papel de cobrar-lhes sanidade, de pedir-lhes para que voltassem às suas vidas e deixassem aquilo tudo para trás.

- O que aconteceu.... Não devia ter acontecido. Mas Emily fez algumas escolhas... Ela optou em omitir informações para poupar à nós, seus amigos, e isto teve um preço. Um preço alto, mas que lhe foi cobrado de forma impiedosa. Tudo o que aconteceu, nada pode ser mudado. Se algum de vocês achar que precisa de um tempo, de uma licença, eu entenderei. Mas, lembrem-se que ela fez de tudo para que nossas vidas não fossem afetadas. Todos temos o direito de ficarmos tristes, mas em nome de sua memória, não podemos estagnar nossas vidas. Não é o que Emily Prentiss esperaria de nenhum de nós.

Ele ainda pode ouvir alguns soluços, sentir secarem algumas lágrimas furtivas com o dorso das mãos e uns suspiros profundos quando, finalmente, ergueram um brinde à agente que nunca sairia de seus corações.

- À Emily Prentiss!

 

**************



Após um mês e meio sem ver nenhum rosto realmente conhecido, ela estava ansiosa por encontrar sua amiga. Ruth Messing iria encontrar Jennifer Jareau num café de pouco movimento nos arredores de Paris. O recado havia chegado conciso, sem muitas informações. Apenas data e local. Ela sabia que aquele poderia ser seu último contato com o mundo como Emily Prentiss. JJ havia lhe garantido no hospital que Hotch iria providenciar tudo o que fosse necessário para seu conforto, dinheiro, passaportes, documentos. Depois disto estaria por sua conta. Depois disto, apenas se um dia Ian Doyle fosse recapturado, Emily Prentiss voltaria à vida. Deus, odiava tudo o que estava acontecendo. Odiava lembrar-se de tudo o que estava abrindo mão.


Eram 19:30 horas, caminhava pelo final da Rue Ancienne Comédie e procurava por um Café, o Café Procope. Havia pouca gente no local, sentou-se e pediu café au laite e um duo au chocolat, afinal, precisava açucarar sua vida de alguma forma.
Quando JJ chegou, quase não a reconheceu. Os cabelos estavam bem mais curtos e a expressão mais sombria. O sobretudo e as botas também não eram algo que JJ esperava ver. Ela não se parecia com Emily. Talvez agora, se parecesse mais com Ruth. Quis lhe dar um abraço, mas teve receio de exceder-se. Não queria chamar a atenção. Apenas sentou-se à mesa pequena, disposta na calçada de pouco movimento.

- É bom te ver. Como você está?
- Sobrevivendo. Ainda sou a mesma Emily....
- Fisicamente?
- Tenho dores..... Elas não se vão tão fácil assim....
- Olhando para você.... fico feliz.... apesar de tudo.... você parece bem!
- Quem vê cara..... não vê coração! Como eles estão?
- Está sendo difícil! Todos se culpam de alguma forma! E Hotch se desespera, porque não pode dizer nada....
- Gostaria que tivesse sido diferente!



- Você sabe que pode contar conosco. Aqui tem três passaportes, vistos para vários países, contas bancárias, você movimenta como quiser. Procure não chamar a atenção. Nós vamos fazer contato. Há uma caixa postal, neste nome, se precisar falar com um de nós.....
Jennifer Jareau empurrou por sobre a mesa a pequena pilha de documentos dentro de um envelope pardo.
- Não será por muito tempo. Tenha paciência....

Tudo o que ela queria ter era paciência. Não sabia por onde começar, o que começar. Era meio que nascer novamente. Mas ela sabia que a amiga estava fazendo o que estava ao alcance.
- Aí dentro tem tudo o que você precisa. Hotch pediu que entregasse a você...
- Como ele está?
- Devastado. Feliz por saber que você sobreviveu, mas sofrendo porque não pode dizer nada aos outros e se sentindo culpado por não ter sido mais útil do que realmente foi.
- Ele não teve culpa...
- Eu sei, mas ele não sabe. Ele sempre se culpa por tudo.
- No hospital, você disse....
- Que ele te ama? Emily, você tem dúvidas???

Ela pegou o envelope que JJ lhe ofereceu na mesa e partiu. Era difícil se despedir e era péssima com despedidas. Seguiu pensando no que a amiga havia lhe dito.

Paris era linda. À noite, era linda demais. Não fossem as luzes e a Torre Eiffeil, ainda haveriam as alamedas de Saint Germain dês Pres, que faziam toda a noite ficar ainda mais bonita. O movimento dos Cafés, o vai e vem na Pont Du Celestine, La Vie Em Rose tocada em cada esquina, o som do acordeon. Caminhou bastante até chegar ao apartamento que estava ocupando no terceiro andar da Avenue Caprie.
Quando entrou, jogou por sobre a mesa o envelope e foi refrescar-se. Trocou de roupa, ligou a televisão instalada à frente de sua cama, abriu uma garrafa de água, tomou-a até a metade e jogou-se por sobre os travesseiros. O canal vinte e cinco falava algo sobre Sarkozy e sua belíssima Carla Bruni. Adormeceu antes de ver tudo o que estava dentro daquele envelope.....

Um comentário:

  1. Tenso... Nem sei o que dizer. Achei de certa forma adequado o que Hotch fez com a mãe da Emily. Acho que teria sido muita crueldade dizer a umas mãe que a filha morreu, sendo isso umas mentira. Estou curiosa para ler a carta. Acorda Emily, abre s porcaria do envelope, faz o favor... Aqui seguimos. Gosto de como esta ficando.
    Beijinhos

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